Por Natan Battisti
Prezado candidato,
Parabéns! Tu acabas de assumir a responsabilidade de gerir um gigante que há muito possui um grande potencial, mas que por motivos adversos, paridos aqui mesmo, fazem de nós um país cheio de nós.
No setor petrolífero não é diferente. O Brasil, hoje caminhando para se tornar petroleiro, nasceu da exploração no onshore do Nordeste, passou pela expropriação dos produtores privados da época, criação da gigante e importante estatal Petrobras até que nos anos 90 nos damos conta que um país continental como o Brasil não poderia ser gerenciado por uma única petroleira. Prova disso são as gigantescas bacias sedimentares brasileiras ainda pouco exploradas havendo duas bacias (Pernambuco-Paraíba e Madre de Dios) sem um único poço perfurado, menos de 4% de áreas contratadas e os mais de 90% de nossas bacias sedimentares pouco exploradas até hoje.
Com a abertura do mercado no final dos anos 90, parecíamos caminhar para o aumento da competitividade com a vinda de companhias estrangeiras, o nascimento de petroleiras nacionais independentes e o fortalecimento e exposição da Petrobras mundo afora como portadora de know-how de águas profundas em parceria com outras empresas gigantes. Isto de fato ocorreu enquanto tivemos leilões, de certa forma regulares entre 1998 e 2008, e que davam alguma segurança aos investidores fazendo com que estivéssemos avançando a 60 km/h enquanto o mundo todo estava a 110km/h, vide as condições do mercado na virada da década passada com o barril precificado acima de 100 dólares.
Visivelmente, o Brasil estava olhando cada vez mais para o offshore de Santos e Campos e, por efeito do bom momento do preço do petróleo, conseguimos atrair importantes companhias de todo o mundo até mesmo para bacias pouco exploradas e de grande risco exploratório como as da Margem Equatorial (11ª rodada ANP). Ao mesmo tempo, nos abrimos para conhecer o potencial dos não convencionais com a 12ª rodada ANP. Todavia, logo se viu que o interesse das altas patentes não era de reforçar a expansão do conhecimento das novas fronteiras e das nossas regiões maduras que continuaram jogadas as traças, sem políticas propriamente adequadas para o porte e tamanho das mesmas e sem os incentivos para a geração de emprego e renda. Além disso, o Pré-Sal perdeu-se na ideologia dos quase cinco anos de discussão quanto ao seu modelo de oferta e os vários nós criados nele tendo até 2017 ocorrido somente o leilão de 1 área durante a 1ª rodada de partilha da produção, perdendo assim, segundo estimativas da ANP, a chance de captar gigantescos recursos na ordem de 1 trilhão de reais em investimentos na última década em um tempo de commodities em alta.
Embora a parte técnica da Petrobras continuasse superando desafios, a ideologização da exploração na área do Pré-Sal, o flagrante aparelhamento das porções mais altas da estatal e a necessidade de reforçar o discurso do “nós contra eles” junto de uma crise internacional das commodities fez o sonho de fazermos o país do presente ser, novamente, postergado para o futuro.
O onshore, pauta da ABPIP desde o final da década passada, continuava não sendo visto como fundamental e muita coisa piorou até 2016. Lá atrás, no início dos anos 2000, a Petrobras já dava sinais de que o onshore não seria prioridade quando naqueles recentes anos firmou contratos de risco com empresas independentes nas porções terrestres das bacias Potiguar, do Recôncavo e Espírito Santo. Todavia, mesmo com esta diretriz, passados quase 20 anos do fim do monopólio, o onshore continuou travado nas mãos da Petrobras, os investimentos cessaram (queda de 73% no número de poços entre 2015 e 2017) e a produção caiu mais de 30% entre 2012 e 2017 embora houvesse o crescente interesse de empresas privadas em focar nos campos maduros. Tal situação fez com que cidades perdessem recursos e milhares de empregos fazendo surgir expressões como do Poço a Fome em alusão a situação de cidades do Norte e Nordeste como a cidade petroleira de Mossoró-RN que sozinha perdeu 14 mil empregos somente entre 2017 e 2018.
Este fato fica ainda mais claro quanto averigua-se que a produção onshore é aquela que possui maior impacto social vide que tanto em mão de obra quanto equipamentos consegue-se níveis altíssimos de conteúdo nacional de qualidade. Mesmo tendo um país continental e com bacias onshore prolíficas para óleo e principalmente para gás, se compararmos nosso desempenho com os vizinhos sul americanos Colômbia, Argentina, Venezuela e outros nosso desempenho é pífio e muito disso deveu-se a Petrobras ter cessado investimentos nos campos terrestre e não os ter colocado a venda sabendo que havia interessados.
Não obstante candidato, já diz o ditado: “Não há bem que pra sempre dure e nem mal que nunca acabe!”. Ainda em 2015 muita coisa dentro da petroleira mais importante do país começou a mudar o que ficou ainda mais claro a partir de 2016 nas esferas de MME e ANP.
O que se pode ver desde então foram mudanças verticais da própria Petrobras com os Projetos Topázio (venda de campos maduros e/ou menores em terra) e Ártico (venda de campos maduros e/ou menores em águas rasas) mas, sobretudo, das altas patentes do MME e ANP.
De lá pra cá, foram 2 anos mais valiosos que os 10 anteriores. Offshore, onshore e não convencionais foram olhados com carinho pelos órgãos supracitados. Nestes corridos 2 anos, talvez o principal trunfo dos representantes destas instituições tenha sido sentar e conversar de modo franco e pragmático sem ideologias com IBP, AbesPetro, ABPIP, representantes da indústria nacional e das companhias privadas, nacionais e estrangeiras.
Como principais ações para o destravamento e captação de investimentos cito os seguintes pontos:
- Liberação da operação única da Petrobras no Pré-Sal, fazendo que a estatal não fosse obrigada a ser operadora de todos os projetos,
- Oportunidade para que consórcios, independente do desejo da Petrobras, também licitassem no Pré-Sal. Antes, mesmo que a Petrobras não quisesse um bloco, outras empresas não poderiam arrematar e quem perdia era o país. Tal fato se confirma com os lançes das recentes rodadas de partilha da produção realizadas pela ANP em que petroleiras estrangeiras ofereceram maior parcela de óleo lucro para União do que a própria Petrobras sendo que neste último leilão o ágio chegou a 170%,
- Redução dos níveis inatingíveis de conteúdo local,
- Redução dos royalties para campos maduros após campanhas como “Menos royalties mais empregos”,
- Extensão dos contratos de exploração da Margem Equatorial de modo a viabilizar os investimentos obrigatórios,
- Extensão do tempo de produção para campos que ainda são do interesse das companhias,
- Realização de leilões e elaboração de um calendário de leilões pragmático dando previsibilidade a indústria,
- Criação do modelo de oferta permanente,
- Desenvolvimento de uma agenda regulatório para o gás,
- Desenvolvimento do Programa de Revitalização das Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural em Áreas Terrestres – REATE que visa fomentar as atividades no onshore brasileiro,
- Projeto Poço-Transparente que visa discutir o potencial dos não convencionais dos quais o Brasil tem imenso potencial mas que são praticamente inexplorados,
- Fortalecimento da ANP e CADE no papel de agentes reguladores em três frentes principais:
- Monopólio de fato no refino, o que hoje afeta as pequenas refinarias privadas do país e a entrada de investimentos no setor,
- Fiscalização dos descontos abusivos praticados pela Petrobras para compra de petróleo dos pequenos produtores nacionais
- Rigor quanto a atividade da Petrobras e outras operadoras em campos em que se está retardando o investimento ou a venda.
- Criação da Coordenação de Áreas Terrestres na ANP e outros tantos.
Como resultados já visíveis, desde a 2ª rodada de Partilha até a 5ª, juntamente com a 14ª e 15º de concessão, foram contratados dezenas de blocos, 27,9 bilhões de reais só de bônus de assinatura e previsão de até 2 trilhões em valores nominais só com a parte de impostos na produção de petróleo para união, estados e munícipios sem contar a cadeia de fornecedores e serviços, contanto que os contratos sejam preservados e óleo seja produzido nestes blocos. Ou seja, com simples medidas visando a desburocratização, o Brasil voltou a atrair investimentos que se refletirão em mais de 60 novas plataformas de produção entrando em operação até meados da próxima década. Isto significa, segundo dados da ANP, a possibilidade de dobrarmos a atual produção para mais de 5 milhões de barris de óleo equivalente por dia nos tornando um dos cinco maiores produtores do mundo.
De parte da estatal, o grande feito foi fazer uma análise crítica interna quanto o verdadeiro foco da companhia e decidido focar no que lhe realmente importa como major que é: Investir em grandes campos e, por consequência, fazer a venda dos campos maduros e não tão produtivos. Tal processo é comum no mundo todo pois existem companhias privadas, nacionais e estrangeiras, que possuem aptidão em trabalhar nestes cenários aumentando a eficiência operacional e incrementando o fator de recuperação fazendo com que estes campos tenham uma maior vida útil e subsequentemente gerando mais royalties, emprego e renda.
Segundo estimativas da ANP, para a situação atual dos campos maduros brasileiros, 1% de aumento no fator de recuperação dos campos maduros exigiriam investimentos de mais de US$ 18 bilhões, possibilitando a extração de mais cerca de 2,2bilhões de barris de petróleo, representando uma geração de até US$ 11 bilhões em royalties. Já segundo a ABPIP, para o onshore brasileiro, a cada 10 mil barris por dia que fossem incrementados pelo menos 23 mil empregos poderiam ser gerados direta e indiretamente.
Com todas estas ações candidato, o que vimos foi um reânimo no setor, a volta de empresas que haviam saído para nunca mais voltar, a entrada de novatas, a criação de outras tantas empresas nacionais e o principal candidato: o reaparecimento do brilho no olho de uma geração de jovens que estavam se acostumando com a derrocada do setor e permaneciam incrédulos com o futuro que lhe haviam vendido de 2010 até 2014.
Atualmente, para que entenda a gravidade de nossa situação, a maioria dos jovens formados em Engenharia de Petróleo estão desempregados, trabalhando em outras áreas de engenharia ou financeira ou fazendo mestrados e outras pós-graduações, em sua maioria, por falta de emprego. Muitos destes jovens, candidato, tiveram seus sonhos frustrados e se sentem como aqueles que caem no golpe do bilhete premiados pois entraram na ensino superior com a ideia do Brasil petroleiro até hoje ainda empacado.
Por tudo isso candidato este jovem petroleiro te escreve. Temos jovens brilhantes formados de Sul a Norte e com grande capacidade para auxiliar o Brasil a se tornar um país petroleiro aproveitando a provável última janela de petróleo caro. Não deixe, candidato, que ideologias invadam o pragmatismo necessário para atrair investimentos, gerar empregos e renda em nosso ainda empobrecido país.
A receita do sucesso foi dada pelos recentes líderes de MME, ANP e indústria. O Brasil precisa da continuidade no calendário de leilões de blocos exploratórios, do respeito a contratos antigos e de uma previsibilidade regulatória para realizar os investimentos necessários para colhermos royalties, participação especial, óleo lucro, empregos e tudo mais.
Entenda, candidato, apesar da nossa bonita geologia, o mercado petrolífero é global e se aqui não for dada a segurança jurídica necessária para que se façam investimentos, outro país dará e o Brasil perderá a janela do óleo caro. Perceba candidato, quanto mais companhias, mais empregos, mais tecnologia, mais diversidade. Nosso país tem recursos compatíveis para as gigantes, grandes, médias e para as pequenas petroleiras. Enquanto aqui temos menos de 40 operadoras produzindo óleo e gás, nos EUA temos mais de 10 mil empresas, das quais a maioria micro e familiares. A efeito de comparação, a Petrobras sozinha representa, após quase 20 anos da quebra do monopólio, 93% da produção diária de petróleo enquanto na Noruega, um país visto por todos como modelo, a estatal Equinor representa pouco mais de 30% da produção total o que reafirma a positividade de um ambiente plural e diverso.
Por tudo isso candidato afirmo: O Brasil esta aí, cheio de oportunidades para deixar de ser o país do futuro e tornar-se o país do presente e para isso dependemos da extração sustentável dos nossos recursos. Sabendo disso, é necessário afirmar: Petróleo. É para quase tudo. É para todos. Não deixe que ideologias invadam o pragmatismo que nosso país necessita para gerar emprego e riqueza.
Natan Battisti é membro do comitê jovem IBP, graduando em Engenharia de Petróleo na UFPel e ex-presidente da SPE UFPel student chapter
Referências
Bônus cumulado: https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/09/28/veja-os-resultados-da-5a-rodada-de-partilha-de-producao-da-anp.ghtml
Seminário ANP – Incremento no fator de recuperação: http://www.anp.gov.br/images/Palestras/Aumento_Fator_Recuperacao/Relatorio_do_Seminario_sobre_Aumento_do_Fator_de_Recuperacao_ANP.pdf
Importância do aumento do FR: https://www.valor.com.br/brasil/5171868/anp-brasil-pode-gerar-maior-producao-de-oleo-fora-da-opep-em-2027
http://www.energia.sp.gov.br/2017/08/recuperar-campos-antigos-pode-gerar-investimentos-de-r-26-bi/
Oportunidades no Setor de Petróleo e Gás Natural no Brasil Rodadas de Licitações 2017-2019: http://www.brainmarket.com.br/anexos/licitacoespetrobras2017a2019-oficial_14072017_1403.pdf
Apoio do Canada ao incremento do Fator de Recuperação e extensão da vida útil dos campos: https://www.energy.alberta.ca/Oil/docs/EORP_Guidelines_2014.pdf
http://www.anp.gov.br/images/Palestras/SDB_011.2018_potencial_petrolifero_brasileiro.pdf
Perda de 1 trilhão em investimentos com o período sem leilões: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-10/pais-perdeu-R%24-1-trilhao-por-demora-no-desenvolvimento-do-pre-sal-diz-ANP
Importância do onshore, seu impacto social e a demora da Petrobras em decidir o que fazer com seus ativos onshore: https://eixos.com.br/o-futuro-dos-campos-terrestres-brasileiros-por-anabal-santos-jr/
Publicação FIRJAN sobre o panorama onshore no Brasil: http://www.firjan.com.br/publicacoes/publicacoes-de-economia/ambiente-onshore-de-petroleo-e-gas-no-brasil-2018.htm
Impacto do monopolio de fato no refino brasileiro: https://www.valor.com.br/opiniao/5572821/crise-do-monopolio-do-refino
https://istoe.com.br/nao-e-bom-para-o-pais-a-petrobras-ter-100-de-monopolio-no-refino-diz-parente/
Resolução comum no mundo todo de parte do órgão regulador pedindo que as empresas decidam se vão adiante com investimentos ou não: https://oglobo.globo.com/economia/anp-vai-notificar-petrobras-devolver-cem-areas-de-petroleo-23100516
Petroleiras vendem campos maduros no mundo todo: https://www.ft.com/content/152a14a8-e789-11e6-893c-082c54a7f539
https://www.offshoreenergytoday.com/chevron-puts-all-uk-central-north-sea-assets-up-for-sale/
https://uk.reuters.com/article/us-northsea-total/total-overtakes-shell-in-north-sea-where-appetite-for-assets-remains-high-idUKKCN1B21H8
Produção por companhia Noruega: https://www.norskpetroleum.no/en/facts/production/#per-operator-in-2017