Algumas manchetes de jornais, inclusive internacionais, cometeram um equívoco ao sinalizar que o resultado do leilão ocorrido em 27 de outubro não teria sido um sucesso pelo fato de duas das oito áreas ofertadas não terem sido arrematadas. Teço aqui alguns comentários que podem ajudar o leitor a ter o correto entendimento do tema.
No regime de concessão, o sucesso do leilão é medido pelo valor monetário arrecadado no momento do certame, como ocorreu na 14ª rodada. Caso ocorra ágio em algumas áreas, o valor total arrecadado pode superar o valor mínimo fixado, ainda que algumas áreas não tenham recebido ofertas. Já no regime de partilha, deve-se considerar dois componentes indissociáveis para aferir o sucesso de um leilão: (a) o pagamento do bônus de assinatura, valor fixo determinado pela agência reguladora que representa, em última instância, o recurso financeiro arrecadado imediatamente, (b) o chamado óleo lucro, parcela da produção a ser destinado à União no médio e longo prazo. Neste caso, portanto, a União difere sua remuneração ao longo do tempo e ainda assume o risco do processo exploratório. Adicionalmente, o valor arrecadado no momento do leilão pode ser inferior àquele correspondente à totalidade das áreas caso uma delas não receba oferta vencedora.
Assim, no regime de concessão, a disputa por blocos fica evidenciada no ágio pago com relação ao bônus de assinatura. Já no regime de partilha, a disputa por blocos é evidenciada pelo ágio relacionado ao óleo lucro destinado à União. As rodadas 2 e 3 do pré-sal apresentaram ágios de 261% e 202%, respectivamente, configurando um claro quadro de competição. Isto também pode ser medido pelo fato de ter havido disputa em quatro dos seis blocos.
Há, ainda, outros aspectos que merecem destaque e que reforçam o sucesso das rodadas. O primeiro deles diz respeito à diversidade de atores de peso a compor, a partir de agora, o panorama da exploração no polígono do pré-sal. Juntam-se à Petrobras empresas globais como Shell e Statoil na qualidade de operadoras, além de ExxonMobil, BP Energy e CNODC, escolhidas pela Petrobras como novas parceiras. Somando-se àquelas que confirmaram suas posições existentes- como Repsol Sinopec, Total, Petrogal e CNOOC, o Brasil conta hoje com uma bem-vinda multiplicidade de atores a investirem em nosso país.
Nesta nova configuração, chama a atenção o apetite demonstrado pela Shell. Presente no país há mais de 100 anos e com um portfólio em upstream reforçado a partir da aquisição da BG, a empresa anglo-holandesa apresentou lance nos seis blocos disputados, seja como líder e operadora, seja como componente do consórcio, confirmando participação em três deles.
Por outro lado, a ExxonMobil confirmou a disposição já demonstrada na 14ª rodada, colocando um pé em Carcará, ao lado da Statoil e da Petrogal, mas também como partícipe de consórcio na disputa pelo campo de Peroba. Aos poucos, a gigante norte-americana recoloca o Brasil na rota de seus investimentos em águas profundas.
Por fim, vale destacar a seletividade e assertividade demonstrada pela Petrobras, disputando apenas as áreas pelas quais já tinha declarado preferência, impondo sua supremacia quando houve disputa. Adicionalmente, a escolha da BP Energy como nova sócia parece confirmar o desejo de não perder a predominância, não deixando que outros players fiquem grandes demais no pré-sal.
Com relação às duas áreas que não tiveram lances, cabe ainda uma avaliação cuidadosa quanto às razões. De acordo com especialistas do setor, uma delas (Tartaruga Verde, ofertada na rodada 2) é contígua a uma descoberta relativamente menor se comparada às demais áreas unitizáveis ofertadas. O campo não arrematado na rodada 3 (Pau Brasil) encontra-se em área menos conhecida e, portanto, de maior risco à luz dos dados existentes e do valor do bônus de assinatura.
Não há dúvidas, em suma, de que o Brasil se beneficiou da flexibilização das regras relativas ao regime de partilha, sobretudo a desobrigação de operação da Petrobras. Contamos hoje com compromissos vultosos de investimentos por parte das principais empresas globais do setor de óleo e gás, trazendo um saudável ambiente de múltiplos atores e garantindo atividade econômica para toda a cadeia de valor, pesquisa e desenvolvimento, confirmando a vocação brasileira para um mix energético diversificado.
Clarissa Lins, economista, sócia fundadora da Catavento