Eleições 2022

Carta de um já nem tão jovem petroleiro ao presidente Lula

Não deixe que ideologias invadam o pragmatismo essencial para seguir atraindo investimentos e gerando empregos e renda, escreve Natan Battisti

Carta de um já nem tão jovem petroleiro ao presidente Lula. Na imagem: Plataforma (FPSO) de petróleo offshore, em mar azul e com céu azul claro com poucas nuvens em tom roseado (Foto: Divulgação TotalEnergies)
O mercado petrolífero é global e se aqui não for dada a segurança jurídica necessária para que se façam investimentos, outro país dará (Foto: Divulgação/TotalEnergies)

Há pouco mais de 4 anos caminhávamos para a derradeira disputa de segundo turno das eleições presidenciais entre o candidato Fernando Haddad (PT) e do que viria ser o presidente da República, Jair Bolsonaro (na época PSL).

As angústias de um jovem profissional recém-contratado para seu primeiro estágio no setor de O&G, me levaram a escrever o artigo abaixo, elucidando alguns pontos que afligiam os estudantes e jovens profissionais do setor na época.

Em 2022, já mais maduro e com vivência no setor no Brasil, UK, Vietnam, Indonésia e México, resolvi reavaliar o texto abaixo e republicá-lo como forma de endossar a quem interessar, os porquês de precisarmos manter o que vem dando certo, buscando maior diversidade de players e um ambiente mais dinâmico para negócios.

Não é tempo de dar de rédeas para trás. A juventude do setor e o país só tem a ganhar mantendo o Brasil nos trilhos!

Prezado presidente Lula,

Parabéns! Tu acabas de assumir novamente a responsabilidade de gerir um gigante que há muito possui um grande potencial, mas que por motivos adversos, paridos aqui mesmo, fazem de nós um país cheio de nós.

No setor petrolífero não é diferente. O Brasil, hoje petroleiro consolidado e premiado mundialmente, nasceu da exploração no onshore do Nordeste, passou pela expropriação dos produtores privados da época, criação da gigante e importante estatal Petrobras até que nos anos 90 nos demos por conta que um país continental como o Brasil não poderia ser explorado e ter suas riquezas extraídas da forma célere que era necessária por uma única petroleira.

Prova disso são as gigantescas bacias sedimentares brasileiras ainda pouco exploradas, havendo algumas sem um único poço perfurado.

Com a abertura do mercado no final dos anos 90, parecíamos caminhar para o aumento da competitividade com a vinda de companhias estrangeiras, o nascimento de petroleiras nacionais independentes e o fortalecimento/exposição da Petrobras mundo afora como portadora de know-how de águas profundas.

Isto de fato ocorreu enquanto tivemos leilões, de certa forma regulares entre 1998 e 2008, e que davam alguma segurança aos investidores fazendo com que estivéssemos avançando a 60 km/h enquanto o mundo todo estava a 110km/h vide as condições do mercado na virada da década passada com o barril precificado acima de 100 dólares.

Visivelmente, o Brasil estava olhando cada vez mais para o offshore de Santos e Campos e, por efeito do bom momento do preço do petróleo, conseguimos atrair importantes companhias de todo o mundo.

Até mesmo para bacias pouco exploradas e de grande risco exploratório como as da Margem Equatorial (11ª rodada ANP) e para o potencial dos não convencionais com a 12ª rodada ANP.

Não obstante presidente, logo notou-se uma perda de foco e um desinteresse na expansão para novas fronteiras e para o redesenvolvimento de nossas regiões maduras, as quais continuaram jogadas as traças, sem políticas propriamente adequadas para o porte e tamanho das mesmas e sem os incentivos necessários para a geração de emprego e renda.

Além disso, o pré-sal perdeu-se na ideologia presidente. Foram quase 5 anos de discussão quanto ao seu modelo de oferta.

Os vários nós criados no regime de partilha resultaram em somente um leilão até 2017, perdendo assim, segundo estimativas da ANP, a chance de captar gigantescos recursos na ordem de 1 trilhão de reais em investimentos na última década em um tempo de commodities em alta.

Embora a parte técnica da Petrobras continuasse superando desafios (como sempre brilhantemente fizera), a ideologização da exploração na área do pré-sal, junto do flagrante aparelhamento das porções mais altas da estatal, a necessidade de reforçar o discurso político do “nós contra eles” casados com uma crise internacional das commodities fizeram o sonho do país do presente ser, novamente, postergado para o futuro.

Monopólio

O onshore, pauta da ABPIP desde o final da década passada, continuava não sendo visto como fundamental e muita coisa piorou até 2016.

Lá atrás, no início dos anos 2000, a estatal já dava sinais de que o onshore não seria prioridade quando naqueles recentes anos firmou contratos de risco com empresas independentes nas porções terrestres das bacias Potiguar, do Recôncavo e Espírito Santo.

Todavia, mesmo com esta diretriz e passados quase 20 anos do fim do monopólio, o onshore continuou travado nas mãos da Petrobras, os investimentos cessaram (queda de 73% no número de poços entre 2015 e 2017) e a produção caiu mais de 30% entre 2012 e 2017, embora houvesse o crescente interesse de empresas privadas em focar nos campos maduros.

Tal situação fez com que cidades perdessem recursos e milhares de empregos, fazendo surgir expressões como do “poço à fome” em alusão a situação de cidades outrora petroleiras como Mossoró (RN), que sozinha perdeu 14 mil empregos somente entre 2017 e 2018.

Este fato fica ainda mais claro quanto averígua-se que a produção onshore é aquela que possui maior impacto social, tendo níveis altíssimos de conteúdo nacional de qualidade.

Mesmo tendo um país continental e com bacias onshore prolíficas para óleo e principalmente para gás, nosso desempenho é pífio se compararmos com nossos vizinhos sul-americanos Colômbia, Argentina e Venezuela.

Muito disso deveu-se à míngua de investimentos nos campos terrestres enquanto o foco se tornara offshore e o fato de não haver urgência por parte do estado em incentivar a diversificação de players e a desburocratização do setor no país

Não obstante, presidente Lula, já diz o a frase do poeta gaúcho Pirisca Grecco: “não há bem que pra sempre dure e nem mal que nunca acabe!”. Ainda em 2015, muita coisa dentro da petroleira mais importante do país começou a mudar, o que ficou ainda mais claro a partir de 2016 nas esferas de MME e ANP.

O que se pode viu desde então foram mudanças verticais da própria Petrobras com os projetos Topázio (venda de campos maduros ou menores em terra), Ártico (venda de campos maduros ou menores em águas rasas) e outros programas de desinvestimentos.

De parte do Governo Federal, as mudanças foram ainda mais sentidas. Vieram ações de digitalização, extensão de contratos, facilitação de acesso a dados etc. Parabéns, MME e ANP, quanta evolução!

De lá para cá, seis anos de muito trabalho e evolução

Offshore, onshore e não convencionais foram olhados com mais apreço pelos órgãos supracitados, mesmo que nem todos tenham andado tão rápido ao passo que o mercado almejava.

Nesta meia dúzia de anos, talvez o principal trunfo dos representantes destas instituições tenha sido sentar e conversar de modo franco e pragmático, sem ideologias, com IBP, Abespetro, ABPIP, representantes da indústria nacional e das companhias privadas, nacionais e estrangeiras.

Como faz bem um pouco de pragmatismo em um país emaranhado em ideologias, presidente! Como principais ações para o destravamento e captação de investimentos cito os seguintes pontos:

  • Liberação da operação única da Petrobras no pré-sal, fazendo que a estatal não fosse obrigada a ser operadora de todos os projetos;
  • Oportunidade para que consórcios, independente do desejo da Petrobras, também licitassem no pré-sal. Antes, mesmo que a Petrobras não quisesse um bloco, outras empresas não poderiam arrematar e quem perdia era o país. Tal fato se confirma com os lances das recentes rodadas de partilha da produção realizadas pela ANP em que petroleiras estrangeiras ofereceram maior parcela de óleo lucro para União do que a própria Petrobras sendo que neste último leilão o ágio chegou a 170%.
  • Flexibilização nos níveis inatingíveis de conteúdo local.
  • Incentivo à extensão da produção, através da redução de royalties para campos maduros e do fomento a produção em campos marginais, após campanhas como “Menos royalties mais empregos”.
  • Extensão dos contratos de exploração da Margem Equatorial de modo a viabilizar os investimentos obrigatórios, mesmo frente a impasses com outras áreas do governo.
  • Realização de leilões e elaboração de um calendário de leilões pragmático dando previsibilidade a indústria. Criação do modelo de oferta permanente, Entendimento de que o tempo de bonança nos leilões havia passado e que a hora era de se adaptar para competir.
  • Desenvolvimento de uma agenda regulatória robusta para o gás.
  • Desenvolvimento do Programa de Revitalização das Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural em Áreas Terrestres — Reate e Promar.
  • Projeto Poço Transparente, que visa a discutir o potencial dos não convencionais dos quais o Brasil tem imenso potencial, mas que são praticamente inexplorados.
  • Fortalecimento da ANP e do CADE no papel de agentes reguladores em três frentes principais:
    • Monopólio de fato no refino, o que ainda hoje afeta as pequenas refinarias privadas do país e a entrada de investimentos no setor.
    • Fiscalização dos descontos abusivos praticados pela Petrobras para compra de petróleo dos pequenos produtores nacionais – embora isso ainda seja um problema delicado quando se olha o downstream como um todo.
    • Rigor quanto a atividade da Petrobras e outras operadoras em campos em que se está retardando o investimento ou a venda.
  • Criação de coordenações específicas para assuntos críticos pontuais, como exemplo a Coordenação de Áreas Terrestres, muito importante nos primeiros anos da ressureição do onshore brasileiro.

Como resultados já visíveis, desde 2017 a 2022 foram 15 rodadas de licitação, 225 áreas arrematadas, com bônus de assinatura na casa dos 25 bilhões de dólares, 82% no pré-sal e os 18% restantes em blocos de concessão.

Fusões e aquisições antes não vistas apareceram aos montes. Só em 2020 tivemos 56 negócios aprovados pela ANP e, entre 2021 e 2022, perto de 150 processos chancelados pela agência.

Até 2026, mais de 90 bilhões de dólares devem ser investidos em E&P, boa parte por empresas estrangeiras e juniores nacionais.

Ou seja, com simples medidas visando a desburocratização, o Brasil voltou a atrair investimentos que se refletirão em dezenas de novas plataformas de produção entrando em operação até meados da próxima década.

Isto significa, segundo dados da ANP, a possibilidade de dobrarmos a atual produção para mais de 5 milhões de barris de óleo equivalente por dia até 2030 nos tornando um dos cinco maiores produtores do mundo.

De parte da estatal, o grande feito foi fazer uma análise crítica quanto o verdadeiro foco da companhia e decidido focar no que lhe realmente importa como major que é: investir em grandes campos e, por consequência, fazer a venda dos campos maduros e marginais já não tão produtivos.

Tal processo é comum no mundo todo pois existem companhias privadas, nacionais e estrangeiras, que possuem aptidão em trabalhar nestes cenários, aumentando a eficiência operacional e incrementando o fator de recuperação fazendo com que estes campos tenham uma maior vida útil e subsequentemente gerando mais royalties, emprego e renda.

Segundo estimativas da ANP, para a situação atual dos campos maduros brasileiros, 1% de aumento no fator de recuperação dos campos maduros resultaria em 200 milhões de barris de óleo e gás (boe) para o onshore, e 878 milhões de boe na Bacia de Campos, resultando em mais empregos, renda e royalties.

Isto condiz com estudos da ABPIP para o onshore brasileiro que mostravam que a cada 10 mil barris por dia que fossem incrementados pelo menos 23 mil empregos poderiam ser gerados direta e indiretamente.

Com todas estas ações, presidente Lula, o que vimos foi um reanimo no setor, a volta de empresas que haviam saído para nunca mais voltar, a entrada de novatas, a criação de outras tantas empresas nacionais e o principal: o reaparecimento do brilho no olho de uma geração de jovens que estavam se acostumando com a derrocada do setor e permaneciam incrédulos com o futuro que lhe haviam vendido entre 2000 e 2015.

Em 2018, para que entenda a gravidade de nossa situação, a maioria dos jovens formados em Engenharia de Petróleo estavam desempregados, trabalhando em outras áreas, fazendo mestrados etc., em sua maioria por falta de emprego na área.

Nem estágio se conseguia, presidente. Muitos destes jovens, tiveram seus sonhos frustrados e se sentiam como aqueles que caem no golpe do bilhete premiado, pois entraram no ensino superior com a ideia do Brasil petroleiro que não havia se realizado.

Mas a história mudou

Resultado da aposta do estado em ações que visavam desburocratizar o setor e torná-lo mais simples, dinâmico e diverso, o brilho no olho reapareceu, presidente.

E por tudo isso este já nem tão jovem petroleiro te escreve. Temos jovens brilhantes formados de Sul a Norte e com grande capacidade para auxiliar o Brasil a se tornar um país que fará uso de modo exímio e sustentável de seus recursos energéticos, colaborando para uma transição energética global justa.

Não deixe, presidente, que ideologias invadam o pragmatismo necessário para continuar atraindo investimentos, gerando empregos e renda em nosso ainda empobrecido país.

A receita do sucesso foi dada pelas recentes ações do MME, ANP e indústria.

O Brasil precisa da continuidade no calendário de leilões de blocos exploratórios, do respeito a contratos antigos e de uma previsibilidade regulatória para realizar os investimentos necessários para colhermos royalties, participação especial, óleo lucro, empregos e tudo mais.

Entenda, presidente Lula, apesar da nossa bonita geologia, o mercado petrolífero é global e se aqui não for dada a segurança jurídica necessária para que se façam investimentos, outro país dará e o Brasil perderá a janela do óleo caro.

Quanto mais companhias, mais empregos, mais tecnologia, mais diversidade. Nosso país tem recursos compatíveis para as gigantes, grandes, médias e para as pequenas petroleiras.

O Brasil está aí, cheio de oportunidades para deixar de ser o país do futuro e tornar-se o país do presente e, para isso, dependemos da extração sustentável dos nossos recursos. Sabendo disso, é necessário reafirmar: petróleo é para quase tudo. Petróleo é para todos. Não deixe que ideologias invadam o pragmatismo que nosso país necessita para gerar empregos e riqueza.

Na epbr:

Natan Battisti é engenheiro de Petróleo pela Universidade Federal de Pelotas, fellow do Pro-Líder e do Até o Último Barril.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado

Referências

Investimentos entre 2020-2022: Brazil Oil | Gas | Energy 2022 — Português (Brasil)

Bônus acumulado: 4 áreas de pré-sal são leiloadas pelo governo com ágio de 170,58%; veja resultados | Economia | G1 

Importância do aumento do FR:

Perda de 1 trilhão em investimentos com o período sem leilões: País perdeu R$ 1 trilhão por demora no desenvolvimento do pré-sal, diz ANP | Agência Brasil

Importância do onshore, seu impacto social e a demora da Petrobras em decidir o que fazer com seus ativos onshore: O futuro dos campos terrestres brasileiros, por Anabal Santos Jr. (eixos.com.br)

Publicação FIRJAN sobre o panorama onshore no Brasil: Ambiente Onshore de Petróleo e Gás no Brasil 2018 | Firjan

Impacto do monopolio de fato no refino brasileiro: A crise do monopólio do refino | Opinião | Valor Econômico

Não é bom para o País a Petrobras ter 100% de monopólio no refino, diz Parente | ISTOÉ Independente

Resolução comum no mundo todo de parte do órgão regulador pedindo que as empresas decidam se vão adiante com investimentos ou não: ANP vai notificar Petrobras a devolver cem áreas de petróleo | Jornal O Globo

Petroleiras vendem campos maduros no mundo todo: