Energia

Nova lei de concessões florestais cria mais possiblidades para a geração de créditos de carbono

A regulamentação das atividades em concessões florestais fomenta o interesse privado na conservação e gerenciamento sustentável de florestas públicas, avaliam Felipe Boechem, Guilherme Mota, Gabriela Mello e Victoria Weber

Nova lei de concessões florestais públicas diversifica as possiblidades para a geração de créditos de carbono. Na imagem: Vista aérea de curso de rio em região de reflorestamento da BBF na Amazônia com plantio da palma de óleo, que adapta-se perfeitamente à região amazônica (Foto: Divulgação)
Reflorestamento da BBF na Amazônia com plantio da palma de óleo, que adapta-se perfeitamente à região amazônica (Foto: Divulgação)

O Brasil tem uma das maiores florestas tropicais do mundo e enorme potencial para o mercado global de créditos de carbono. Em relação às florestas públicas, contudo, apesar do enorme potencial, ainda são poucos os projetos voltados à geração de créditos.

Para alterar tal cenário, a utilização de concessões florestais para projetos de redução de emissões e geração de créditos já vem sendo discutida há algum tempo como uma alternativa promissora.

Como traço comum dos desafios existentes em tal mercado, a ausência ou incipiência de regulamentação se colocava como entrave para o destravamento do seu potencial. Justamente em razão deste cenário, o recente passo dado com a publicação da Lei Federal nº 14.590/2023 tem sido bem-visto para a evolução e o fomento do setor.

De acordo com a Lei Federal nº 11.284/2006 (Lei de Gestão de Florestas Públicas), as florestas públicas podem ser concedidas ao setor privado para estimular o desenvolvimento de atividades econômicas que gerem renda com a manutenção da floresta em pé.

Nos termos da Lei de Gestão de Florestas Públicas, o concessionário possui o direito de praticar na floresta gerenciada atividades de manejo florestal sustentável, restauração florestal e de exploração de produtos e serviços em unidade de manejo [1]. As atividades a serem praticadas pelo concessionário serão acordadas no objeto do contrato de concessão.

Comercialização de créditos

Com o intuito de incluir expressamente a geração de créditos de carbono no rol das atividades de concessões florestais, a Lei de Gestão de Florestas Públicas foi alterada pela Medida Provisória nº 1.151/2022 que, após mudanças, foi aprovada pelo Congresso Nacional e convertida na Lei Federal nº 14.590/2023, publicada em 25 de maio de 2023.

O novo regramento ratifica que os contratos de concessões de florestas públicas contenham cláusulas que permitam a geração de créditos de carbono.

A nova legislação permite ainda que durante a concessão da floresta pública haja a transferência de titularidade dos créditos de carbono do poder concedente ao concessionário, podendo esse último comercializar tais créditos.

A Lei Federal nº 14.590/2023 também traz em seu artigo 14-D a possibilidade de desenvolvimento e comercialização de créditos de carbono e serviços ambientais em concessões de unidades de conservação. O parágrafo 4º do artigo 3º da referida lei permite a inclusão da exploração de serviços florestais não madeireiros no objeto da concessão.

Contudo, as áreas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais não poderão ser objeto de transferência de créditos de carbono ao concessionário, conforme estabelecido pelo parágrafo segundo do artigo 13 da nova lei.

Os contratos de concessão florestal existentes poderão se adequar às novas disposições da Lei, desde que haja concordância do poder concedente e do concessionário, sendo que detalhes sobre tal procedimento serão objeto de regulamento.

Potencial de créditos de florestas públicas

Estudos recentes de instituições relacionadas ao tema contêm a análise do potencial de créditos de carbono decorrentes de florestas públicas que chegou à seguinte conclusão:

“(…) o conjunto sob análise de florestas públicas com outorga ou previstas para concessão na Amazônia tem o potencial de gerar entre 1,6 milhão e 5,6 milhões de créditos de carbono REDD+ ao ano, estimativa que representa o dobro da oferta atual desse tipo de crédito ocasionada por projetos desenvolvidos no Brasil, o que pode corresponder ao aporte anual de 7 milhões a 24 milhões de dólares por ano na forma de pagamento por serviços ambientais(…).” [2]

A subutilização do potencial de exploração sustentável das concessões florestais é também reconhecida pela Coalização Brasil, instituição composta por mais de 350 organizações:

“Quando a lei foi criada lá atrás em 2006, se esperava que tivesse muito mais concessões florestais. Infelizmente, apenas 1,3 milhão de hectares foram disponibilizados para essa prática, sendo que a maior parte é apenas para venda de produtos madeireiros. Podemos explorar muito mais mercadorias na floresta de forma sustentável.” [3]

Modernização e regulação da concessão de créditos

Para explorar de forma efetiva o potencial das concessões florestais em relação à geração de créditos de carbono e outros serviços/produtos ambientais, é necessário garantir a modernização da sistemática de financiamentos e concessão de créditos para o gerenciamento e manejo sustentável das áreas objeto das concessões florestais.

Por isso, a Lei Federal nº 14.590/2023 também inova em relação a esse ponto, na medida em que permite que o Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (“BNDES”) envolva outros agentes financeiros e, até mesmo, fintechs (de setores públicos e privados) para atuar nas operações de financiamento [4].

Com o advento da Lei Federal nº 14.590/2023, portanto, abre-se um caminho para alavancar e incentivar o mercado voluntário de carbono brasileiro, garantindo segurança jurídica à emissão e comercialização de créditos de carbono oriundos de florestas públicas

A existência de uma regulamentação como norte das atividades que podem ser desempenhadas em concessões florestais, especialmente, mas não se limitando à geração de créditos de carbono, fomenta o interesse do setor privado na adoção de medidas de conservação e gerenciamento de florestas públicas, tendo como contrapartida a geração de renda adicional por meio de créditos de carbono, exploração florestal sustentável e outros serviços ambientais.

O cenário mostra-se, portanto, bastante promissor para destravar o melhor aproveitamento das florestas públicas e engajar o setor privado para gerir tais florestas de forma sustentável e, ao mesmo tempo, obter uma nova fonte de renda decorrente das atividades de conservação.

Guilherme Mota, sócio prática Ambiental do Lefosse (Foto: Divulgação)
Guilherme Mota
Gabriela Mello, advogada sênior da prática Ambiental do Lefosse (Foto: Divulgação)
Gabriela Mello
Victoria Weber, advogada da prática Ambiental do Lefosse (Foto: Divulgação)
Victoria Weber

Guilherme Mota, Gabriela Mello e Victoria Weber são, respectivamente, sócio e advogadas da prática de Ambiental do Lefosse.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.

Referências

[1] Artigo 3º, inciso VII, da Lei de Gestão de Florestas Públicas: “concessão florestal: delegação onerosa, feita pelo poder concedente, do direito de praticar atividades de manejo florestal sustentável, de restauração florestal e de exploração de produtos e serviços em unidade de manejo, conforme especificado no objeto do contrato de concessão, mediante licitação, à pessoa jurídica, em consórcio ou não, que atenda às exigências do respectivo edital de licitação e demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.”

[2] ESCOLHAS, Instituto. Créditos de Carbono em Concessões Florestais: Quanto o Brasil pode ganhar mantendo a floresta em pé. São Paulo, setembro, 2021. Disponível em <https://creditosdecarbono.escolhas.org>. Último acesso em 15 de agosto de 2023.

[3] Disponível em <https://planetacampo.com.br/atratividade-concessoes-florestais-carbono>. Último acesso em 15 de agosto de 2023.

[4] Artigo 7º, parágrafo único da Lei Federal nº 14.590/2023: “O BNDES poderá habilitar outros agentes financeiros ou Financial Technologies (Fintechs), públicos ou privados, para atuar nas operações de financiamento com recursos do FNMC, desde que os riscos da atuação sejam suportados por esses agentes financeiros.”