Hubs de negociação poderão fomentar liquidez no mercado brasileiro de gás natural?

Artigo de Juliana Rodrigues, especialista de Energia na ABRACE e secretária executiva do Fórum do Gás

Na imagem: Homem trabalhando na Estação de Distribuição de Gás de São Francisco do Conde (Foto: André Valentim/Petrobras)
Estação de distribuição de gás de São Francisco do Conde (Foto: André Valentim/Petrobras)

Estamos no momento de consolidação do Novo Mercado de Gás.

Na transição para um mercado competitivo, uma das preocupações centrais está relacionada à coordenação adequada entre as negociações de moléculas de gás e dos serviços de transporte.

Para isso, a ANP tem organizado uma série de discussões técnicas com o objetivo de formar um modelo conceitual para o mercado de gás natural no Brasil.

Um passo elementar para a reforma de qualquer mercado de gás natural é pensar na forma de alocação de capacidade e na precificação da flexibilidade do sistema de transporte.

A definição dos contratos ou produtos que estarão disponíveis para o mercado também se configura com um elemento importante nesse processo.

Neste contexto, é importante considerar a possibilidade de as trocas entre compradores e vendedores acontecerem em diferentes horizontes temporais, não envolvendo necessariamente negociações bilaterais de longo prazo e cláusulas de inflexibilidade que podem trazer rigidez e encarecer o produto.

No Brasil, o modelo por entradas e saídas foi a opção escolhida para alocar capacidade e custos do transporte.

Uma característica intrínseca deste modelo é a simplificação da rede, através da definição de um conjunto de pontos de entrada, onde o gás poderá ser injetado, e pontos de saída para retirada de molécula da rede.

Portanto, a demanda por capacidade de transporte não corresponde diretamente a uma demanda de acesso a um gasoduto específico, isto é, as negociações de gás natural não levam em consideração a rede de transporte real, e sim uma “rede comercial”.

A partir disso, os agentes do setor irão acordar uma série de contratos de molécula, que podem ter configurações e prazos diversos, o que torna necessário criar mecanismos que assegurem que os fluxos de gás resultantes das negociações sejam fisicamente possíveis.

E os mecanismos de balanceamento cumprem esta função, em fazer uma ponte entre fluxos físicos e os comerciais, entendida como provisão de flexibilidade “regulada”.

A lógica do regime de entrada-saída, portanto, é frequentemente visualizada como um sistema onde os usuários trocam gás em um ponto virtual de negociação (PVN – hub virtual).

Sendo assim, a discussão entre o modelo regulatório para desenvolvimento do mercado que esperamos implementar está, de certa forma, relacionada à discussão do modelo de padronização dos produtos a serem negociados.

Uma vez definido o padrão destes produtos, os agentes poderão negociar tendo um referencial de preço, isto é um local padrão que facilitará a precificação dos produtos a serem negociados, e deverão se preocupar com o volume e com as condições de entrega do gás.

Em última instância, a padronização do ponto de entrega implica em determinar como será representado e, portanto, regulado, o sistema de transporte.

Isto é, ao concentrar as negociações em apenas um local, há também menor barreira à entrada e maior facilidade para que carregadores e transportadores possam encontrar opções econômicas e transparentes (através de leilões, por exemplo) para realizarem o balanceamento da rede.

A instituição de um “hub” ou ponto virtual de negociação, portanto, permite padronizar as operações, facilitar a compra e venda de gás e criar um referencial de preço para estas trocas.

Inicialmente o mercado brasileiro de gás natural pode não possuir complexidade e liquidez suficiente, que resulte em operações comerciais mais sofisticadas, mas no início o ponto virtual de negociação pode se justificar pela necessidade de concentrar negociações para fins de balanceamento e promover maior transparência e redução de custos destas operações, mesmo se essas negociações partirem de um único agente (operador histórico).

E o sucesso de um hub depende principalmente da definição correta da alocação de capacidade e de custos do transporte, incluindo a definição de serviços de equilíbrio.

Sendo elas, em primeiro lugar, um design com foco na eficiência e atratividade a fim de evitar riscos e custos desnecessários, principalmente quando houver negociações hub-to-hub (existência de mais de um ponto virtual de negociação, como se espera implementar aqui no Brasil).

Além disso, devem ser definidos de forma clara e convergente a governança e os diferentes papéis que os agentes exercerão no mercado.

Para que esse mecanismo possa funcionar minimamente de forma adequada será preciso que a regulação assegure condições adequadas de acesso ao transporte e à aquisição de molécula, eliminando as barreiras ao livre mercado.

No Brasil, além das condições de acessibilidade às infraestruturas essenciais e ao transporte será preciso também romper as barreiras existentes à livre negociação da molécula. Isso requer um empenho de convergência operacional e regulatória entre a União e os estados.

Todavia, o processo para o desenvolvimento da liquidez é desenhado em etapas.

Para se chegar até lá, no Brasil, avanços estruturais serão, gradualmente, percebidos a partir da reestruturação regulatória que se pretende endereçar com o Novo Mercado de Gás.

E o compromisso das autoridades públicas, sejam os formuladores de políticas públicas ou reguladores, e dos agentes do mercado é fundamental na consolidação e aceleração deste processo. Essa visão de futuro e esses acordos são essenciais à materialização do novo mercado de gás que buscamos.

Evolução operacional de um hub de negociação

Hubs de negociação poderão fomentar liquidez no mercado brasileiro de gás natural

Elaboração própria a partir de ANP (H. Rogers,  OIES, Hubs development ‘path to maturity”, 2015) e Xupeng & Variam (Key elements for functioning gas hubs, 2018)

Juliana Rodrigues é formada em Economia com ênfase em Economia da Energia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pós-graduada em Economia da Regulação pela Fundação Getúlio Vargas. Trabalha como Especialista de Energia na ABRACE e atua como Secretária Executiva do Fórum do Gás.

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