Cleveland Jones: Petrobras deveria considerar a venda de sua parte remanescente de Roncador

Na imagem: Vista de instalações da plataforma (FPSO) P-55 da Petrobras no Campo de Roncador, na área norte da Bacia de Campos, com céu azul ao fundo (Foto: Divulgação)
Plataforma P-55 da Petrobras no Campo de Roncador, na área norte da Bacia de Campos (Foto: Divulgação)

Em julho de 2016, ao comentar a venda de Carcará para a Statoil, eu disse:

“a venda do bloco BM-S-8 (Carcará) pela Petrobras para a Statoil [é] uma tática de desinvestimento que considero muito equivocada, por parte da Petrobras…Essa decisão não favorece nem os interesses da Petrobras, nem os do país.”

Prossegui:

“as melhores opções de desinvestimento para a Petrobras seriam os grandes campos do pós-sal da Bacia de Campos, como Roncador e Marlim…a venda de até uma parcela menor desses campos poderia representar um reforço para o caixa da Petrobras muito superior ao que vai receber da Statoil pela venda do BM-S-8”

Não, à época eu não estava lendo manchetes do futuro, mas acertei na mosca – US$2,9 bilhões por 25% do campo maduro de Roncador vs US$2,5 bilhões pelo campo de Carcará, alto potencial…

Minhas razoes para sugerir a venda de Roncador e Marlim ainda seguem válidas – apesar de serem campos antigos, apresentam elevada produção, portanto poderiam render elevados valores para a Petrobras, sem sacrificar o imenso potencial de Carcará ou outros blocos do pré-sal.

Hoje, a venda de Roncador pode até ser vista como uma parte natural do atual programa de desinvestimento da Petrobras, que recentemente reafirmou sua meta de atingir US$21 bilhões em vendas entre 2017 e 2018 (Petrobras, 2017). Entretanto, em 2016, executivos da Petrobras, por um lado, descartaram a ideia de vender parte de seus campos de alta produção. Provavelmente temiam a queda da produção própria, quando deveriam ter se preocupado com a rentabilidade e com o posicionamento estratégico da empresa. Muitos analistas da indústria do petróleo, por outro lado, zombaram da ideia que esses campos maduros poderiam atingir valores próximos a US$10 bilhões.



Em 2015, eu já havia me arriscado e dei minha estimativa para o valor que o campo de Roncador poderia render à Petrobras, se fosse colocado à venda: “Eu não me surpreenderia de ver acordos multi-bilionários firmados para a venda destes campos, e possivelmente até de dezenas de bilhões de dólares” (Jones, 2015). No caso de Marlim, Marlim Leste e Marlim Sul, com produção conjunta até maior, esses valores agora parecem plenamente atingíveis.

De todas formas, é bom ver que hoje, Roncador está sendo avaliado em mais de US$11 bilhões (US$2,9 bilhões para uma fatia de 25%), em relação a US$3,8 bilhões por Carcará (US$2,5 bilhões por uma fatia de 66%). Isto deixa claro o enorme erro cometido pela Petrobras quando vendeu Carcará, ainda que agora esteja dando um passo positivo em seu programa de desinvestimento.

Dessa forma, apesar de meus comentários e recomendações terem sido considerados totalmente inviáveis em 2015 e 2016, possivelmente o pensamento da Petrobras tenha mudado, ou um pouco de racionalidade agora esteja guiando seus planos de desinvestimento ou a política energética do governo (que influencia fortemente a Petrobras). Infelizmente, ainda há muitos indícios de sinais cruzados e medidas equivocadas na Petrobras e no CNPE, que traça a política energética do governo (Jones, 2017).

Quando uma empresa passa por uma crise como a que atingiu a Petrobras nos últimos anos, com o escândalo da Lava Jato, poderia ser compreensível que ela perdesse o rumo de sua missão estratégica e de seus objetivos. Não é perdoável, entretanto, que ela continue por tanto tempo sem uma estratégia clara, ditada por suas competências e oportunidades.

O valor da empresa está contido em seu vasto portfólio de campos e áreas do pré-sal, que apresentam potencial de bilhões de barris cada um, e que ela tem demonstrado que pode encontrar, delinear e colocar em produção, através de tecnologia inovadora, com resultados excepcionais. A produção de poços do pré-sal, muitos com mais de 30 e até 40 mil barris por dia, são prova de que este é o caminho para o sucesso da Petrobras. Ela jamais deveria ter abandonado essa estratégia. A estratégia que a Petrobras deve adotar daqui em diante é reforçar seu perfil de empresa focada na descoberta e desenvolvimento dos grandes “elefantes” em seu portfólio exploratório, especialmente de seus campos do pré-sal, e somente secundariamente deveria buscar operar campos maduros, de limitado potencial.



A produção de Roncador está em forte declínio, mas sua venda certamente trará uma inversão da tendência de queda da produção, pois a Statoil está extremamente bem posicionada para liderar essa inversão, dada sua competência em métodos de recuperação avançada de óleo, tendo alcançado fatores de recuperação muito elevados. No Mar do Norte, por exemplo, a Statoil pretende atingir uma média de 60% para o fator de recuperação de seus campos (Statoil, 2017).

A venda de Roncador é uma proposta ganha-ganha para todas as partes envolvidas, inclusive para o país, já que o Brasil vai se beneficiar da inversão da tendência de queda da produção de um importante campo maduro. Portanto, faz sentido que a Petrobras venda uma fatia significativa de Roncador, e este importante passo deve ser elogiado.

Aliás, a Petrobras deveria considerar a venda de sua parte remanescente de Roncador, assim como de Marlim e de outros campos com perfil de produção semelhante. O interesse nacional deveria sempre estar acima até dos da Petrobras, e a política do governo deveria estimular a Petrobras a realizar a venda de campos para os quais ela não possa garantir uma produção otimizada, por limitações de capital.

Cleveland M. Jones é doutor em geologia e pesquisador do Instituto Nacional de Óleo e Gás, da UERJ.

Referências

Jones, C.M. 2015. Comments on Petrobras divestments. Monitor Global Outlook, 13 Apr 2015. Disponível em http://www.stephenkurczy.com/monitor-global-outlook/.

Jones, C.M. 2016. Sobre a venda do bloco BM-S-8 da Petrobras para a Statoil. Geofísica Brasil (SBGf). Onlline 3 Aug 2016. Available (in Portuguese) at http://geofisicabrasil.com/artigos/41-opiniao/8306-sobre-a-venda-do-bloco-bm-s-8-da-petrobras-para-a-statoil.html.

Jones, C.M. 2017. Failure avoided by a major mistake. Online 29 Jul 2017. Disponível em https://www.linkedin.com/pulse/failure-avoided-major-mistake-cleveland-m-jones/?published=t.

Petrobras. 2017. Strategic Monitoring and Business and Management Plan 2018-2022. Disponível em http://www.investidorpetrobras.com.br/en/press-releases/strategic-monitoring-and-business-and-management-plan-2018-2022.

Rigzone. 2017. Statoil to Acquire Roncador Field Interest in $2.9B Deal. Online 18 Dec 2017. Disponível em https://www.rigzone.com/news/statoil_to_acquire_roncador_field_interest_in_29b_deal-18-dec-2017-152833-article/?utm_campaign=WEEKLY_2017_12_22&utm_source=GLOBAL_ENG&utm_medium=EM_NW_F3.

Statoil. 2017. Increased recovery—our hidden exploration. Corporate site. Disponível em https://www.statoil.com/en/how-and-why/increasing-value-creation.html.