A liderança de Lula (PT) inegavelmente colocou a ação climática no topo da agenda política brasileira. O desflorestamento da Amazônia diminuiu, as metas climáticas do país aumentaram e estamos liderando esforços globais em prol da equidade e justiça climática.
Uma área que continua a manchar a credibilidade climática do Brasil no cenário mundial é a nossa relutância em diminuir a produção doméstica de combustíveis fósseis. Mas embora o Brasil precise certamente resolver esse problema em casa, nós agora temos uma oportunidade única de lidar com um poluidor global muito maior: o transporte marítimo internacional.
O transporte marítimo de carga é um setor multibilionário, em grande parte não tributado e movido a combustíveis fósseis. Ele emite mais do que todos os países, exceto os cinco maiores emissores do mundo, e duas vezes mais que o Brasil a cada ano.
Acordo histórico
Em julho de 2023, o Brasil aderiu a um acordo histórico com a agência marítima das Nações Unidas encarregada da regulação do transporte marítimo de cargas, a Organização Marítima Internacional (OMI), sediada em Londres. Nesse acordo, os países concordaram em reduzir as emissões globais do transporte marítimo em 30% até 2030 e em 80% até 2040. O objetivo é atingir zero emissões em 2050.
Com essas metas estabelecidas, os 175 estados membros da OMI estão buscando políticas concretas para atingi-las, com a próxima ronda de negociações agendada para 11 a 22 de março. Isso dá ao Brasil uma oportunidade única de influenciar a concepção dessas políticas de uma maneira que beneficie nosso país e nosso povo.
Uma política fundamental em discussão é o estabelecimento de um preço para a emissão de gases de efeito estufa emitidos pelos navios de carga. Essa política poderia angariar financiamentos climáticos significativos na casa dos bilhões de dólares por ano, ajudando na transição energética do setor de transporte marítimo de combustíveis fósseis a alternativas de energia mais limpa, que ainda tendem a ser mais caras.
A OMI se comprometeu a garantir que a transição energética do transporte marítimo seja equitativa. Isso significa que esse financiamento poderia não apenas desempenhar um papel fundamental na transição energética da indústria naval, mas também compensar os países em desenvolvimento por quaisquer aumentos de custo que essa transição possa causar.
Mais de 100 países em todo o mundo concordam que alguma forma de taxação das emissões do transporte de carga é necessária, incluindo México, Costa Rica e Barbados.
A OMI concordou em adotar alguma forma de taxação das emissões até 2025, mas os detalhes de como esse mecanismo poderia funcionar e o próprio nível de preços, ainda estão em debate. Os maiores impulsores dessa política, as nações insulares do Pacífico, estão propondo uma taxa de 150 dólares por tonelada de gases de efeito estufa.
Essa taxa seria separada e adicional ao chamado financiamento de “perdas e danos” negociado na COP, segundo o qual países desenvolvidos oferecem assistência financeira aos países vulneráveis para lidar com as consequências das mudanças climáticas que vão além do que se pode adaptar. Esse fundo de perdas e danos visa assegurar que os países ricos se responsabilizem por suas emissões históricas.
Os rendimentos provenientes dessa tributação também serão necessários para aumentar a resiliência das cadeias de abastecimento e dos portos, já que o Brasil é um dos países que correm maior risco de interrupções comerciais devido às mudanças climáticas. Por exemplo, a grande seca vivida no rio Amazonas no ano passado causou graves transtornos no fluxo de mercadorias para os portos do Brasil, prenunciando a crescente vulnerabilidade do transporte marítimo às mudanças climáticas.
Mas esse mecanismo também pode trazer benefícios mais abrangentes em termos de ação climática, adaptação e desenvolvimento, já que o Banco Mundial pretende utilizar parte desse dinheiro para projetos climáticos além da indústria marítima.
Adaptação e investimentos climáticos
O Brasil enfrenta desafios climáticos iminentes devido a mudanças nos padrões de temperatura e precipitação, que estão levando a episódios de calor extremo, tempestades, inundações e secas mais frequentes e intensas. Esses eventos afetarão todas as áreas do país, trazendo consequências graves à saúde humana, à segurança alimentar e à biodiversidade.
Investimentos estratégicos são essenciais para que o Brasil possa enfrentar esses desafios, especialmente quando se trata de nossas cidades e populações mais vulneráveis. A seguir, algumas sugestões de áreas prioritárias de adaptação climática para o contexto nacional:
Modernização de sistemas de alerta precoce e serviços de emergência: visando melhorar a qualidade da informação sobre eventos meteorológicos extremos (como tempestades e ondas de calor) e, quando necessário, facilitar a realocação de comunidades de áreas altamente expostas. Trata-se de uma estratégia básica de redução de risco de desastres que pode salvar milhares de vidas.
Subvenção de reformas e modernização de residências e edifícios públicos: visando torná-los mais resilientes ao calor extremo, tempestades e enchentes. Essa empreitada não apenas ajudaria a proteger as populações mais vulneráveis, como também reduziria a demanda energética e levaria a práticas construtivas mais sustentáveis.
Substituição de superfícies de concreto e asfalto por materiais mais permeáveis e verdes: visando melhorar a capacidade de infiltração do solo e reduzir o escoamento que leva a enchentes e inundações, quando combinado com a incorporação de verde urbano, essa tática também traria benefícios à saúde, melhorando a qualidade do ar e reduzindo a temperatura e acumulação de calor.
Combate ao desmatamento: os rendimentos dessa tributação também poderiam ser investidos na redução do desmatamento, que já está no topo da agenda climática do governo Lula, contribuindo com a redução de emissões, perda da biodiversidade e evitando um potencial ponto-de-não-retorno para ecossistemas únicos como a Amazônia e o Cerrado.
Em suma, taxar o setor de transporte marítimo por sua poluição representa uma oportunidade única para o Brasil, com um potencial aporte financeiro imenso. Essa campanha não apenas criaria um incentivo financeiro para que um dos maiores poluidores globais reduza suas emissões e adote práticas mais limpas, mas também geraria ganhos substanciais para mitigar os impactos desta transição e apoiar políticas de ação climáticas mais amplas.
Em março, o Brasil se unirá aos demais membros da OMI em Londres para outra rodada de negociações, abordando questões sobre o preço específico das emissões e a distribuição dos ganhos. É a oportunidade mais próxima para o que governo Lula e os representantes do Brasil na OMI concebam esta política de maneira que maximize os impactos positivos para o futuro do nosso país. Não a desperdicemos.
Este artigo expressa exclusivamente a posição da autora e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculada.
Ana Terra Amorim Maia é pesquisadora no Centro Basco de Mudanças Climáticas e doutora em Ciência e Tecnologia Ambientais.