Governança 2.0 na Petrobras

Governança é mais uma linha “de defesa” da companhia contra ingerências ou interferências indevidas, escreve Roberto Di Cillo

Petrobras anuncia início da venda de campos de óleo e gás na Bacia de Sergipe-Alagoas. Na imagem: Mulher passa em frente à fachada do edifício sede da Petrobras (Edise) na Avenida Chile, no Rio de Janeiro
Fachada do edifício sede da Petrobras na Avenida Chile, no Rio de Janeiro

O gênero acordo de leniência comporta espécies que variam de sistema jurídico e regulatório para outro. Nos EUA, acordos de leniência em matéria de fraude e corrupção internacional, em linhas bastante gerais, estão disponíveis na esfera criminal com o Department of Justice e na esfera cível e administrativa com a Securities and Exchange Commission (ou SEC). Há poucos anos a Petrobras assinou acordos com ambos os órgãos norte-americanos, além de ter assinado acordo com investidores. É do acordo com a SEC que se ocupa o presente.

A SEC cuida do mercado de capitais nos EUA. A Petrobras tem ações negociadas na Bolsa de Nova Iorque, representadas por American Depositary Shares (ou ADSs). Quando conseguiu fazer um acordo com a SEC em 2018, a Petrobras fez o que todas as empresas que assinam acordos da espécie fazem, um comprometimento com a melhoria de sua governança. Daí que saiu com um relativo tapa na mão, ao invés de uma pesada multa que de outra forma poderia ter sido aplicada por falhas nos controles e que permitiram a lamentável situação já bastante conhecida por nós e que parece ter ficado para trás, ainda que com um gosto amargo.

Dentre as mudanças em sua governança, impulsionadas pela Lei da Governança das Estatais de 2016, a Petrobras precisou melhorar a gestão de suas “linhas de defesa”, que o Institute of Internal Auditors (ou “IIA”) chama, desde meados de 2020, apenas de “linhas”, no contexto do “modelo das três linhas”. Todas as linhas (anteriormente chamadas de defesa) são fundamentais em governança. Mas vale a pena focar numa delas, a da auditoria interna, historicamente designada como 3ª linha. 

Já há alguns anos a Petrobras publica em seu site seus relatórios de auditoria interna (ou RAINT), omitindo informações classificadas como sensíveis. Sem entrar no mérito do critério decisório relativo às informações que não são compartilhadas, vale a pena analisar o último relatório disponibilizado, o de 2019, com 35 páginas, capa incluída.

Dentro do desempenho da função de auditoria interna da Petrobras, “[F]oram definidos para teste 52 controles, de alta abrangência”. Destaque merecido vai para os seguintes processos: “Desenvolver Governança; Gerir Ouvidoria; Gerir Pessoas e Carreiras; Riscos Empresariais; e Gerir Relacionamento Governamental e com Órgãos de Controle”. Infelizmente a informação disponibilizada publicamente sobre quais dos 844 “achados” (ou findings, como são referidos em inglês) do ano de 2019 não permite atribuir a quais categorias dentre os processos havia algo a melhorar e para as quais planos de ação tenham sido desenvolvidos e monitorados.

Há um dado interessante refletido no RAINT de 2019 da Petrobras, que não é algo inesperado, sobretudo para uma empresa que, do ponto de vista operacional, está acostumada com o conceito de melhoria contínua de seus processos: a referência à implementação de um Programa de Qualidade e Melhoria da Auditoria Interna, ou PQMAI, na sequência da certificação da área de auditoria interna pelo já citado IIA no ano de 2018. Melhoria é, naturalmente, o antônimo de piora na língua portuguesa. 

Ainda do RAINT da Petrobras de 2019: “concluímos que a Atividade de Auditoria Interna da Petrobras atingiu o mais alto índice de conformidade, segundo a metodologia de avaliação do Instituto”. De forma alguma isto quer dizer que governança é uma atribuição exclusiva da área de auditoria interna. Novamente, ela é mais uma linha “de defesa” da Companhia contra ingerências ou interferências indevidas, podendo atuar no contexto de consultoria e/ou avaliação, com as limitações que são preconizadas pela IIA em suas Normas (ou Standards, na versão em inglês).

Mas em que medida uma linha de defesa poderia proteger a Companhia contra interferências políticas indevidas no nível acima da Alta Administração, assim entendida a Diretoria Executiva? Afinal, no RAINT de 2019 consta que a auditoria interna, por exemplo, teria realizado “pesquisas em sua Base de Dados de Relatórios para efeito de levantar e prestar informações à Alta Administração, como subsídio para a análise pela área de Conformidade acerca da integridade de profissionais indicados para assumir funções gerenciais na companhia ou atuar como administradores ou conselheiros fiscais em outras empresas do Sistema Petrobras”, ali não mencionados indicados para o Conselho de Administração ou mesmo Conselho Fiscal ou Comitês, inclusive alguns Estatutários, da própria Companhia.

O Conselho de Administração é órgão de supervisão da Petrobras, assim como funciona em qualquer companhia que tenha tal órgão. Seria contrário ao bom senso que os membros do Conselho de Administração passassem pelo escrutínio de áreas que supervisionarão, coletiva e indiretamente via Alta Administração, quer dizer, a Diretoria Executiva, no caso da Petrobras. Porém, há uma variável mais, relativa ao cargo de Presidente da Companhia, alguém a ser escolhido dentre os membros do Conselho de Administração, segundo seu Estatuto Social.

Faltaram alguns pontos na análise introdutória acima? Sim, vários e que serão abordados numa próxima oportunidade.

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