A pauta da sustentabilidade e das mudanças climáticas tem sido uma das grandes bandeiras levantadas pelas empresas de todo o mundo para garantia dos investimentos e atração de novos mercados.
Daí surge a chamada “agenda verde” com metas internas pelas companhias para suas próprias atividades de neutralização das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) até 2030.
As propostas estão normalmente vinculadas aos pilares do ESG (sigla em inglês para “environmental, social and governance” — ambiental, social e governança, em português), e ao compromisso das companhias de adotarem medidas para tornar suas operações mais sustentáveis e resilientes ao contexto da mudança do clima.
Na prática, no caso brasileiro, essa agenda ainda é apenas uma iniciativa voluntária e mercadológica do setor privado com o mercado investidor e o público em geral, não há ainda previsões legais de redução efetiva de GEE ou compensação das emissões.
No começo desse ano de 2021, foi apresentada proposta para regulamentar o mercado brasileiro de redução de emissões (MBRE), Projeto de Lei nº 528/2021, apresentado pelo Deputado Marcelo Ramos (PL/AM), com objetivo de viabilizar e operacionalizar o mercado brasileiro do carbono cuja previsão e estímulo estão previstos há doze anos na Política Nacional de Mudança do Clima (Lei Federal nº 12.187/09) e, até hoje, não devidamente implementado no Brasil.
Ou seja, apesar da ausência de normas legais, é nítido e significativo o avanço de boas práticas na implementação da agenda verde, o que leva a muitos questionamentos sobre a real possibilidade e/ou necessidade de adotar alguma medida na ordem de se ajustar a uma prática sustentável para evitar o avanço das mudanças climáticas:
Mercado de carbono: as indústrias brasileiras estão obrigadas a reduzir emissões de gases de efeito estufa?
À exceção das distribuidoras de combustíveis fósseis, a indústria brasileira não possui obrigação prevista em lei de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), tampouco de um mercado regulado de carbono, com a previsão de limites de GEE e obrigações de compensação.
Atualmente, o que acontece é a busca, pelas empresas, de medidas voluntárias para compensar suas emissões para descarbonização e se tornar “carbono zero”.
Mas como funcionam esses mercados? Qual a diferença prática?
O mercado voluntário é aquele em que as empresas, por liberalidade, decidem reduzir e compensar suas emissões de carbono, estabelecendo metas internas de diminuição e neutralização. A certificação dos projetos ocorre por meio de metodologias internacionalmente aceitas, como é o caso do selo VCS (Verified Carbon Standard), por exemplo.
Já o mercado regulado é aquele em que há limites legais de emissões e metas de redução, a exemplo do que foi estabelecido no Protocolo de Kyoto com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), por meio do qual foram implementados projetos de redução de emissões em países em desenvolvimento (sem metas internacionais) para compensação de emissões de países desenvolvidos (com metas internamente estabelecidas).
Desses mercados, o voluntário tem crescido significativamente ao redor do mundo e no mercado de ações, muito na perspectiva atual das empresas comprovarem as melhores práticas ambientais, sociais e de governança (ESG).
Já o mercado regulado, embora bem regulamentado em alguns países, ainda é inexistente no Brasil. O então MDL, inclusive, teve seu formato alterado no artigo 6º do Acordo de Paris, que passou a prever o Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável – MDS (item 6.4), mecanismo no qual haverá geração e comércio de créditos de carbono decorrentes de projetos de redução de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE), os quais serão supervisionados por órgão designado pela Conferência das Partes.
Pelo novo MDS, todos os países terão oportunidade e dever de gerar e adquirir créditos de carbono, com o objetivo de atender às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) a que se comprometerem. Destaca-se que se trata de metas impostas aos Estados, não havendo obrigações específicas para determinados setores produtivos ou empresas, o que deve ser regulamentado no âmbito das legislações nacionais.
De todo modo, os detalhes do MDS para sua operacionalização ainda não estão concluídos no âmbito do Acordo de Paris e será um dos grandes temas de discussões na próxima COP26, em Glasgow.
O que existe atualmente no Brasil? Qual a tendência?
Desde 2016, os estudos sobre a instituição de um mercado de carbono brasileiro foram desenvolvidos mais fortemente no âmbito do projeto apoiado pelo Banco Mundial em parceria com o Ministério da Economia, chamado de Partnership of Market Readiness (PMR), que teve por objetivo discutir a conveniência e oportunidade da inclusão da precificação de emissões (via imposto e/ou mercado de carbono) dentre os instrumentos da Política Nacional.
No caso brasileiro, o PMR sugeriu a criação do chamado mercado cap and trade, inicialmente aplicável ao setor da indústria por combustão (aço, cimentos, papel e celulose, etc), com a possibilidade de ampliação posterior. Por esse sistema, cada indústria terá uma quantidade fixa de “permissões” de emissão de GEE. Ultrapassado esse limite, as empresas ficam obrigadas a adquirir os créditos para compensar o excedente.
Tudo isso, entretanto, ainda está em fase embrionária e não houve posicionamento formal do governo federal sobre o estudo do PMR. Inclusive porque, o relatório do PMR não é vinculante, sendo apenas um compilado de pesquisas e revisão do estado da arte sobre o tema, com a recomendação da modelagem mais adequada ao caso brasileiro.
No mais, vale destacar que em termos de regulamentação nacional há, atualmente, apenas o chamado RenovaBio, instituído em 2017 pela Lei 13.576, com o objetivo de impor metas anuais de descarbonização para o setor de combustíveis, incentivando o aumento da produção de biocombustíveis na matriz energética nacional. As metas nacionais de redução de emissões foram estabelecidas para o período 2019/2020 pela Resolução CNPE nº 15/2019 e obrigam as distribuidoras de combustíveis a adquirir créditos de descarbonização gerados pelos produtores de biocombustíveis chamados Créditos de Descarbonização (“CBIOs”).
As metas preliminares para 2021 foram lançadas em dezembro de 2020, conforme estabelecido no art. 4º da Resolução ANP nº 791/2019 a que dispões sobre a obrigação da Agência Nacional de Petróleo de publicar, anualmente, as metas preliminares e os dados utilizados para seu cálculo, no mês de dezembro do ano anterior ao de vigência da meta anual definitiva.
Ademais disso, há apenas a exigência imposta, em alguns Estados[1], da realização dos Inventários de Emissões de GEE, destinados à avaliação da quantidade de “carbono equivalente” lançado por determinados setores produtivos. O inventário, todavia, não gera a obrigação de mitigação ou compensação das emissões declaradas.
Por fim, é válido destacar apenas que inobstante a inexistência de uma obrigação geral, existem ações locais pontuais, sem grande repercussão e efetiva vinculação a um mercado de carbono, como é o caso do Município do Rio de Janeiro, que editou, em 2009, a Resolução Conjunta SMAC/SMU nº 14, dispondo sobre a compensação das emissões de gases de efeito estufa durante a construção de edificações licenciadas pelo ente municipal. De todo modo, a obrigação da compensação somente se aplica para construções com Área Total Construída (ATC) acima de 180 m², a qual se dá por meio da doação de espécies arbóreas (uma muda para cada 25 m² de área construída no caso de escavação em subsolo; e uma muda para cada 60 m² de ATC excedente de 180 m²).
Apesar de destinada para uma “compensação” de emissões GEE ainda é distante da ideia internacionalmente aceita de desenvolvimento de um mercado efetivo, no qual seja viabilizado o comércio entre setores produtivos, impostas metas factíveis de redução e pautado em protocolos internacionalmente aceitos para atestar a efetiva mitigação ou neutralização da atividade.
E o novo Projeto de Lei? O que pode mudar e como afetará as empresas?
A proposta encaminhada à Câmara prevê a regulamentação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), inicialmente como mercado voluntário, passando a se tornar regulado após 5 anos da vigência da lei.
De todo modo, para isso, deverá ocorrer a prévia regulamentação do Ministério da Economia, o qual deverá se basear nos setores da economia com maior índice de emissões de GEE e mais capacidade de remoção e compensação, como previsto no art. 7º, p.u, II e III do PL.
Isto é, em até 5 anos da publicação da Lei (caso sancionada), o Ministério precisará criar as diretrizes do mercado regulado, os setores que serão afetados, as metas respectivas e critérios para o comércio de emissões.
Lembrando que de acordo com os dados veiculados pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG/Brasil), atualmente, os setores produtivos que mais emitem GEE são o agropecuário, os enquadrados na categoria “mudança de uso da terra e florestas”, processos industriais, resíduos e energia, sendo os dois primeiros responsáveis por 78% das emissões atuais e, portanto, os que provavelmente serão objeto das primeiras exigências e cumprimento de metas.
O cenário vislumbrado, portanto, é que o Estado Brasileiro certamente sofrerá pressão, nos próximos anos, para dar passos mais efetivos para regulamentação do mercado no âmbito brasileiro, considerando a necessidade de uma imagem sustentável do Brasil no âmbito das negociações comerciais com os países desenvolvidos, a qual será essencial para a retomada econômica pós COVID.
[1] A título de exemplo, cite-se o Estado de São Paulo, no qual o Inventário de GEE é detalhado na Decisão de Diretoria nº 254/2012/V/I, de 22/8/2012 a qual prevê que gases causadores de efeito estufa (GEE) que deverão fazer parte do inventário são o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O), o hexafluoreto de enxofre (SF6), os hidrofluorcarbonetos (HFC’s) e os perfluorcarbonetos (PFC’s) e, por meio do art. 3º, prevê a listagem de atividades sujeitas ao inventário, que deve ser enviado até dezembro de 2012. No Rio de Janeiro, a exigência é prevista na Resolução INEA/PRES nº 64/2012.
Luciana Gil Ferreira é sócia conselheira da área ambiental do Bichara Advogados.
Patrícia Mendanha Dias é sócia da área ambiental do Bichara Advogados.