A securitização do óleo por vir do pré-sal não poderia ser mais oportuna

A securitização do óleo por vir do pré-sal não poderia ser mais oportuna

O especulador ganha ao vender caro, o que compra barato. O banqueiro, por sua vez, faz fortuna com dinheiro alheio. Por isso, são comparados a parasitas, aproveitadores e oportunistas. O preconceito e a má compreensão resistem mesmo depois dos avanços alcançados nas ciências econômicas nos últimos três séculos. Devidamente reguladas, as finanças e a banca viabilizam o funcionamento do mercado de capital e do crédito, além da circulação da moeda e ampliação da riqueza. Breve, sem elas, um país não cresce.

O antagonismo entre o capital financeiro e o produtivo tem fundamento. O primeiro circula livremente, diria Braudel, ele reside no Olimpo, enquanto o segundo se encontra imobilizado em ativos físicos. O primeiro pode ser multiplicado em dias, enquanto o segundo demanda anos, senão décadas. Contudo, um não existe sem o outro numa relação simbiótica com interdependência total. E, depois de 1980, o capital financeiro se içou a uma posição hegemônica com envergadura planetária, na sequência da disseminação das tecnologias de informação e comunicação. Uma revolução.

Como em toda transformação do “status quo” econômico, identificam-se custos e benefícios. Como nenhuma outra, uma operação simboliza a espetacular expansão até 2008: a securitização. Trata-se de adiantar uma receita assegurada nos próximos dez a vinte anos por meio de sua venda antecipada. O maior benefício é fugir do oligopólio bancário e o maior problema é fazê-lo por fora do balanço. De imediato, vem à mente a falência da Enron em 2001 e as hipotecas nos Estados Unidos em 2008.

Entre reguladores e supervisores, o impacto de ambas bastou para reforçar a cautela quanto ao instrumento. No Brasil, não foi diferente. Além disso, por aqui, o pífio resultado da securitização dos royalties pelos Estados e Municípios, a temerária gestão dos fundos de pensão e as dificuldades das PPPs reforçam a precaução entre as autoridades monetárias, técnicos do Tesouro Nacional e da Fazenda. Um obstáculo a mais. Falta conhecimento e pairam preconceitos, justamente quando a modernização do mercado de capitais se coloca como crítica para sustentar a retomada.

O demônio das finanças sobrevive da inocência de poupadores e à sombra da fiscalização. O caso Medoff, uma “pirâmide” em escala planetária, liderada pelo dirigente máximo da bolsa de valores de Nova Iorque, gerou perdas superiores a US$ 60 bilhões. A combinação de ganância e falta de regulação é, por demais, conhecida. Diz-se a propósito, o pior inimigo do capital é a falta de ética. Sem separar o joio do trigo, o Estado brasileiro deixa de lado um poderoso instrumento para financiar o investimento e ignora uma oportunidade única, produto de uma conjunção extremamente favorável. Em 2017, para o Brasil crescer, não faltaram dólares (as reservas são recordes), nem petróleo, justamente os entraves da segunda metade do século passado. Quem apostaria nisso quinze anos atrás?

As petroleiras se mantiveram distantes dos bancos por décadas ancoradas em seus lucros extraordinários. Aquelas de capital aberto remuneravam seus acionistas com dividendos muito acima da média. A mudança refletiu à mencionada “financeirização” da economia. O desenvolvimento no Mar do Norte levou as empresas a se interessarem pelo “Project Finance”. Assim, escapavam do crédito bancário para reporem as reservas perdidas com as nacionalizações no Oriente Médio. As sociedades de propósitos específicos se multiplicaram como solução para adiantar receita e facilitar o investimento em plataformas “offshore”. No Brasil, os campos gigantes do pós-sal (Albacora, Roncador e Marlim) foram financiados da mesma forma. À época, sem reservas cambiais e com dívidas externas, não existia outra saída.

Tudo isso é passado. De lá para cá, a Petrobrás descobriu a maior província petrolífera dos últimos trinta anos. O País se tornou exportador líquido de óleo bruto e será autossuficiente em gás natural por volta de 2025, quando serão extraídos 2,5 milhões de bpd de petróleo somente do pré-sal. Mais da metade sobre o contrato de partilha; outra novidade e tanto. A história das finanças demonstra: não existe melhor ativo para se vender antecipadamente por meio de uma SPE, ou por um fundo de direitos creditórios (no caso do ativo público). A repartição e apreciação do risco encontram mercados e contratos sólidos e transparentes como em nenhuma outra indústria. Aliás, os ativos petrolíferos permitiram a ascensão dos fundos soberanos, o que transmutou países periféricos em investidores globais.

A securitização do óleo por vir do pré-sal não poderia ser mais oportuna. Os fundos institucionais (de pensão, mutuais, soberanos, seguradoras, aventureiros e de “hedge”) dispõem alguns trilhões de dólares (e não bilhões). Eles buscam aplicações de longo prazo. Os investidores estrangeiros aportaram US$ 60 bilhões por ano à economia brasileira a despeito dos últimos três anos de retração. Por aqui, o investimento público se contrai em razão do endividamento e o crédito do único agente financiador de longo prazo é cada vez mais escasso. Por fim, o fator determinante: a queda do juro interno abre espaço para os títulos corporativos. Estão postas as condições para uma onda de operações de securitização de ativos de energia e infraestrutura no mundo. No Brasil, não falta dólar ou petróleo, muito menos escala, mas, decisão política.    

Luís Eduardo Duque Dutra é Doutor em Ciências Econômicas e Professor-Adjunto da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro