Energia

Combustível do Futuro reflete busca por protagonismo

De olho em mercado promissor, Governo lança projeto para incentivar a produção de SAF, escrevem Felipe Boechem, Andréa Caliento, Henrique Miguel e Thalia Freitas

Combustível do Futuro reflete busca por protagonismo do Brasil na produção de SAF. Na imagem: Aeronave abastecida com combustível sustentável levanta voo; Ao lado, caminhão-tanque com biocombustível
Objetivo do Combustível do Futuro é incentivar a pesquisa, produção, comercialização e uso energético do SAF

O governo federal apresentou ao Congresso Nacional, no dia 18 de setembro de 2023, o Projeto de Lei nº 4516, conhecido como “PL do Combustível do Futuro”, que dispõe, dentre outros temas relevantes para a transição energética do país, sobre o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV).

O objetivo do projeto é incentivar a pesquisa, produção, comercialização e uso energético do combustível sustentável de aviação (Sustainable Aviation Fuel – SAF), e surge em um cenário propício, no qual o mundo tem cada vez mais se mobilizado para incentivar a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e reduzir a dependência de combustíveis fósseis.

Existe uma grande expectativa de que o Brasil seja um dos principais produtores deste tipo de combustível. Somos o segundo maior produtor de etanol do mundo – uma das matérias-primas que podem ser utilizadas para a produção do SAF –, e possuímos abundância de recursos renováveis que poderiam ser utilizados na sua produção.

Apesar desse enorme potencial, o Brasil ainda não possui um marco regulatório para o SAF. Assim, o PL do Combustível do Futuro reflete a preocupação e o esforço do governo em atender aos anseios do mercado e tentar colocar o país na posição de protagonista no processo de transição energética.

Metas previstas no ProBioQAV e Corsia

O ProBioQAV, previsto no PL do Combustível do Futuro, estabelece metas para que os operadores aéreos nacionais reduzam as emissões de GEE em suas operações domésticas, por meio do uso do SAF. Para tanto, tais operadores deverão diminuir as emissões de GEE em ao menos 1%, a partir de 1º de janeiro de 2027, chegando ao percentual de 10%, em 2037.

Caso o novo projeto de lei seja aprovado, o ProBioQAV abrangerá apenas voos domésticos, não se aplicando, a princípio, a voos internacionais.

Sem prejuízo disso, a utilização do SAF em voos internacionais é atualmente incentivada pelo Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation (Corsia), um programa criado pela Organização da Aviação Civil Internacional em 2016, que tem como objetivo o crescimento neutro de carbono no âmbito do setor de aviação civil.

O Corsia conta atualmente com a participação de mais de 100 países, incluindo o Brasil, se tratando de programa obrigatório para os países participantes a partir de 2027, que estabelece o dever dos operadores internacionais de compensar as emissões de GEE, através da compra de créditos de carbono ou do abastecimento de seus equipamentos com uma mistura mínima de SAF.

Panorama internacional – União Europeia e Estados Unidos

A União Europeia, em abril deste ano, estabeleceu metas obrigatórias para que as companhias aéreas do bloco aumentem o uso do SAF, incluindo:

  • (i) a necessidade de que os fornecedores de combustível da aviação forneçam uma porcentagem mínima de SAF a partir de 2025, com aumentos progressivos desta porcentagem a cada cinco anos; e
  • (ii) a necessidade de que as novas misturas de combustível para a aviação tenham uma proporção mínima de combustíveis sintéticos mais modernos e menos poluentes, também com um aumento progressivo desta proporção ao longo do tempo.

Os Estados Unidos têm apostado em incentivos fiscais expressivos para incentivar a produção de SAF, sendo que a sua grande iniciativa sobre o tema foi a promulgação da legislação denominada de Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act – IRA), aprovada pelo presidente Biden em agosto de 2022 que prevê a concessão de créditos fiscais aos produtores e misturadores do SAF.

Desafios no Brasil

Além da ausência de um marco regulatório para o SAF, o Brasil ainda não possui incentivos fiscais específicos para a produção do SAF, pois a despeito de a Lei nº 14.248/2021 trazer o compromisso do Governo Federal com o incentivo e fomento à pesquisa de produção de energia à base de biomassas, ainda falta regulamentação sobre o tema.

Outro desafio para a ampliação da capacidade produtiva de SAF no Brasil pode vir da alta competitividade do açúcar, já que a produção regular do etanol costuma depender do valor internacional do açúcar.

Nesse sentido, ressalte-se que, na última safra, o preço do açúcar subiu expressivamente, proporcionando resultados mais positivos para os produtores rurais em comparação ao etanol, o que fez com que muitos manifestassem sua preferência pela produção de açúcar na próxima safra.

Aspectos jurídico e regulatórios relevantes

Existe um mercado de demanda crescente por SAF se desenhando globalmente, o que poderá alterar a preferência das usinas pela produção do açúcar, especialmente se houver incentivo fiscal para sua a produção.

O diferencial para os novos negócios relacionados ao SAF é o seu alinhamento com as políticas de responsabilidade ambiental, social e de governança (Environmental, Social, and Governance – ESG).

Vale dizer que dentro dessa iniciativa, a escolha e a regularidade dos imóveis nos quais as matérias-primas do SAF serão produzidas são fatores essenciais para que as usinas cumpram as respectivas políticas de governança que integram a iniciativa ESG.

Outro aspecto relevante se refere às normas regulatórias aplicáveis, pois os produtores que optarem por investir na produção do SAF devem estar atentos ao conteúdo de tais normas, especialmente para avaliar os requisitos a serem observados na produção do combustível sustentável, as regras para eventual exportação do produto, bem como a melhor maneira de estruturar os seus respectivos projetos, inclusive para fins cumprimento de políticas de governança, bem como para fins de otimizar a utilização de eventuais benefícios fiscais e, por conseguinte, seus resultados.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.

Andréa Caliento é sócia de Imobiliário, Henrique Miguel e Thalia Freitas são advogados da prática de Imobiliário do Lefosse.