Brasil precisa priorizar eficiência energética para atingir nível de desenvolvimento europeu em 20 anos

José Goldemberg
José Goldemberg

O foco em aumentar a eficiência energética deve nortear as políticas públicas do setor para permitir que o Brasil atinja os níveis atuais de desenvolvimento e qualidade de vida da união Europeia (UE) em 20 anos. A conclusão está no estudo Energia e Desenvolvimento no Brasil (.pdf), realizado pelo físico e pesquisador José Goldemberg e lançado nesta terça (19) pelo Instituto E+ Transição Energética.

O documento mostra que o Brasil vem perdendo competitividade no que diz respeito ao uso eficiente de energia. Desde o começo da década de 1990, enquanto a intensidade energética do Brasil se mantém praticamente constante, a União Europeia (UE) tem atuado para diminuir substancialmente a intensidade do seu consumo, reduzindo esse peso em cerca de 30% no período.

Analisando dados até 2017,  Goldemberg aponta que o Brasil, com PIB per capta de US$ 9,14, mantinha consumo médio por pessoa de 1,4 tonelada equivalente de petróleo (tep) por ano. No mesmo período, a União Europeia teve um PIB per capta de US$ 35,4 e consumo médio de 3,08 toneladas/ano.  Ou seja, cerca do dobro de energia consumida per capta que o Brasil para gerar quase quatro vezes mais riqueza.

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Com menos fontes renováveis, Europa se equipara ao Brasil em emissões

Nos últimos 30 anos, a intensidade de carbono na produção de energia na UE caiu drasticamente, se equiparando hoje aos patamares brasileiros – mesmo levando em conta que a matriz energética do bloco europeu é muito mais suja, com apenas 14,1% de renováveis enquanto o Brasil conta com 45,3% de fontes renováveis, segundo dados de 2018 apresentados no estudo.

No que se refere à indústria, que representa cerca de 34% do consumo final de energia por aqui, o desempenho brasileiro é inferior às outras principais economias emergentes. Enquanto a Rússia obteve um ganho de cerca de 35% na variação da intensidade energética da indústria entre 2000 e 2017, o Brasil permaneceu estancado. Quadro semelhante se repete no setor residencial, que tem 10% do consumo final de energia.

Já no setor de transportes, toda a evolução positiva conquistada nos últimos anos foi provocada por melhorias produzidas pela indústria aérea, que é orientada pelo mercado global, não por políticas públicas nacionais. Nos outros modais, a intensidade energética se manteve estável. O setor de transportes representa 35% do consumo final de energia no Brasil.

Para Goldemberg, a evolução do quadro brasileiro só se dará com m salto de desenvolvimento que mude a lógica do uso da energia, valorizando o ganho de eficiência no lugar do aumento da oferta de energia. Ou seja, a estratégia usada no passado de encarar os desafios do setor de energia apenas com grandes obras, precisa ser substituída por uma alteração de mentalidade que inclua ações importantes pelo lado da demanda.

“Só saímos da crise de 2002 porque as lâmpadas foram substituídas por mais eficientes, como as geladeiras”, disse hoje o físico em transmissão durante o lançamento do estudo. “Há uma enorme gama de possibilidades em eficiência energética que se precisa instituir no Brasil com seriedade”.

Segundo ele, o Brasil conta com um arcabouço legal de alto nível, mas que é aplicado apenas parcialmente e que, com isso, deixa de atuar com práticas punitivas e outras medidas ativas, por exemplo, na redução de emissões.

Ele cita a Lei 10.295 de 17 de outubro de 2001 (Lei da Eficiência Energética), que permite a retirada do mercado de equipamentos menos eficientes, o que nunca foi feito. E também a Política Estadual de Mudanças Climáticas de São Paulo (Lei 13.798 de 9/11/2009), que estabelece a meta de redução de 20% das emissões de dióxido de carbono relativas a 2005 em 2020 no estado e permite estabelecer tarifas públicas, tributos e outras formas de cobrança sobre atividades altamente poluentes com base em métricas de emissões, algo que também nunca foi implementado. Mas ao contrário, a aplicação da lei se restringiu à produção de inventários de emissões antrópicas.

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Direcionar recursos do fundo de eficiência energética para apoiar distribuidoras é erro, diz FHC

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que participou do lançamento do documento como debatedor classificou como equivocada a proposta de repassar recursos do Fundo de Eficiência Energética (FEE) para apoiar distribuidoras em dificuldades financeiras.  De acordo com ele, os recursos do fundo, já escassos têm uma função de ajudar a moldar o futuro do consumo de energia no país e seriam insuficientes para resolver a crise do setor.

“O progresso no mundo se dá quando se aumenta a eficiência e isso foi a chave do crescimento da economia no mundo contemporâneo”, disse o ex-presidente. “Não pode haver tomar um fundo que foi feito para aumentar a eficiência energética e usar para outra coisa”.

Segundo ele, o Brasil não tem outro caminho durante a crise provocada pela pandemia da covid-19 que não seja aumentar o endividamento público para garantir a saúde da população e da economia.

“Vamos ter que nos preparar porque a dívida pública vai aumentar muito no Brasil, então  por que mexer num fundo que é pequeno?”, questionou. “Eu não mexeria nesses fundos porque eles são exemplificadores”, disse, antes de confessar ter pena do ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes.

“Ele veio com um programa fiscal num momento em que o Brasil precisava mesmo, mas não tem como, ele esbarrou em um paredão e os bancos não vão salvar a economia, vão ter medo”, afirmou. Para o ex-presidente o custo da crise que o pais enfrenta vai ser muito alto e ainda precisará ser pago pelas próximas gerações.

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