A Eletronuclear, responsável pelas usinas nucleares de Angra 1, 2 e 3, enfrenta uma crise financeira que pode levar a companhia a um déficit de R$ 2,1 bilhões até junho deste ano.
Em entrevista à agência eixos, o presidente da empresa, Raul Lycurgo, detalha as medidas que estão em discussão para amortizar o rombo e garante que a empresa não entrará com pedido de recuperação judicial.
“Quando você coloca receita de um lado, investimento e despesa de outro, moral da história: tenho um déficit de R$ 2,1 bilhões”, explica Lycurgo.
Na última sexta-feira (11/4), o deputado federal Julio Lopes (PP/RJ), que também preside a Frente Parlamentar Mista da Tecnologia e Atividades Nucleares (FPN), declarou que em alguns meses a Eletronuclear entraria com um “pedido de solvência”, caso não houvesse a definição do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) sobre a continuidade das obras de Angra 3.
De fato, o principal fator que pressiona o caixa da Eletronuclear é o custo de manter Angra 3 paralisada, desde 2015, que chega a R$ 1 bilhão por ano.
Desse valor, R$ 800 milhões são referentes ao pagamento de juros da dívida junto à Caixa e ao BNDES, enquanto R$ 120 milhões são para a preservação de equipamentos e estruturas e cerca de R$ 100 milhões com pessoal.
“Essa ‘agonia’, vivemos o ano passado inteiro e estamos vivendo em 2025. Se não tiver uma decisão sobre Angra 3, qual vai ser a modelagem, como é que nós vamos fazer, e o que será o setor nuclear brasileiro, vamos estar aqui discutindo, em 2026, a mesma ladainha”, critica o presidente.
A receita bruta da Eletronuclear é de aproximadamente R$ 2.5 bilhões. Além da manutenção de Angra 3 e pagamento do serviço da dívida, os custos com as despesas de Angra 1, os investimentos necessários para renovação da licença de Angra 1 e pessoal das três usinas levam a companhia ao cenário de déficit.
A situação deficitária da Eletronuclear não é uma novidade. Entre 2015 e 2021, a Eletrobras, como principal acionista, aportou na companhia mais de R$ 5,2 bilhões. Este montante foi capitalizado quando houve a troca de controle acionário para a ENBPar, em junho de 2022.
Estratégias para manter-se de pé
Para enfrentar a crise, a empresa conta com três estratégias principais.
A primeira é o recebimento de recursos oriundos da emissão de debêntures, prevista no acordo entre União (ENBPar) e a Eletrobras, acionistas da Eletronuclear, com 64,7% e 35,3% das ações ordinárias, respectivamente.
O acordo prevê a emissão de debêntures no valor de R$ 2,4 bilhões, sendo R$ 1,1 bilhão destinado a cobrir investimentos em Angra 1, e que devem entrar no balanço da Eletronuclear ainda este ano.
“O acordo tem que ser homologado pelo Supremo e precisa passar na assembleia deles [Eletrobras]. A gente acredita que maio, junho, esse valor já entre no nosso caixa”, explica Lycurgo.
A segunda frente é a renegociação da dívida com BNDES e Caixa, que por mês representa cerca de R$ 70 milhões em despesas. Segundo Lycurgo, a Eletronuclear solicitou um waiver (suspensão temporária) do pagamento do serviço da dívida até dezembro de 2025, cuja aprovação está sendo intermediada entre Ministério de Minas e Energia e a Fazenda.
“Se Caixa e BNDES autorizarem o waiver para não pagar o serviço da dívida, você pega esse valor todo das parcelas, joga lá para frente”, diz o presidente.
A medida, se concedida antes de maio, poderia economizar R$ 560 milhões aos cofres da Eletronuclear neste ano.
Com isso, o rombo da companhia cairia de R$ 2,1 bi para cerca de R$ 440 milhões, montante que a empresa teria condições de captar no mercado, segundo o presidente.
“Dos R$2,1 bi, já temos R$ 1,1 bi das debêntures. Com um waiver, reduzimos mais R$ 560 milhões. Faltam R$ 440 milhões, que conseguiríamos captar no mercado, mesmo sem garantia”, detalha Lycurgo.
Plano de austeridade
Paralelamente, a empresa implementou um rigoroso plano de austeridade, incluindo um plano de demissão voluntária (PDV) que levou, inclusive, à greve de trabalhadores por tempo indeterminado, nesta terça (15/4), na sede da empresa, localizada no Rio de Janeiro, e desde dia 8 de abril, na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, em Angra dos Reis.
Um dos objetivos do plano é consertar o descompasso que há entre as despesas reais da Eletronuclear e despesas de pessoal, materiais, serviços e outros custos operacionais (PMSO) autorizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Cabe à Aneel definir o PMSO, uma vez que a Eletronuclear atua como uma concessionária de serviço público na geração de energia elétrica e está sujeita à regulação tarifária.
Em 2022, por exemplo, a Eletronuclear gastou R$ 1,6 bilhão, mas a Aneel, só autorizou R$ 1,1 bilhão. Em 2023, foram R$ 1,78 bilhão gastos, contra R$ 1,1 bilhão liberado. Ou seja, em 2022, R$ 500 milhões saíram do caixa da companhia sem cobertura tarifária e em 2023 mais R$ 700 milhões.
“Implementamos um plano de austeridade desde janeiro de 2024. Em 2022 gastamos 38% acima do que a Aneel dava, em 2023 foi 62%. O nosso orçamento para 2024 já apontava para 75% acima e conseguimos inverter, fechar essa boca de jacaré, e fechar 2024 com 38% acima”, pontua.
Para 2025, Lycurgo espera que essa diferença caia para cerca de 20% a 25%, já com os efeitos do PDV, e que em 2026 o PMSO “volte a estar em equilíbrio”, desde que a questão de Angra 3 esteja resolvida.
“O desequilíbrio de Angra 3 draga a fundo da companhia, porque ela não tem como fazer o pagamento de R$ 1 bilhão desse custo sem a usina sair do papel”.