Nas palavras do compositor popular, o Brasil é um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. E não é por menos. Somos agraciados com um território vasto, recursos naturais abundantes, um clima sem igual e contingentes demográficos capazes de viabilizar qualquer empreitada bem planejada.
Não bastasse, ainda somos agraciados, por vezes, com descobertas que se adicionam à nossa coletânea de dádivas. Esse é o caso da imensa reserva de hidrocarbonetos encontrada na Bacia de Sergipe e Alagoas, cuja magnitude tem potencial de reeditar a transformação promovida pelo pré-sal das Bacias de Campos e Santos.
Com viabilidade para abastecer não só a região Nordeste, os novos campos descobertos, em breve, poderão integrar-se à malha nacional, ofertando expressivo volume de gás natural, barateando custos e promovendo o desenvolvimento de todos que venham a acessá-la.
Dinamismo privado e planejamento público
Já hoje, o governo de Sergipe vem trabalhando incessantemente com os diferentes agentes de mercado para unir o dinamismo do setor privado ao planejamento estruturado do setor público, em prol do Estado e de todo o povo brasileiro.
A defesa de uma tarifa incentivada àqueles que contribuem com o fornecimento em localidades próximas à malha conectada — no jargão setorial, short haul — é um exemplo dessa atuação, tendo por objetivo atrair consumidores intensivos de gás para se instalarem em áreas próximas ao ponto de entrada do gás na malha de transporte.
- Na epbr: Short haul? Sergipe pede à ANP tarifa especial para transporte de gás de curta distância Governo estadual quer atrair indústrias interessadas no gás de terminal de GNL e da futura UPGN da Petrobras
Entretanto, o volume de gás produzido não será consumido totalmente em Sergipe e será levado para suprir demandas de outros Estados, pois compomos uma República Federativa, onde os interesses coletivos, protegidos pela União, devem prevalecer sobre os interesses individuais ou de segmentos.
Sergipe e Alagoas e o interesse nacional
Nesse contexto, estamos acompanhando com atenção os embates com relação a um projeto estadual que conflita com os interesses do conjunto do país e que terminará por desconectar um grupo de consumidores do sistema integrado, contra o qual a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) se posicionou.
Ao contrário dessa iniciativa de isolamento, temos em Sergipe um terminal de GNL de grande porte instalado para atender à maior termoelétrica a gás do país que, por dispor de capacidade ociosa, será conectado à malha de transporte para suprir demandas de todas as localidades atendidas pela rede de gasodutos de transporte existente.
Os demais Estados têm se mantido indiferentes a essa questão, como se tal querela não trouxesse qualquer consequência para os seus usuários de gás natural. Essa apatia termina por não promover uma discussão mais ampla sobre as consequências que o isolamento de um grupo de consumidores do sistema de transporte nacional trará para os demais Estados.
Cálculos complexos e tarifas oscilantes
Temos hoje um sistema de transporte nacional atendido por 3 grandes redes integradas — TBG, NTS e TAG. Os cálculos de rateios das receitas autorizadas pela ANP para as transportadoras passaram recentemente a serem feitos por área de atuação, o que torna ainda mais complexa a mensuração das variações de tarifas para as regiões atendidas por cada transportadora, diante do possível novo cenário.
É necessário fazer simulações dos cálculos para que todos tenham uma noção clara das implicações diretas e indiretas para o conjunto dos usuários e saber se haverá aumento do custo de transporte para os consumidores nordestinos, atendidos pela TAG, tanto no contexto atual, como na futura fusão de áreas de mercado, em sintonia com as diretrizes da Resolução 3/22 do CNPE, com tarifas a serem estabelecidas de modo compatível com o objetivo de fusão das respectivas áreas.
Na contramão da Nova Lei do Gás
Certamente essa escolha está na contramão dos esforços democráticos testemunhados na aprovação da Nova Lei do Gás, resultado de amplo debate setorial e no Congresso Nacional, buscando a criação de um amplo mercado nacional integrado de gás natural.
Outra provável consequência prática será a dificuldade dos consumidores que ficarem isolados de buscar opções no mercado competitivo de suprimento — como é o caso do novo gás a ser extraído do litoral sergipano –, mas também pelos demais Estados do país, privados de ver seus produtos locais competirem com o gás natural importado e aprisionado em sistemas isolados.
Garantir acesso às diversas fontes de suprimento a todos os usuários em nível nacional é determinante para que possamos construir um mercado competitivo e sustentável economicamente para o gás natural no Brasil, especialmente nesse momento em que está sendo feito um amplo debate da importância de promover incentivos ao escoamento de um maior volume de gás nacional, a partir da redução da sua reinjeção nos campos produtores.
Assim, além das questões de ordem legal e regulatória, a ANP, dentro das suas atribuições constitucionais de representar a União na fiscalização do interesse coletivo da Federação e de proteção da ampla concorrência setorial, certamente deverá estar atenta aos interesses do povo sergipano e de todos os demais recantos do Brasil.
Parafraseando o ilustre poeta conterrâneo Tobias Barreto, de quem emprestamos o título deste artigo, conclamamos os agentes públicos — a ANP em especial –, para que sejam observados os interesses nacionais, tornando possível à nossa posteridade a virtude de sua gratidão.
Marcelo dos Santos Menezes é Superintendente Executivo da Secretaria de Desenvolvimento do Estado de Sergipe