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Agronegócio busca reconhecimento no novo mercado brasileiro de carbono

“Para o setor agropecuário, são bem-vindas as oportunidades e o reconhecimento do low carbon farming”, afirma Marcela Pitombo

Agronegócio quer reconhecimento no novo mercado brasileiro de carbono e reconhece oportunidades do 'low carbon farming'. Na imagem: Marcela Pitombo, especialista em ambiental e finanças verdes, Head de Relações Institucionais e ESG na MoselloLima Advocacia (Foto: Kleber Azevedo/Divulgação)
Marcela Pitombo é especialista em ambiental e finanças verdes, Head de Relações Institucionais e ESG na MoselloLima Advocacia (Foto: Kleber Azevedo/Divulgação)

BRASÍLIA – Para Marcela Pitombo, especialista em ambiental e finanças verdes na MoselloLima Advocacia, o Brasil precisa considerar a criação de um mercado regulado de carbono adaptado à presença significativa das atividades agropecuárias no país.

À agência epbr, Pitombo defendeu que o agronegócio precisa ser reconhecido como setor que pode contribuir para a geração de créditos via remoção e sequestro de carbono por meio da estratégia de low carbon farming – a adoção de práticas agrícolas sustentáveis e de baixo carbono.

“Para o setor agropecuário, que desponta como potencial protagonista do novo nicho mercadológico, são bem-vindas as oportunidades e o reconhecimento do low carbon farming. Não tenho dúvidas de que o agro é parte da construção dessa solução”, afirmou a advogada, que assessora empresas do agronegócio.

Avalia, contudo, que o tema ainda carece de debates entre setores econômicos, governo e parlamentares. “Não adianta correr para aprovar um projeto de lei deficitário que criará mais dificuldades do que oportunidades”, diz.

As referências de comercialização de emissões de carbono em outros países podem orientar o sistema brasileiro, mas cada um conta com dinâmicas, estruturas e desafios próprios, defende.

“Estamos falando de um mercado que tem algumas referências lá fora, mas cada país tem a sua dinâmica, estrutura e complexidade. Os setores são muito diferentes, eles exigem tratamentos, inclusive, diferenciados”.

Essa complexidade, explica, se dá em razão da necessidade de considerar as práticas e políticas públicas vigentes com as inovações propostas no texto em tramitação no Senado Federal.

Proposta no Senado Federal

O relatório do projeto de lei 412/2022, que estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), foi apresentado no final de agosto, na Comissão de Meio Ambiente (CMA), pela senadora Leila Barros (PDT/DF).

Hoje, a proposta prevê que o SBCE passará a definir um limite máximo de emissões para fontes que emitem a partir de 25 mil toneladas de CO2 por ano. A partir desse limite, passa a ser um empreendimento regulado.

As empresas que excederem o teto alocado, conforme as metas nacionais, estarão obrigadas a reduzir suas emissões ou adquirir créditos de carbono para compensar o excesso de emissões.

Dentre as propostas discutidas no Senado Federal está a garantia que as atividades do agronegócio sejam retiradas das obrigações do mercado regulado, com a possibilidade de o setor ser reconhecido como fonte de remoção, por meio da emissão de créditos no voluntário.

Marcela cita as práticas que hoje estão sob o guarda-chuva dos planos ABC, de agricultura de baixo carbono, e que orientam linhas de financiamento público da produção.

Além de regras previstas no Código Florestal – e a reserva legal das propriedades rurais – e as mais recentes regulamentações de pagamento por serviços ambientais (PSA).

“Teremos duas repercussões, na verdade, no nosso setor: o reconhecimento para aquele que já pratica essas ações sustentáveis na sua propriedade. E o outro eixo, obviamente, uma parcela [do setor] vai passar por um processo de adaptação”.

Nesse contexto, outro ponto de atenção no setor, paralelo à proposta em discussão no Congresso Nacional, é o inventário nacional de emissões – o pleito pelo reconhecimento da capacidade da agropecuária de sequestrar carbono da atmosfera.

O Sistema de Registro Nacional de Emissões (Sirene) foi desenvolvido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) e lançado em 2016.

“O momento é oportuno para a gente sanar o desafio de encontrar uma metodologia adequada para o nosso inventário, por exemplo, de emissões e remoções antrópicas de gases de efeito estufa”, diz.

“É importante destacar que esse inventário não contabiliza a capacidade que a agropecuária tem para sequestrar carbono, só consegue calcular, computar o que a gente emite, mas não o que a gente absorve”, afirma.

Modelos internacionais

De acordo com a advogada, o plano para criar o mercado regulado de carbono no Brasil precisa amadurecer, assim como ocorreu aos sistemas internacionais de precificação de emissões de GEE, que levaram tempo para serem implementados. A proposta exige “cautela”.

“Não há dúvidas que as medidas para o enfrentamento [aos desafios climáticos] são positivas. Agora, tudo isso exige uma cautela. Da análise comparativa das experiências de outros mercados, é possível observar a curva de aprendizados do pioneiro mercado europeu, que, após 20 anos, começa a colher frutos do mercado de carbono”, explicou.

Conforme estimativas da ICC Brasil, os setores da economia brasileira têm capacidade de atender até 28% da demanda mundial no mercado regulado de carbono e até 48,7% no mercado voluntário até o ano de 2030, o que poderia resultar em uma receita de aproximadamente US$ 120 bilhões.

O modelo cap and trade, da proposta do mercado regulado de carbono discutida no Congresso Nacional, é inspirado no sistema de comércio de emissões (ETS, na sigla em inglês) da União Europeia.

A ideia é que a escolha garanta a aceitação dos créditos de carbono no exterior e promova acordos comerciais relacionados aos ativos.

Governança, sem insegurança jurídica

O projeto de lei atribui poderes ao governo federal para estabelecer metas e alocar obrigações, além de fiscalizar o novo mercado.

Há uma grande quantidade de temas, contudo, que ficariam pendentes. Segundo Marcela, hoje são 25 itens sujeitos à regulamentação posterior e, portanto, sob competência do governo federal.

“Esse é um dado preocupante, pois demonstra que há uma concentração significativa da condução e direcionamento do iminente mercado sob a competência do Executivo Federal”.

Ao mesmo tempo, reforça Pitombo, é preciso resguardar a credibilidade do sistema, levando essas discussões para o Congresso Nacional.

“A gente precisa promover mais debates com os setores econômicos, poder público, sociedade civil, para enfrentar as lacunas e as inseguranças jurídicas do texto e oferecer, através dessa regulação um ambiente mercadológico bem estruturado, com transparência nas metodologias, para garantir a qualidade dos créditos”.

“Inclusive, para evitar cair na vala do greenwashing”, diz Marcela. 

Segundo a especialista, há também uma preocupação em relação à carga tributária do SBCE.

“A incidência da carga tributária no que tange ao imposto de renda pode abrir uma chancela para a tributação dos estados e nos municípios. Isso vai, obviamente, onerar o setor nas transações de crédito, contrariando a lógica de incentivo de mercado”, justificou Pitombo.

O atual texto estabelece que os lucros provenientes da venda desses ativos estarão sujeitos a tributação federal sobre a renda.

Próximos passos

Após pedidos consecutivos de vista, a senadora Leila Barros incorporou parcialmente diversas mendas, incluindo propostas de parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). A tramitação foi novamente adiada nesta quarta (27/9) e novas emendas foram apresentadas esta semana.

A frente parlamentar ainda não fechou uma posição formal sobre o texto; no início de setembro, em nota enviada aos parlamentares, pediu à relatora mais tempo para analisar as propostas.

Um exemplo das modificações feitas no relatório mais recente de Leila Barros é a incorporação de “recuperação da vegetação nativa, restauração ecológica, reflorestamento, incremento de estoques de carbono em solos agrícolas e pastagens ou tecnologias de captura direta e armazenamento de gases de efeito estufa, dentre outras atividades e tecnologias” como alternativas de remoção.

“Buscou-se atender a preocupação legítima do setor agropecuário. Entende-se que o principal foco de um sistema de comércio de emissões, em relação à agricultura, é fomentar técnicas de baixo carbono para que esse setor seja um fundamental ofertante de ativos de carbono”, disse Leila Barros, na semana passada.

Após a aprovação na CMA, o texto ainda poderá passar por novas comissões, antes de concluir a tramitação no Senado, para envio à Câmara dos Deputados.

Nesta cobertura: 

Texto atualizado após a sessão da Comissão de Meio Ambiente no Senado Federal desta quarta (27/9) e para correção do trecho sobre inventário de emissões