Energia

Gás natural das bacias terrestres brasileiras: oportunidades para a retomada da produção, Hercules Silva

Operação terrestre da Hess em Bakken Shale, próximo à cidade de Ross, no estado de Dakota do Norte, EUA (Foto Divulgação Ole Jørgen Bratland/Statoil)
Operação terrestre da Hess em Bakken Shale, próximo à cidade de Ross, em Dakota do Norte/EUA | Foto Divulgação Ole Jørgen Bratland/Statoil

O gás natural no Brasil ganhou protagonismo nos últimos anos, principalmente nos dias atuais onde é considerado pela sociedade como o insumo da transição para fontes renováveis. Até então, por aqui, quando se perfurava um poço e o resultado era uma descoberta de gás, o poço era considerado seco. Exageros à parte, era mais ou menos isso que acontecia nos anos 1970, 1980.

O objetivo deste artigo é fazer uma análise do histórico de produção de gás natural, no período 2000-2020, das bacias terrestres do tipo rifte. São sinônimos, os termos bacias onshore ou bacias terrestres. Adotado aqui o último. São aquelas áreas sedimentares localizadas na parte oriental do Brasil, cuja gênese esteve associada a separação entre os continentes da América do Sul e África durante o Cretáceo Inferior. Serão mostradas informações de produção das bacias do Espírito Santo, Recôncavo, Tucano Sul, Sergipe, Alagoas e Potiguar, com um pouco mais de detalhe das três primeiras. 

O diagnóstico do período analisado é de queda generalizada da produção em todas as bacias. Não será objeto de análise aqui o valor monetário que se deixou de materializar com a perda de produção de gás natural nessas bacias e sim, apontar a tendência geral de declínio de produção e que existe remédio para a retomada da mesma.

Todas as informações aqui utilizadas são públicas e foram extraídas do site da ANP. A amostragem de dados foi feita nos anos pares.

É clara a oportunidade que surge de recuperação da produção de gás natural dessas áreas com a saída da Petrobras de ativos localizados em terra. Esse papel está sendo gradativamente assumido por empresas independentes.

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O período 2000 – 2020  

A produção atual de gás natural em terra é muito baixa. Mesmo contando com as importantes produções de Leste do Urucu e Rio Urucu representou apenas 14% da produção nacional de gás em abril de 2020. Nas bacias terrestres aqui abordadas, a tendência é a mesma, de vazões diárias modestas (Figura 1). Os valores de produção mostrados também referem-se ao mês de abril de 2020. 

A Bacia do Recôncavo é o destaque em termos de volume produzido sendo seguida pela Bacia de Alagoas com uma vazão diária pouco superior a metade daquela registrada no Recôncavo (Figura 1). Nota-se que as produções nas bacias do Espírito Santo e Tucano Sul, principalmente, são extremamente diminutas.

Figura 1 – Produção média diária de gás natural das bacias terrestres. ES=Espírito Santo, REC=Recôncavo, TS=Tucano Sul, SE=Sergipe, AL=Alagoas e POT=Potiguar.

Se observamos uma curva histórica de produção dessas bacias é possível notar que os volumes produzidos já foram substancialmente maiores. Para tal, serão apresentadas as curvas históricas das bacias do Espírito Santo, Recôncavo e Tucano Sul, a fim de exemplificar a potencialidade das mesmas que, entende-se, pode ser resgatado, via uma gestão adequada dos reservatórios já descobertos e por novas descobertas vindas de áreas exploratórias.

A Bacia do Espírito Santo no período 2000-2020 chegou a produzir 1,37 milhão de metros cúbicos/dia em junho de 2005 (Figura 2). De lá para cá, a produção vem decaindo tendo alcançado os cerca de 70 mil metros cúbicos/dia atuais. Em outras palavras, a produção atual é quase 20 vezes menos o valor do pico registrado em junho de 2005.

Figura 2- Produção média diária de gás da Bacia do Espírito Santo no período 2000 – 2020.

A Bacia do Recôncavo já foi em passado recente uma importante produtora de gás natural. Ali, a produção já atingiu níveis de 6,2 milhões de metros cúbicos/dia em maio de 2004 (Figura 3). Atualmente produz cerca de 1,6 milhão de metros cúbicos/dia que, embora relevante, significa uma vazão diária quase 4 vezes menor que aquela observada em maio de 2004.

Para a vizinha Bacia do Tucano Sul, o quadro não é diferente (Figura 4). Ali, a produção atual é de meros 32 mil metros cúbicos/dia, um retrato distante de produções mais vistosas ocorridas nos anos 2005-2006, onde chegou a produzir diariamente 700 mil metros cúbicos. A produção atual é cerca de 22 vezes menor do valor de pico registrado em agosto de 2005.

Figura 3- Produção média diária de gás da Bacia do Recôncavo no período 2000 – 2020.
Figura 4- Produção média diária de gás da Bacia do Tucano Sul no período 2000 – 2020.

Campos campeões de produção 

Quando se observa os principais produtores de gás natural dessas bacias no período 2000-2020, dois campos se sobressaem: Miranga, na Bacia do Recôncavo, e Pilar, na Bacia de Alagoas (Figura 5). No período analisado, como poderá ser observado, o Campo de Miranga (Figura 6) sempre se destacou relativamente a Pilar (Figura 7). O Campo de Miranga produz atualmente cerca de 8,5 vezes menos gás do que produziu em meados de 2004 (Figura 6).

Figura 5- Campeões de produção entre as bacias analisadas no período 2000 – 2020.
Figura 6- O campeão Miranga e seu histórico de produção entre 2000 – 2020.
Figura 7- O vice-campeão Pilar e seu histórico de produção entre 2000 – 2020.

O Campo de Pilar já chegou a produzir quase 1,6 milhão de metros cúbicos/dia em meados de 2004. Produz atualmente cerca de 5 vezes menos esse volume.

Como seria o quadro da produção consolidada de gás natural dessas bacias no período 2000-2020? Ao se consolidar as produções das diferentes bacias, aí incluindo-se as bacias de Sergipe, Alagoas e Potiguar, chega-se, obviamente, ao mesmo cenário de produção declinante ao longo do período (Figura 8). Nota-se no período analisado que os maiores volumes diários foram produzidos em 2004. A produção consolidada atual é da ordem de 3,7 vezes menor do que a observada em 2004. E a tendência é de diminuição progressiva dos volumes diários produzidos de gás natural.

Figura 8- Produção consolidada de gás natural das bacias terrestres no período 2000 – 2020.

O onshore brasileiro e a realidade do offshore

 Desde os anos 1990 a Petrobras tornou-se uma operadora eminentemente offshore. Isso se acentuou ainda mais com as descobertas gigantes dos reservatórios do pré-sal nos anos 2000 localizados nas bacias de Santos, principalmente, e Campos. A produção dos reservatórios do pré-sal é tão importante para o país, que em abril de 2020 já representava cerca de 70% de toda a produção nacional (expressa em óleo equivalente). A contribuição terrestre para a produção nacional no mesmo período significava apenas 6,6% da produção total (expressa em óleo equivalente). E com tendência declinante. Embora o foco aqui seja a produção de gás natural, observa-se que produção de petróleo nas  bacias aqui abordadas segue a mesma tendência.

Desenha-se um quadro bastante claro. A Petrobras como maior operadora do país, a empresa que detém o maior número de concessões, sejam marítimas ou terrestres, tem que fazer escolhas. O recurso financeiro de qualquer empresa é finito. A produtividade dos reservatórios do pré-sal é de qualidade superior. 

Exemplos. No último mês de abril, o poço 7-BUZ-29D-RJS (Campo de Búzios), Bacia de Santos, produziu em média 51.700 barris de petróleo/dia. No mesmo campo e no mesmo mês, o poço 9-BUZ-3-RJS  produziu cerca de 1,38 milhão de metros cúbicos/dia de gás natural. Para fins de comparação, no mesmo período, a Bacia do Recôncavo produziu 25.470 barris de petróleo/dia e cerca de 1,64 milhão de metros cúbicos/dia de gás natural. A produção na Bacia do Recôncavo veio da contribuição de 1.200 poços, o que dá uma média diária de produção de petróleo e de gás natural por poço de, respectivamente, de 21 barris e 1,37 m3. O poço campeão de produção no Brasil, o Búzios 29D, sozinho, produziu 2 vezes a produção de petróleo da Bacia do Recôncavo. O 9-BUZ-3-RJS sozinho produziu cerca de 85% de todo o gás natural produzido na Bacia do Recôncavo no mês de abril de 2020. São desempenhos assimétricos, desproporcionais.

E a Petrobras fez sua escolha. Ela corretamente tem dirigido seus esforços financeiros, logísticos e de pessoal para a exploração e produção dos reservatórios do pré-sal. O aumento da produção oriunda desses reservatórios gera para a empresa, entre outros (1) um incremento de sua receita global, (2) um faturamento crescente em moeda forte com a exportação de volumes expressivos de petróleo e (3) uma maior receita  contribui positivamente para a gestão de seu endividamento. 

Surge assim uma oportunidade interessante para produtores independentes com o programa de desinvestimentos da Petrobras de seus ativos terrestres e com a Oferta Permanente de Áreas da ANP. Ambas iniciativas beneficiam empresas já detentoras de concessões bem como potenciais novos entrantes..

O quadro atual de produção de gás natural nas bacias aqui mencionadas,  evidência não somente o declínio das volumes produzidos pela idade dos ativos, mas, também, por menor  aporte financeiro para a manutenção das operações. 

Uma gestão adequada dos reservatórios desses ativos terrestres, a busca por oportunidades de reabertura de poços fechados, possibilidades de extensão de ring fences e de perfuração in fill, devem resultar em incremento de produção em um poço, em um campo e em uma bacia. Este autor já verificou o grande número de poços fechados existentes em mais de uma dezena de ativos produtores. É gatilho para rapidamente incrementar a produção de um campo.

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Conclusões

Abordou-se a produção de gás natural das bacias terrestres brasileiras. A tendência é de declínio de produção para cada uma das bacias analisadas. A prolífica Bacia do Recôncavo já chegou a produzir substanciais 6,2 milhões de metros cúbicos/dia. Hoje produz cerca de ¼ deste volume. Vê-se oportunidades neste quadro aparentemente desanimador. Fica claro que a Petrobras direcionou seus recursos nos últimos anos para o segmento E&P do pré-sal. E o fez corretamente.

O quadro mostrado é estimulante para as empresas independentes, com foco no segmento E&P, que têm toda capacidade para atuar na recuperação desses ativos produtores e em fazer investimentos para a descoberta de gás novo. A Oferta Permanente de Áreas também é interessante para os independentes se posicionarem nessas bacias terrestres e operarem para reverter as curvas declinantes de produção de gás natural e de petróleo. 

Novos investimentos geram emprego, renda e tributos. Que o programa de desinvestimentos da Petrobras possa ser ampliado e seguir mais rápido. Que as rodadas de licitações de blocos da ANP sejam um sucesso, incluindo-se a Oferta Permanente de Áreas. São ingredientes certos para o aumento da produção de gás natural nas bacias terrestres brasileiras.

Hercules Tadeu F. da Silva é geólogo. É sócio-diretor da Ondina Consultoria em Energia. Foi diretor da Pré-Sal Petróleo S/A (PPSA). Trabalhou 31 anos na Petrobras. Contato: [email protected]

Agradecimento: à Carlos Eugenio M. S. Ressureição pela revisão crítica do manuscrito.

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