O gás natural no Brasil ganhou protagonismo nos últimos anos, principalmente nos dias atuais onde é considerado pela sociedade como o insumo da transição para fontes renováveis. Até então, por aqui, quando se perfurava um poço e o resultado era uma descoberta de gás, o poço era considerado seco. Exageros à parte, era mais ou menos isso que acontecia nos anos 1970, 1980.
O objetivo deste artigo é fazer uma análise do histórico de produção de gás natural, no período 2000-2020, das bacias terrestres do tipo rifte. São sinônimos, os termos bacias onshore ou bacias terrestres. Adotado aqui o último. São aquelas áreas sedimentares localizadas na parte oriental do Brasil, cuja gênese esteve associada a separação entre os continentes da América do Sul e África durante o Cretáceo Inferior. Serão mostradas informações de produção das bacias do Espírito Santo, Recôncavo, Tucano Sul, Sergipe, Alagoas e Potiguar, com um pouco mais de detalhe das três primeiras.
O diagnóstico do período analisado é de queda generalizada da produção em todas as bacias. Não será objeto de análise aqui o valor monetário que se deixou de materializar com a perda de produção de gás natural nessas bacias e sim, apontar a tendência geral de declínio de produção e que existe remédio para a retomada da mesma.
Todas as informações aqui utilizadas são públicas e foram extraídas do site da ANP. A amostragem de dados foi feita nos anos pares.
É clara a oportunidade que surge de recuperação da produção de gás natural dessas áreas com a saída da Petrobras de ativos localizados em terra. Esse papel está sendo gradativamente assumido por empresas independentes.
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O período 2000 – 2020
A produção atual de gás natural em terra é muito baixa. Mesmo contando com as importantes produções de Leste do Urucu e Rio Urucu representou apenas 14% da produção nacional de gás em abril de 2020. Nas bacias terrestres aqui abordadas, a tendência é a mesma, de vazões diárias modestas (Figura 1). Os valores de produção mostrados também referem-se ao mês de abril de 2020.
A Bacia do Recôncavo é o destaque em termos de volume produzido sendo seguida pela Bacia de Alagoas com uma vazão diária pouco superior a metade daquela registrada no Recôncavo (Figura 1). Nota-se que as produções nas bacias do Espírito Santo e Tucano Sul, principalmente, são extremamente diminutas.
Se observamos uma curva histórica de produção dessas bacias é possível notar que os volumes produzidos já foram substancialmente maiores. Para tal, serão apresentadas as curvas históricas das bacias do Espírito Santo, Recôncavo e Tucano Sul, a fim de exemplificar a potencialidade das mesmas que, entende-se, pode ser resgatado, via uma gestão adequada dos reservatórios já descobertos e por novas descobertas vindas de áreas exploratórias.
A Bacia do Espírito Santo no período 2000-2020 chegou a produzir 1,37 milhão de metros cúbicos/dia em junho de 2005 (Figura 2). De lá para cá, a produção vem decaindo tendo alcançado os cerca de 70 mil metros cúbicos/dia atuais. Em outras palavras, a produção atual é quase 20 vezes menos o valor do pico registrado em junho de 2005.
A Bacia do Recôncavo já foi em passado recente uma importante produtora de gás natural. Ali, a produção já atingiu níveis de 6,2 milhões de metros cúbicos/dia em maio de 2004 (Figura 3). Atualmente produz cerca de 1,6 milhão de metros cúbicos/dia que, embora relevante, significa uma vazão diária quase 4 vezes menor que aquela observada em maio de 2004.
Para a vizinha Bacia do Tucano Sul, o quadro não é diferente (Figura 4). Ali, a produção atual é de meros 32 mil metros cúbicos/dia, um retrato distante de produções mais vistosas ocorridas nos anos 2005-2006, onde chegou a produzir diariamente 700 mil metros cúbicos. A produção atual é cerca de 22 vezes menor do valor de pico registrado em agosto de 2005.
Campos campeões de produção
Quando se observa os principais produtores de gás natural dessas bacias no período 2000-2020, dois campos se sobressaem: Miranga, na Bacia do Recôncavo, e Pilar, na Bacia de Alagoas (Figura 5). No período analisado, como poderá ser observado, o Campo de Miranga (Figura 6) sempre se destacou relativamente a Pilar (Figura 7). O Campo de Miranga produz atualmente cerca de 8,5 vezes menos gás do que produziu em meados de 2004 (Figura 6).
O Campo de Pilar já chegou a produzir quase 1,6 milhão de metros cúbicos/dia em meados de 2004. Produz atualmente cerca de 5 vezes menos esse volume.
Como seria o quadro da produção consolidada de gás natural dessas bacias no período 2000-2020? Ao se consolidar as produções das diferentes bacias, aí incluindo-se as bacias de Sergipe, Alagoas e Potiguar, chega-se, obviamente, ao mesmo cenário de produção declinante ao longo do período (Figura 8). Nota-se no período analisado que os maiores volumes diários foram produzidos em 2004. A produção consolidada atual é da ordem de 3,7 vezes menor do que a observada em 2004. E a tendência é de diminuição progressiva dos volumes diários produzidos de gás natural.
O onshore brasileiro e a realidade do offshore
Desde os anos 1990 a Petrobras tornou-se uma operadora eminentemente offshore. Isso se acentuou ainda mais com as descobertas gigantes dos reservatórios do pré-sal nos anos 2000 localizados nas bacias de Santos, principalmente, e Campos. A produção dos reservatórios do pré-sal é tão importante para o país, que em abril de 2020 já representava cerca de 70% de toda a produção nacional (expressa em óleo equivalente). A contribuição terrestre para a produção nacional no mesmo período significava apenas 6,6% da produção total (expressa em óleo equivalente). E com tendência declinante. Embora o foco aqui seja a produção de gás natural, observa-se que produção de petróleo nas bacias aqui abordadas segue a mesma tendência.
Desenha-se um quadro bastante claro. A Petrobras como maior operadora do país, a empresa que detém o maior número de concessões, sejam marítimas ou terrestres, tem que fazer escolhas. O recurso financeiro de qualquer empresa é finito. A produtividade dos reservatórios do pré-sal é de qualidade superior.
Exemplos. No último mês de abril, o poço 7-BUZ-29D-RJS (Campo de Búzios), Bacia de Santos, produziu em média 51.700 barris de petróleo/dia. No mesmo campo e no mesmo mês, o poço 9-BUZ-3-RJS produziu cerca de 1,38 milhão de metros cúbicos/dia de gás natural. Para fins de comparação, no mesmo período, a Bacia do Recôncavo produziu 25.470 barris de petróleo/dia e cerca de 1,64 milhão de metros cúbicos/dia de gás natural. A produção na Bacia do Recôncavo veio da contribuição de 1.200 poços, o que dá uma média diária de produção de petróleo e de gás natural por poço de, respectivamente, de 21 barris e 1,37 m3. O poço campeão de produção no Brasil, o Búzios 29D, sozinho, produziu 2 vezes a produção de petróleo da Bacia do Recôncavo. O 9-BUZ-3-RJS sozinho produziu cerca de 85% de todo o gás natural produzido na Bacia do Recôncavo no mês de abril de 2020. São desempenhos assimétricos, desproporcionais.
E a Petrobras fez sua escolha. Ela corretamente tem dirigido seus esforços financeiros, logísticos e de pessoal para a exploração e produção dos reservatórios do pré-sal. O aumento da produção oriunda desses reservatórios gera para a empresa, entre outros (1) um incremento de sua receita global, (2) um faturamento crescente em moeda forte com a exportação de volumes expressivos de petróleo e (3) uma maior receita contribui positivamente para a gestão de seu endividamento.
Surge assim uma oportunidade interessante para produtores independentes com o programa de desinvestimentos da Petrobras de seus ativos terrestres e com a Oferta Permanente de Áreas da ANP. Ambas iniciativas beneficiam empresas já detentoras de concessões bem como potenciais novos entrantes..
O quadro atual de produção de gás natural nas bacias aqui mencionadas, evidência não somente o declínio das volumes produzidos pela idade dos ativos, mas, também, por menor aporte financeiro para a manutenção das operações.
Uma gestão adequada dos reservatórios desses ativos terrestres, a busca por oportunidades de reabertura de poços fechados, possibilidades de extensão de ring fences e de perfuração in fill, devem resultar em incremento de produção em um poço, em um campo e em uma bacia. Este autor já verificou o grande número de poços fechados existentes em mais de uma dezena de ativos produtores. É gatilho para rapidamente incrementar a produção de um campo.
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Conclusões
Abordou-se a produção de gás natural das bacias terrestres brasileiras. A tendência é de declínio de produção para cada uma das bacias analisadas. A prolífica Bacia do Recôncavo já chegou a produzir substanciais 6,2 milhões de metros cúbicos/dia. Hoje produz cerca de ¼ deste volume. Vê-se oportunidades neste quadro aparentemente desanimador. Fica claro que a Petrobras direcionou seus recursos nos últimos anos para o segmento E&P do pré-sal. E o fez corretamente.
O quadro mostrado é estimulante para as empresas independentes, com foco no segmento E&P, que têm toda capacidade para atuar na recuperação desses ativos produtores e em fazer investimentos para a descoberta de gás novo. A Oferta Permanente de Áreas também é interessante para os independentes se posicionarem nessas bacias terrestres e operarem para reverter as curvas declinantes de produção de gás natural e de petróleo.
Novos investimentos geram emprego, renda e tributos. Que o programa de desinvestimentos da Petrobras possa ser ampliado e seguir mais rápido. Que as rodadas de licitações de blocos da ANP sejam um sucesso, incluindo-se a Oferta Permanente de Áreas. São ingredientes certos para o aumento da produção de gás natural nas bacias terrestres brasileiras.
Hercules Tadeu F. da Silva é geólogo. É sócio-diretor da Ondina Consultoria em Energia. Foi diretor da Pré-Sal Petróleo S/A (PPSA). Trabalhou 31 anos na Petrobras. Contato: [email protected]
Agradecimento: à Carlos Eugenio M. S. Ressureição pela revisão crítica do manuscrito.