Com um mercado cada vez mais globalizado, eventos recentes desestabilizaram as leis de oferta e demanda e acabaram por afetar a indústria nacional, principalmente quanto à formação de preços. Num primeiro momento, a pandemia decorrente da Covid-19 ocasionou preços negativos no mercado norte americano em 2020 [1], ao passo que a Guerra da Ucrânia trouxe problemas para o abastecimento e geração de energia na Europa, elevando os preços dos combustíveis fósseis [2].
A despeito desses desafios de saúde pública e geopolítica internacional, urge ao País desenvolver políticas públicas de incentivo ao aproveitamento comercial do gás natural do pré-sal — que concorre, em parte, com a prática de reinjeção no próprio reservatório (reinjeção técnica), cujos níveis vêm aumentando consideravelmente nos últimos anos.
A opção dos operadores pela reinjeção se dá, sobretudo, em razão dos teores de CO₂ encontrados em alguns reservatórios do pré-sal e como mecanismo para manutenção de pressão nas formações. Assim, esse processo tem como finalidades evitar a emissão de gases do efeito estufa e aumentar a recuperação final de petróleo.
Estudos da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) apontam que a definição do melhor método de recuperação, em termos econômicos, deve ser feita caso a caso, a partir da modelagem numérica de reservatórios, incorporando dados de ensaios laboratoriais e os modelos físico-matemáticos, conforme as particularidades de cada reservatório.
O desempenho de cada método de recuperação depende de fatores diversos, como as características do reservatório, heterogeneidades, tipo de óleo, composição dos fluidos, vazões de produção e injeção, pressão, temperatura etc.
De acordo com a mesma instituição, essa prática alcançou patamares recordes no início do ano de 2022, atingindo 68.472,65 de m³ em janeiro, e 65.949,08 m³ em fevereiro. Nesse cenário, é necessário compreender a importância de traçar estratégias para monetização do gás do Pré-Sal, de modo a fortalecer o desenvolvimento industrial nacional.
Compartilhamento de infraestrutura pode ser solução
Os elevados custos de investimentos no sistema de escoamento e processamento de gás recomendam, para o ambiente do pré-sal, a visão de plano diretor, de modo a favorecer o agrupamento dos projetos de desenvolvimento em áreas próximas (mesmo sendo consórcios distintos) para uso da mesma infraestrutura [3].
Entende-se que a escala da produção é indispensável para reverter essa situação e estabelecer melhores perspectivas para o escoamento de gás. Desse modo, estudar se um ou mais campos âncoras garantirão volume mínimo de gás comercializável afetará a implantação de infraestrutura para monetização do gás [4].
Mesmo diante de um campo com grande potencial e boa relação óleo-gás, o formato da curva de produção líquida pode não viabilizar um gasoduto de escoamento exclusivo em escala competitiva [2].
Nesses casos, o agrupamento de projetos de desenvolvimento em áreas próximas – mesmo que sejam consórcios diferentes – é uma alternativa, conforme já dito.
Estudos de diferentes instituições, como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a ANP, entre outros, indicam que o compartilhamento de infraestrutura é uma estratégia viável, ainda que demande uma evolução coordenada dos agentes e compromissos firmes com o investimento — o que, de fato, implica maior complexidade ao processo [3].
Na prática, a adoção de um mecanismo de Hub, de modo a formar um sistema integrado de escoamento, com a conexão de diversos campos produtores, pode contribuir para a viabilidade de projetos de monetização de gás por meio de infraestrutura compartilhada de larga escala [4].
Tarifas de curta distância e menos royalties
Ciente da necessidade de investimentos em infraestrutura, entendemos que a redução das alíquotas de participações governamentais é um incentivo necessário para viabilizar o melhor escoamento do gás do pré-sal e sua maior oferta para o mercado interno, sobretudo considerando as perdas econômicas pela reinjeção do gás. Tais investimentos, por vezes, se deparam com custos afundados e elevados prazos de maturação.
Do lado da demanda, a criação de um flow assurance é essencial para mitigar o risco relacionado aos projetos de escoamento e monetização do gás do pré-sal, na medida em que se estabelecem contratos de longo prazo [4].
Para tanto, a implementação de tarifas de curta distância pode ser uma sinergia interessante para o desenvolvimento industrial próximo a costa.
Para aprofundar:
- Short haul? Sergipe pede à ANP tarifa especial para transporte de gás de curta distância
- É necessário estimular o escoamento do gás natural offshore e aumentar a oferta da produção nacional
- A tarifa de transporte de gás de curta distância como ferramenta para transição do Novo Mercado de Gás
Nesse sentido, a região fluminense é posta em evidência, visto que os municípios já se organizam para a criação de um Hub de gás e se espera a finalização da Rota 3 conectada ao Polo GasLub. Em termos de geração de emprego e renda, o gás do pré-sal oferece interessantes sinergias com o setor industrial, seja na produção de energia termoelétrica, siderúrgica, química, como de fertilizantes nitrogenados.
Diante desse cenário, há de se apontar o papel estratégico da monetização do gás do pré-sal para fins de desenvolvimento do mercado industrial nacional, em especial para a região fluminense.
Para tanto, a redução da alíquota de royalties e a implementação de tarifas de curta distância aparecem como medidas indutoras tanto para garantir melhor escoamento de gás do pré-sal em detrimento de sua reinjeção, como para fomentar o consumo desse ativo energético, favorecendo a industrialização.
Referências
[1] Disponível em: Preço do petróleo fica negativo e produtores não sabem o que fazer com barris | Internacional e Commodities | Valor Investe. Acesso 10 de Julho de 2022.
[2] Disponível em: Entenda por que o preço do petróleo disparou com a guerra entre Ucrânia e Rússia | CNN Brasil. Acesso 10 de Julho de 2022.
[3] ANP. EPE. BNDES. PPSA. MME. Estudo sobre o aproveitamento do gás do pré-sal. 20 de março de 2020
[4] BNDES. Gás para o desenvolvimento: perspectivas da oferta e da demanda no mercado de gás natural do Brasil. Fevereiro de 2021. Relatório.
Aurélio Amaral é sócio no Schmidt e Valois Advogados e ex-diretor da ANP.
Erick Diniz é doutorando em direito da regulação pela FGV Direito Rio e advogado.