Congresso

Impactos do PL 1.583/2022 no desenho regulatório do regime de partilha no Brasil

Para Igor Tostes, proposta de venda antecipada do óleo da União é bem-vinda, mas deve incluir opção do legislador em reter ou não certas atribuições da PPSA

Impactos do PL 1.583/2022 no desenho regulatório do regime de partilha no Brasil. Na imagem, FPSOP-75, plataforma própria da Petrobras, parte do sistema de produção de Búzios, no pré-sal da Bacia de Santos (Foto: Petrobras/Divulgação)
FPSOP-75, plataforma própria da Petrobras, parte do sistema de produção de Búzios, no pré-sal da Bacia de Santos (Foto: Petrobras/Divulgação)

Está em trâmite na Câmara dos Deputados o PL 1.583/2022, de autoria do Poder Executivo, que autoriza a União a ceder, de forma integral, o direito à sua parcela do excedente em óleo proveniente de contratos de partilha de produção (“Contratos de Partilha”) e de acordos de individualização da produção em áreas não contratadas na área do pré-sal ou em áreas estratégicas.

Segundo os requerimentos legislativos vinculados ao PL 1.583, a proposta busca alternativas de antecipação da monetização da produção dos Contratos de Partilha, o que permitiria à União receber adiantadamente a parcela que lhe cabe no excedente em óleo.

Além disso, a proposta seria uma forma de superar dificuldades operacionais e logísticas enfrentadas pela Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) no desempenho da sua atribuição de comercialização da parcela do excedente em óleo da União, bem como mitigar riscos inerentes ao próprio negócio de comercialização de commodities.

Para aprofundar:

De acordo com o artigo 1º  do PL 1.583, a cessão integral da parcela da União se daria via licitação e inclusão do vencedor do certame nos consórcios formados pelos contratados (partes) nos Contratos de Partilha, em substituição à PPSA.

E aí já se identificam questões sensíveis envolvendo a técnica legislativa do PL.

A cessão em questão dependeria da prévia e expressa anuência dos contratados com relação à minuta de termo aditivo que integrará o edital de licitação da PPSA (Art. 2º). No entanto, uma vez aprovado, a leitura do PL 1.583 permite a interpretação de que o vencedor do certame teria entrada compulsória no respectivo Contrato de Partilha.

Estas alterações seriam promovidas por meio de termos aditivos aos Contratos de Partilha e, segundo o §3º do Art. 1º do PL 1.583, uma vez finalizada a cessão, a União deixaria de responder pelo descumprimento de obrigações por parte do cessionário ou do contratado sob o regime de partilha de produção.

Em outras palavras, na tentativa de estabelecer as bases para a cessão dos direitos de comercialização, a redação do PL 1.583 sugere alterações substanciais no regime de partilha de produção regulada pelas Leis nº 12.304/2010 e 12.351/2010 e ordenamento respectivo, transferindo ao agente privado a posição contratual da PPSA nos Contratos de Partilha, bem como as responsabilidades e obrigações atribuídas à mesma.

É o que dispõe o Artigo 8º: ocorrida a cessão da parcela do excedente em óleo, por meio de licitação, e a consequente inclusão do vencedor do certame nos respectivos consórcios, a PPSA não mais exercerá as competências estabelecidas no art. 4º da Lei nº 12.304/2010.

Projeto transfere direitos e obrigações da PPSA

Chama atenção o fato de que, dentre tais competências, estão os atos necessários à gestão dos contratos de partilha, onde a PPSA representa exclusivamente a União nos consórcios e nos comitês operacionais — o que inclui a avaliação técnica dos Planos de Avaliação, Descoberta e Produção, além do monitoramento da execução das atividades para a auditoria dos custos e investimentos.

Dessa forma, em que pese o PL 1.583 ter como objetivo operacionalizar a transferência à terceiros dos direitos ao excedente em óleo da União e sua comercialização, a sua atual redação implicaria também a cessão mais ampla dos direitos e obrigações da PPSA ao vencedor do certame licitatório.

Dentro deste novo arcabouço jurídico, a PPSA teria sua atribuição de gestora financeira dos contratos de partilha, longa manus da União, exercida por um ente particular – esvaziando o seu propósito e funções atribuídos pela Lei 12.304/2010 – e este novo arranjo merece ser analisado e discutido com o devido cuidado que o tema sugere.

Além disso, o agente privado assumiria as prerrogativas atribuídas por lei à empresa pública (PPSA) constituída para exercer múnus público, na qual compete, no interesse da União:

  1. a indicação dos membros do Comitê Operacional dos consórcios dos Contratos de Partilha;
  2. as respectivas definições do poder de veto e do voto de qualidade;
  3. a responsabilidade pela apuração e reconhecimento do custo em óleo, dentre outros.

Pode-se argumentar que a transferência integral de tais prerrogativas aos agentes privados cria ainda um problema de agência [1], com o desalinhamento de interesses entre os cessionários outorgados, os contratados no âmbito dos Contratos de Partilha e a PPSA no que tange o exercício dos direitos de gestão e a própria governança dos Contratos de Partilha.

O que se pretende evitar é que o novo entrante nos consórcios exerça as prerrogativas da PPSA movidos exclusivamente pela maximização da produção no âmbito dos consórcios, posto que não estariam, necessariamente, alinhados com os deveres fiduciários [2] dos Operadores e Contratados no âmbito dos Contratos de Partilha – agentes estes que ponderam os riscos e obrigações contratuais nas tomadas de decisões nos Contratos de Partilha.

Portanto, a propositura do PL 1.583 é bem-vinda ao tentar flexibilizar a monetização da produção dos Contratos de Partilha e a parcela da União, mas seus dispositivos devem contemplar, expressamente, a opção do legislador em reter ou não certas atribuições da PPSA, ou se a proposta engloba uma mudança mais estrutural na governança dos Contratos de Partilha.

O PL 1.583 possui outros dispositivos que merecem discussão própria, mas a proposta como um todo deve refletir uma escolha regulatória [3] mais ampla, por parte do Poder Executivo em articulação com os órgãos responsáveis pela elaboração da política energética nacional, sobre os objetivos regulatórios do próprio modelo de partilha vis-à-vis os ganhos sociais e econômicos pretendidos.

Referências

[1] Jensen, Michael C. & Meckling, William H., 1976. “Theory of the firm: Managerial behavior, agency costs and ownership structure,” Journal of Financial Economics, Elsevier, vol. 3(4), pages 305-360, October.

[2] Shamsu Yahaya, 2009, Does the operator in a Joint Operating Agreement owe a fiduciary duty to non-operators?, Munich, GRIN Verlag, https://www.grin.com/document/141861

[3] Discricionariedade, regulação e reflexividade: uma Nova Teoria sobre as Escolhas Administrativas / Sérgio Guerra. – 6. ed. rev. e atual. – Belo Horizonte : Fórum, 2021.

Igor Tostes é colaborador da Equinor Brasil e acadêmico especializado no setor de energia.

O artigo representa a opinião exclusiva do autor.