Energia

Nova Lei das Licitações e atraso no licenciamento ambiental: reequilíbrio ou extinção dos contratos

Nova legislação não deixa margem para entendimento discricionário e garante reequilíbrio contratual em caso de atrasos no licenciamento, escrevem Luciana Gil, Patrícia Mendanha Dias e Luciana Maciel

Nova Lei das Licitações e atraso no licenciamento ambiental: reequilíbrio ou extinção dos contratos. Na imagem: Sede do Ibama (Foto: Divulgação)
Sede do Ibama (Foto: Divulgação)

Em pouco menos de um mês entrará em vigor a nova Lei de Licitações (Lei Federal nº 14.133), publicada em 1º de abril de 2021, trazendo novas regras e procedimentos para contratação pelo Poder Público — e revogando, após quase 30 anos de vigência, a Lei Federal nº 8.666/1993.

Nesses últimos 30 anos não há dúvidas de que a pauta ambiental e de sustentabilidade não é a mesma. Hoje não é apenas uma preocupação conceitual e ideológica, mas faz parte de compromissos internacionais entre países e, internamente, quesito fundamental nas negociações e consciência empresarial, além de social.

E para a nova Lei de Licitações não poderia ser diferente.

O legislador acompanhou essa transição e incorporou a variável ambiental na norma. O conceito de “desenvolvimento nacional sustentável” foi englobado como um dos princípios norteadores da contratação pública, estabelecendo-se a priorização dos processos de licenciamento das atividades objeto das licitações (art. 25 §6º), bem como a necessidade de que as normas de disposição de resíduos, mitigação e compensação ambiental sejam observadas ao longo dos procedimentos de concorrência (art. 45, I e II).

Além disso, os critérios de sustentabilidade passaram a ser parte da avaliação de desempenho do contratado para definição de remuneração variável, o que converge com as modificações normativas sobre incorporação da agenda de sustentabilidade nas corporações (art. 144).

Dentre outros temas, um aspecto bastante controvertido, que vale a pena destacar, é o debate no Judiciário sobre o atraso do licenciamento ambiental como variável determinante nos pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro ou para a extinção dos contratos administrativos.

O que diz a nova lei sobre atrasos no licenciamento

A nova lei expressamente previu essa hipótese desde que tal atraso não seja por culpa do contratado (arts. 124 §2º c/c 137, VI) positivando o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, e restringindo a generalidade do art. 65, II, “d” (1) da lei anterior.

Esta questão ganha relevância na medida em que as licenças ambientais sempre causaram preocupação diante da consabida demora de tais procedimentos — muitas vezes inviabilizando a execução dos contratos, os cronogramas ou implicando novas obrigações não previstas inicialmente.

Tanto é que houve muita discussão sobre a necessidade, ou não, de a Licença Prévia já ser obtida pelo Poder Concedente, seja pelo atraso – que acaba imputado ao contratado -, seja como forma de garantia da própria viabilidade do projeto licitado.

O que, então, foi previsto na nova Lei de Licitações é que, nas hipóteses de responsabilidade do licenciamento pela Administração Pública, a manifestação ou licença prévia, quando cabíveis, deverão ser obtidas antes da divulgação do edital, garantindo-se uma maior segurança jurídica para o licitante.

Na prática, essa discussão é recorrente no Judiciário, especialmente envolvendo pleitos de reequilíbrio por atraso no licenciamento.

A título de exemplo, cita-se caso avaliado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), decorrente de ação ajuizada por concessionária de rodovia sob alegação de desequilíbrio do contrato, diante de modificação do traçado da rodovia e posterior negativa da concessão da Certidão de Uso do Solo pelo Município da situação.

Segundo apontado, a negativa da Certidão implicou em atraso no processo de licenciamento ambiental e na necessidade de adoção de medidas mitigadoras adicionais (TJSP. Apelação Cível 1008846-34. Julgamento: 08.06.2020).

Na oportunidade, o TJSP entendeu que a mora e as novas obrigações estabelecidas para a concessionária, ainda que decorrentes de acordo com o referido município para fins de resolução amigável da divergência, implicaram em custos adicionais que deveriam ser devidamente reequilibrados ao concessionário, o que vai em linha com a nova disposição da lei (conquanto o julgamento tenha sido anterior).

Cobrimos por aqui:

Aneel entende que atraso é risco do investidor

Ocorre que a despeito de posicionamentos judiciais análogos, esse não é o entendimento pacificado no âmbito do Poder Concedente, a exemplo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Em diversos pleitos de reequilíbrio formulados nos últimos anos, a posição da Aneel foi firme no sentido de que os riscos de atraso no processo de licenciamento ambiental, novas condicionantes ou imposições pelos órgãos competentes são riscos ordinários da atividade, os quais deveriam ser mensurados pelo empreendedor previamente ao aceite às regras e preços do contrato.

Esse posicionamento foi formalizado por meio do Parecer AGU nº 003/2015/DECOR/CGU/AGU no qual, embora tenha sido admitido que o descumprimento dos prazos da legislação poderá conduzir à revisão das condições do contrato, seria necessário demonstrar:

  1. que o prejuízo decorrente da mora administrativa elevou, de forma inevitável, os custos para a execução do contrato, impondo um ônus insuportável ao contratado, não se caracterizando ordinária previsível;
  2. e a comprovação de que o atraso é injustificado pelo Poder Público, por motivos estranhos à contratada.

A nova Lei de Licitações, portanto, não deixa margem para qualquer entendimento discricionário da Administração Pública e/ou do Poder Judiciário, garantindo o reequilíbrio contratual na hipótese de atrasos no licenciamento por culpa não imputável ao contratado, bem como fortalecendo a matriz de riscos dos contratos de concessão.

Assim, de antemão e antes de ser verificar a aplicabilidade prática dos novos dispositivos, já se pode reconhecer o expressivo avanço na nova Lei de Licitações, sendo certo que o componente ambiental está presente e concebido como parte fundamental para viabilizar as contratações — seguindo o atual e pujante movimento mundial da pauta de sustentabilidade, favorecendo o processo de crescimento econômico racional do país.

Luciana Gil, Patrícia Mendanha Dias e Luciana Maciel são sócias-conselheiras do Bichara Advogados.

Este artigo expressa exclusivamente a posição das autoras e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculadas

Nota

[1] Art. 65, II, “d”: para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.