Os contratos de concessão do setor de distribuição de energia elétrica foram firmados na década de 90, em um contexto de mercado com muito potencial de crescimento e necessidade expressa de universalização do acesso à energia elétrica.
Portanto, o regime de regulação pelo preço utilizado nesses contratos, juntamente com tarifas exclusivamente volumétricas para o grupo de baixa tensão (onde a fatura depende apenas do volume de energia consumido, sem nenhuma parte fixa) representou um modelo atrativo para a remuneração das distribuidoras.
Porém, atualmente vivemos um período de transformações tecnológicas no setor elétrico.
Geração Distribuída (que se destaca com os painéis fotovoltaicos), e as demais tecnologias que se avizinham, como os veículos elétricos e outras formas de armazenamento de energia, microrredes e medidores inteligentes, transformam as possibilidades de se usar a rede da distribuidora por parte dos usuários e até mesmo o papel desse prestador de serviço essencial.
Ainda, a comunicação digital facilitada aumenta o leque de opções para gerenciamento da demanda, importante frente ao aumento da participação de fontes intermitentes de energia na matriz energética, como a eólica e a solar.
Observamos, também, o amadurecimento do mercado de algumas distribuidoras no país, onde a taxa de crescimento do consumo é reduzida devido tanto a uma já efetiva universalização do serviço na área de concessão, quanto a utilização de equipamentos mais eficientes nas residências.
Esse cenário, que se junta a outros tópicos, mostra a necessidade da chamada Modernização do Setor Elétrico.
E em relação às tarifas, é natural e necessário que elas também evoluam.
Hoje, no Brasil, os consumidores conectados na média e na alta tensão utilizam uma tarifa binômia, ou seja, em duas partes, uma representando os custos fixos do sistema e outra, os variáveis, e com distinção horária.
São consumidores de maior volume, o que torna mais fácil a identificação desses custos fixos.
São também consumidores bem menos numerosos que os de baixa tensão e isso facilita a adoção de medidores mais sofisticados e caros que meçam a demanda e a energia de forma horária.
Ainda, em geral, são consumidores que suportam uma complexidade maior em seu faturamento.
Os consumidores de baixa tensão, por sua vez, recebem ainda as tarifas monômias volumétricas, em sua grande maioria, sem distinção horária.
Antes de tudo, é importante destacar que este modelo de tarifação tem como vantagens a simplicidade e o baixo custo de aplicação. É um modelo que o consumidor conhece e sabe como funciona.
Porém, a tarifa totalmente volumétrica e sem distinção horária, que funcionou bem até aqui, começa a apresentar um desajuste no seu objetivo de representar os custos de uso do sistema e no de trazer sustentabilidade financeira às concessões.
As novas formas de utilização do sistema ensejam maior granularidade temporal e novas variáveis no faturamento e isso precisa ser refletido na tarifa.
Já a questão da sustentabilidade financeira das concessões está relacionada com o modelo de remuneração baseado em tarifas que dependiam exclusivamente do volume consumido, e esse volume não aumenta mais da mesma forma.
Por esses motivos, em países de mercados mais maduros e evoluídos, ocorre um movimento de ajustar o modelo tarifário para as novas demandas frutos do avanço tecnológico.
Mesmo que em muitos deles já seja utilizada uma componente fixa na tarifa de Baixa Tensão, há o anseio por maiores evoluções nas tarifas.
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Por aqui, alguns aprimoramentos ocorreram ao longo dos últimos anos, realizados pela Aneel.
Dentre eles, as Bandeiras Tarifárias, que, desde 2015, sinalizam mensalmente para o consumidor cativo – por meio das cores verde, amarela e vermelha – se haverá ou não acréscimo no valor das tarifas, em função das condições de geração de eletricidade.
Outro aprimoramento, é a Tarifa Branca, que vem sendo aplicada gradualmente desde o início do ano de 2018, de forma opcional, para os consumidores de baixa tensão.
Essa modalidade tarifária, apesar de também ser uma tarifa volumétrica, tem distinção horária – ponta, intermediária e fora ponta – e representa, porém, apenas 0,07% dos consumidores elegíveis.
Essa baixa adesão dos consumidores é dada pela opcionalidade da modalidade e o baixo incentivo para alteração dos padrões de consumo.
Em 2018, a Aneel realizou uma Tomada de Subsídios para colher a percepção do setor sobre as alterações no modelo tarifário, e publicou o Relatório de Análise de Impacto Regulatório nº 02/2018-SGT/SRM/ANEEL apresentando diversas alternativas para a implantação de tarifas binômias para os consumidores de baixa tensão.
A mudança objeto dessa discussão com a sociedade ainda encontra alguns desafios, pois é estrutural, de grande impacto e afeta outras questões regulatórias.
Trata-se de um processo sensível, por impactar um número muito grande de consumidores. A baixa tensão corresponde a 89% das unidades consumidoras do Brasil (mais de 70 milhões de consumidores), que representam quase metade do consumo de energia elétrica do país.
Considera-se que a comunicação com a sociedade será fundamental para o sucesso de uma modificação na estrutura tarifária dessa natureza.
Vale ressaltar que alguns desafios ainda maiores cruzam o caminho desse processo. O primeiro deles é definir a forma de aferição de eventual componente de demanda ou da energia horária.
Os medidores atuais não possuem capacidade de registro de demanda nem de consumo horário e a troca de todos os medidores seria uma opção com custos elevados.
Ainda que haja a substituição gradual dos medidores, em consequência da abertura do mercado, para o grupo de baixa tensão, como resultado de ações voltadas para a implantação de redes inteligentes, ou como decorrência da opção do consumidor pela Tarifa Branca ou pela geração distribuída, a substituição dos medidores de todas as unidades consumidoras não seria uma opção viável no curto prazo.
Há outras questões que se destacam nas discussões.
Uma, defendida por algumas distribuidoras, se refere a um possível impacto da mudança da estrutura tarifária no equilíbrio econômico-financeiro das concessões.
Isso porque uma componente de tarifa fixa reduziria os riscos da distribuidora associados à variação do consumo de energia.
Esse risco, hoje, é a base do modelo de negócio das distribuidoras e, áreas de concessão com mercados ainda em forte expansão se beneficiam dele. Isto, pois o Brasil possui áreas de concessão de realidades muito distintas.
Outra questão está associada à geração distribuída.
A tarifa monômia em conjunto com o Sistema de Compensação de Energia Elétrica resultam em benefícios para os consumidores que implantaram micro e minigeração distribuída.
Isso porque, como o Sistema de Compensação é baseado no faturamento líquido da energia, dependendo do volume de geração, componentes tarifários não relacionados à energia, como os custos da rede elétrica, acabam não sendo cobrados dos prossumidores.
Por isso, hoje há grande resistência desse grupo à implantação de uma tarifa binômia, uma vez que ela tende a reduzir a atratividade dos investimentos em micro e minigeração distribuída.
Nesse cenário de grande velocidade no desenvolvimento de tecnologias, a estrutura tarifária deve ser neutra em relação às mesmas, sem criar barreiras nem incentivos.
Em suma, há eixos de discussões que perpassam pela questão da modernização das tarifas, além do próprio desenho tarifário, como a questão dos medidores inteligentes, regime tarifário e abertura do mercado para a Baixa Tensão.
Os caminhos possíveis ainda estão em estudo pela Agência, que deve alocar as soluções de acordo com o impacto e risco nos horizontes de tempo adequados.
Por fim, importante frisar que a comunicação, citada como elemento para sucesso da mudança da estrutura tarifária, também é relevante em uma etapa anterior, a de convencimento e tomada de decisão, momento no qual se encontra essa discussão.
Para os que não participam diretamente das conversas há impressão de estagnação do processo, contudo, alterações estruturais como na tarifa, elo vital de todo o setor elétrico brasileiro, precisam ser realizadas com convicção e baixíssima probabilidade de insucesso.
Flávia Lis Pederneiras é engenheira eletricista formada pela UFRJ, mestre em Planejamento Energético pelo PPE/COPPE. Especialista em Regulação na Aneel, trabalha com Estrutura Tarifária do setor de Distribuição na Superintendência de Gestão Tarifária.
A agência epbr e o “Sim, elas existem” não se responsabilizam pela veracidade e opiniões apresentadas nos artigos que são de inteira responsabilidade de suas autoras.
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