Diálogos da Transição

Crédito para commodities com risco florestal aumentou mais de 60%

Em setembro de 2022, os investidores detinham US$ 40 bilhões em títulos e ações em commodities com riscos florestais

Crédito para commodities com risco florestal aumentou mais de 60%. Na imagem, gado em pastagem próxima à floresta em Rondonia (Foto: Alexandre Cruz Noronha/Amazônia Real)
Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo, mas o setor também é apontado como o principal impulsionador do desmatamento no país (Foto: Alexandre Cruz Noronha/Amazônia Real)

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Diálogos da Transição

Editada por Nayara Machado
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Levantamento da Forests & Finance Coalition divulgado nesta terça (18/10) alerta que o crédito para empresas de commodities com risco florestal aumentou mais de 60% entre 2020 e 2021.

O grupo de organizações ambientais que reúne Amazon Watch e Repórter Brasil, entre outras, alerta que 200 das maiores instituições financeiras estão falhando em adotar políticas ambientais, sociais e de governança (ESG, em inglês) enquanto a crise climática e de biodiversidade se intensifica.

“Nenhum dos maiores bancos e investidores nos setores de alto risco AFOLU (Agricultura, Silvicultura e Outros Usos da Terra) têm políticas ambientais, sociais e de governança suficientes”, constata o relatório.

Desde que o acordo de Paris foi assinado, em 2016, os bancos injetaram US$ 267 bilhões em empresas de commodities com risco florestal e, em setembro de 2022, os investidores detinham US$ 40 bilhões em títulos e ações no segmento.

“Com o setor de agricultura, silvicultura e uso da terra contribuindo com 23% das emissões globais de carbono, é bastante claro que devemos revisar as regras que regem a tomada de decisões de bancos e investidores se quisermos atender às emergências globais”, comenta Tom Picken, membro fundador da coalizão.

No geral, 59% das instituições financeiras apresentam falhas graves na gestão e mitigação de riscos ESG, de acordo com os critérios avaliados. Apenas três tiveram classificação positiva, mas ainda com espaço para melhorias.

Dois setores ganharam destaque no levantamento: celulose e papel no sudeste da Ásia e carne bovina na Amazônia.

O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo, mas o setor também é apontado como o principal impulsionador do desmatamento no país.

“Este setor atrai financiamento substancial com um total de US$ 67 bilhões em crédito desde o Acordo de Paris (2016-2022 setembro). Grande parte (89%) é crédito rural subsidiado pelo governo”, aponta a coalizão.

Quando o assunto é financiamento sem subsídio, três empresas concentram 90% do crédito recebido: JBS, Marfrig e Minerva. A JBS lidera no ranking, atraindo US$ 1,1 bilhão em investimentos em 2022.

  • As três empresas têm metas de descarbonização: a Minerva planeja emissões líquidas zero até 2035 e a JBS até 2040; enquanto a Marfrig quer cortar em 33% a intensidade de GEE para cada animal abatido até 2035; 
  • Para isso, elas têm trabalhado no rastreamento da cadeia de fornecedores em um esforço de desvinculação de conflitos ambientais e de direitos humanos na Amazônia e Cerrado.    

Ainda assim, o relatório alerta que cerca de 70% das exportações da Amazônia e Cerrado estão ligadas ao desmatamento, trabalho escravo ou conflitos fundiários.

Cenário que se agravou nos últimos quatro anos, sob o governo de Bolsonaro, com retrocessos em proteções ambientais e crimes contra povos indígenas e comunidades locais.

Com ou sem risco florestal, os bancos continuam injetando dinheiro. 

Os maiores financiadores da carne bovina do Brasil entre 2016 e setembro de 2022 foram Bradesco (US$ 1 bilhão), Santander (US$ 774 milhões), HSBC (US$ 746 milhões), Banco do Brasil (US$ 723 milhões) e BTG Pactual (US$ 648 milhões).

A pontuação média dessas instituições financeiras em suas políticas de carne bovina foi de apenas 1 em 10. Veja na íntegra (.pdf)

Cobrimos por aqui:

Apoio de risco

Outro setor de risco que continua recebendo apoio é a indústria do carvão. No início de outubro, Urgewald, Reclaim Finance e outras 39 ONGs atualizaram a Global Coal Exit List (GCEL) e descobriram que quase metade das empresas do setor seguem desenvolvendo novas usinas, minas ou infraestrutura de transporte.

Das 1.064 empresas listadas no banco de dados, 490 (46%) estão investindo no fóssil.

Ao passo que 190 instituições financeiras ainda não têm política de carvão, 272 têm políticas fracas ou insuficientes e apenas 28 adotaram políticas eficazes de saída de carvão, de acordo com a Coal Policy Tool.

“Os desenvolvedores de carvão prosperam com o apoio das instituições financeiras que continuam fornecendo os recursos necessários para novos projetos. Até hoje, apenas 28 instituições financeiras adotaram políticas eficazes de saída de carvão”, alerta a Reclaim Finance.

E poucas estão mesmo preocupadas com uma transição.

Apenas 5,3% das empresas do GCEL anunciaram uma data de saída do carvão, enquanto 27 empresas (2,5%) têm meta divulgada para eliminação progressiva de acordo com a ciência do clima.

Outros, incluindo KEPCO, Marubeni e Mitsubishi, se comprometeram a sair do setor nos prazos exigidos — 2030 nos países da União Europeia e da OCDE e 2040 no resto do mundo.

No entanto, uma análise mais aprofundada dos planos de transição destas empresas revela que a maioria deles implica apenas converter as centrais a carvão em gás ou vendê-las.

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Valem destaque:

Em meio à crescente pressão por incorporar riscos climáticos nas políticas de financiamento, bancos e investidores têm lançado consultas públicas e ferramentas para alinhar seus investimentos às metas de Paris.

Além disso, esta semana, o Reino Unido lançou seu Esquema de Financiamento de Mercados de Energia com a exigência de que as empresas divulguem suas estratégias de zero líquido.

O esquema é um esforço conjunto do Banco da Inglaterra e do Tesouro para fornecer financiamento de curto prazo para empresas de energia do Reino Unido que enfrentam problemas de liquidez durante a atual crise de energia. ESG Clarity

Mas talvez um dos casos mais emblemáticos venha da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês), que emitiu uma proposta para padronizar o relato de impacto climático das empresas de capital aberto.

E que levou a uma reação de setores anti-ESG indústria estadunidense — entre eles o CEO da Tesla, Elon Musk –, que acusam o órgão de formar um “cartel climático”. Reuters