Energia

Diversidade na indústria de O&G deve ser mais evidenciada

Mulheres representam apenas 15% da força de trabalho no setor, aponta McKinsey. Para Fernanda Delgado, diretora do IBP, é necessário dar visibilidade à inserção real das profissionais da indústria de óleo e gás

Diversidade na indústria de O&G deve ser mais evidenciada, escreve Fernanda Delgado, diretora executiva Coorporativa do IBP (Foto: Divulgação)
Fernanda Delgado, diretora executiva Coorporativa do IBP (Foto: Divulgação)

BRASÍLIA — Dar espaço de fala e visibilidade às estatísticas pode desmistificar a ocupação de altos postos de trabalho pelo público feminino na indústria de óleo e gás. “A visibilidade que faz falta é a inserção real da mulher”, assegurou a diretora executiva do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Fernanda Delgado.

Com experiência no setor privado e acadêmico, Delgado lidera a diretoria corporativa do IBP desde janeiro deste ano. A organização foca em promover o desenvolvimento da indústria de petróleo e gás.

À agência epbr, a executiva contou sobre sua experiência à frente do Instituto e debateu o panorama da representatividade das mulheres na área de energia.

De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), a taxa de empregos no setor energético cresceu aproximadamente de 1,3 milhão em 2021 em comparação a 2019 – antes da pandemia–, podendo subir mais seis pontos percentuais até o final deste ano.

Apesar dos avanços, o cenário da desigualdade ainda é predominante na indústria energética, com os índices de participação feminina abaixo da média global.

“As mulheres chegam até a média gerência, mas dali em diante existe uma dificuldade grande em continuar”, comenta Delgado.

Muitas mulheres têm seus caminhos profissionais interrompidos por preconceitos estruturais ou dificuldades na rotina, como a jornada dupla ou tripla de trabalho.

Ela relata barreiras que vão desde não ser convidada para a mesa principal até esquecerem o seu cargo. “Ninguém imagina que a mulher ali na mesa é a autoridade”.

No Brasil, por exemplo, 37,5% dos cargos de diretoria são ocupados por mulheres na economia em geral, e recebem 77,7% do rendimento dos homens, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Já na indústria de óleo e gás, um levantamento feito pela McKinsey em 2019 revelou que a participação feminina é de apenas 15%, sendo que metade das empresas analisadas não possuem mulheres em alta gerência, e o outro terço possui somente uma mulher em posições de chefia.

A pesquisa analisou 250 companhias da área e concluiu que as corporações lideradas por mulheres têm melhor desempenho do que as concorrentes.

Plataformas masculinas

Por ser majoritariamente composto por homens, o ambiente de trabalho offshore se torna menos receptivo às mulheres.

Em 2021, um estudo encomendado pela Ocyan investigou as condições trabalhistas de mulheres embarcadas em plataformas de petróleo. Para 69% das mulheres entrevistadas, os homens possuíam mais chances de alcançar cargos de liderança no setor. 48% citaram a desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres como um dos motivos para abandonar a carreira.

As dificuldades estruturais também afetam as embarcações. Sete em cada dez trabalhadoras relataram ter problemas com uniformes e equipamentos de proteção individual (EPIs), não adequados ao corpo feminino.

Para mapear as mulheres embarcadas em plataformas de petróleo e mudar esse quadro, o IBP lançou o projeto O mar também é delas.

“Por ele, a gente faz um levantamento de questões sobre comportamento: o que pensam, o que possuem, o que falta e quais são os gaps. Um dos papéis mais importantes do IBP é levar informação”, explica Delgado.

Incentivos à liderança feminina

Buscando incentivar a presença feminina nos altos cargos dos segmentos do setor, o IBP promove a iniciativa Programa de Mentoria de Liderança Feminina na Indústria de O&G; uma das finalidades da ação é conectar mulheres a importantes executivos e executivas do ramo de óleo e gás.

“Ele é feito pela UniBP, nossa universidade setorial, e é focado nas competências técnicas comportamentais e socioemocionais das mulheres”, esclarece a executiva.

O programa está alinhado ao ODS 5, objetivo de desenvolvimento sustentável estabelecido pela ONU, que visa o alcance da igualdade de gênero e empoderamento de todas as mulheres e meninas.

“As empresas estão cientes da urgência de ampliar a presença feminina em cargos de liderança, o que só tem a contribuir com os seus desempenhos operacionais e financeiros. Ainda há muitos desafios, mas deve partir da própria indústria o esforço para acompanhar e liderar as transformações do mercado de trabalho”.

Para Delgado, na cadeia produtiva, a representatividade é tão importante quanto a diversidade: “Acrescentar a diversidade de olhares e pensamentos é o que agrega valor financeiro às empresas.”

Outro exemplo de fomento à liderança feminina é da major ExxonMobil, que lançou um programa de mentoria voltado às funcionárias da empresa, com o objetivo de promover o desenvolvimento de carreiras e habilidades interpessoais e aumentar a quantidade de mulheres na chefia. Segundo a empresa, a iniciativa já impactou 300 funcionárias.

As iniciativas possuem relevância pois no Índice Global de Diferença de Gênero de 2022, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 94º posição. Já no quesito adoção de políticas de empoderamento feminino, o país cai para o 104º lugar, ainda que ocupe a primeira colocação no indicador de nível educacional das profissionais.

Desigualdade de gênero começa na academia

A disparidade de oportunidades enfrentadas pelas mulheres tem início na graduação e vão até o mercado de trabalho.

Os cursos de exatas relevantes para a área de energia, como engenharia mecânica e de petróleo, por exemplo, apresentam baixos percentuais de alunas graduadas, representando 13,9% e 17,1% do total, respectivamente. Com isso, apenas um terço dos iniciantes na indústria de O&G são mulheres, aponta a McKinsey.

Os números também refletem questões de empregabilidade. Conforme relatório da IEA deste ano, as mulheres são mais propensas a deixar empresas de energia para empregos fora do ramo; a diferença salarial entre homens e mulheres no setor energético é maior do que em qualquer outro setor, quase 20% inferior.

As executivas brasileiras estão engajadas em criar redes para promover mais profissionais mulheres.

Desde 2018, o movimento Sim, elas existem busca jogar luz sobre a formação de cargos de destaque no setor energético e de mineração, incentivando a inclusão de mulheres em postos da administração pública relacionados à energia.

Este ano a lista com indicações de mulheres chegou a 400 nomes. O documento foi recebido pelo gabinete de transição do presidente eleito Lula.

A expectativa é de que algumas mulheres da lista possam ser indicadas para o governo. “Estamos bem esperançosas”, conta Delgado, que também é uma das fundadoras da ação.

“É um movimento que dá visibilidade para mulheres que existem e que não são somente técnicas, ou seja, que podem não só ir para o governo, mas podem falar em palestras, webinars; e podem aparecer para dizer que nós estamos aqui, somos técnicas e tão boas quanto os homens do setor”, conclui.