O Brasil tem como principal atividade econômica o agronegócio, verdadeira locomotiva do desenvolvimento nacional. Ocorre que o nosso país é totalmente dependente de importações do principal insumo desse setor: o fertilizante.
O Brasil é o maior importador de fertilizantes do mundo e o 4º maior consumidor, estando atrás apenas da China, Índia e Estados Unidos. Entretanto, diferentemente destes outros países – que têm maior parte do volume consumido com produção nacional – o Brasil importa mais de 90% do fertilizante que consome, produzindo apenas cerca de 10%, o que deixa o setor dependente e vulnerável. A produção nacional de fertilizantes pode ser entendida inclusive como uma questão de segurança nacional. Qualquer artifício de mercado que os países produtores possam praticar, pela redução de oferta ou aumento de preços dos fertilizantes, por exemplo, implicará em problemas graves para a produção agrícola nacional com quebra de produção e perda de competitividade. A própria vinculação direta do câmbio ao custo do fertilizante importado constitui, atualmente, um forte encargo para o agricultor no Brasil, além de representar um enorme déficit na balança de pagamentos do país.
Vimos recentemente na pandemia do Covid-19 que muitos setores ficaram desabastecidos e diversas linhas de produção foram paralisadas em decorrência da suspensão de suprimento dos países que têm controle de determinados produtos, componentes e matérias primas.
Esta situação precisa ser entendida e enfrentada pelas autoridades e pelos setores produtivos.
Na busca da compreensão dessa nefasta realidade nacional nos deparamos com dois fatores determinantes, que são (i) o elevado custo do gás natural, principal matéria prima dessa indústria, e (ii) a inexistência de isonomia tributária do produto importado em comparação com o nacional.
Considerando as boas perspectivas de o Brasil vir a ter muito em breve uma nova realidade no setor do gás natural, a partir do Programa Novo Mercado do Gás e do novo marco legal do setor, com a criação de um mercado aberto, dinâmico e competitivo, poderemos ter uma das condicionantes resolvida, na medida em que o preço do gás natural do Brasil passará a ter similaridade com o preço praticado no mercado internacional, com aumento da oferta e da diversidade de agentes comercializadores de gás natural das várias fontes e origens.
Precisamos enfrentar agora o outro fator que gera distorções no setor e inviabiliza a produção nacional que é o paradoxo da isenção integral de impostos para os fertilizantes importados e a tributação dos fertilizantes produzidos no país. O Brasil é o único país do mundo que subsidia o fertilizante importado.
Atualmente, os fertilizantes e os insumos necessários para a sua fabricação são objeto de benefícios fiscais de ICMS aprovados pelo Convênio ICMS n° 100/1997 (Cláusula Segunda, inciso III e Cláusula Terceira).
Embora o Convênio ICMS n° 100/1997 tivesse, originalmente, prazo de produção de efeitos limitado a 30 de abril de 1999, este vem sendo sucessivamente prorrogado. Conforme Convênio ICMS n° 133/2020, publicado no DOU de 03 de novembro de 2020, o referido benefício fiscal foi novamente renovado até 31 de março de 2021.
[sc name=”adrotate” ]
Como regra, as operações interestaduais com produtos nacionais são tributadas pelo ICMS à alíquota de 12%, sendo a alíquota de 7% aplicável somente às saídas de Estados tidos como “desenvolvidos” com destino a outros classificados como “em desenvolvimento”.
As operações de importação ou saídas internas (ou seja, dentro do mesmo Estado), desfrutam, nos termos do referido Convênio, de isenção do ICMS (Cláusula Terceira), enquanto as operações de saída interestaduais têm redução de base de cálculo de 30% (Cláusula Segunda, inciso III).
Aplicando-se a redução de base de cálculo correspondente a 30% acima mencionada nas operações interestaduais, a carga tributária nominal de ICMS corresponde a 4,9% (nas operações tributadas à alíquota de 7%) ou 8,4% (nas operações tributadas à alíquota de 12%). Vale destacar que o custo fiscal real é maior do que a carga tributária nominal, em razão da incidência do ICMS sobre a sua própria base.
Como se verifica acima, as operações de importação são amparadas pela isenção do ICMS, neutralizando integralmente a carga tributária nas aquisições de fornecedores estrangeiros.
Por outro lado, as aquisições de fertilizantes ou seus insumos em operações domésticas, quando o fornecedor está localizado em outro Estado, são oneradas por carga tributária nominal de ICMS correspondente a 4,9% ou 8,4%, a depender dos Estados envolvidos.
A diferença de tratamento tributário nas operações interestaduais (as quais seriam realizadas pelos fabricantes nacionais do produto) em comparação às operações de importação resultam desestímulo para o exercício da atividade no país (que poderia ancorar, inclusive, outras cadeias de valor que o atual governo busca incentivar, como a indústria do gás natural) e concorrência predatória da indústria estrangeira em desfavor da indústria nacional, dada a distorção econômica gerada pelo custo tributário.
Ainda que o ICMS destacado nas operações interestaduais seja, em princípio, recuperável pelo adquirente, em termos práticos tal efeito não se aperfeiçoa economicamente, dada a vocação natural do agronegócio brasileiro para a exportação (que não é tributada pelo ICMS) ou pela existência de outros benefícios fiscais aplicáveis às saídas domésticas com produtos in natura.
Com base nisso, e considerando a premência de aplicação de tratamento tributário minimamente isonômico, é urgente que os Governos Federal e Estaduais (no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ) e as classes produtoras discutam a necessidade de que as operações interestaduais com fertilizantes ou seus insumos goze do mesmo tratamento tributário aplicável às operações de importação, ou, subsidiariamente, que ao menos haja uma uniformidade de carga tributária mediante a obtenção de uma alíquota intermediária, a ser aplicada, independentemente da operação ser de importação, interna ou interestadual.
[sc name=”adrotate” ]
Vale destacar que, como mencionado anteriormente, a reativação da indústria brasileira de fertilizantes tem o potencial de fomentar outras indústrias tidas como estratégicas. De igual forma, políticas do atual governo federal, como a adotada para indústria do gás natural brasileiro, em plena sinergia com o Novo Mercado de Gás, levará a indústria de fertilizantes a atuar como âncora de consumo do gás natural produzido no pré sal e também em águas ultra profundas de Sergipe, estimulando e viabilizando o aumento de produção offshore.
A discussão que precisa ser feita neste momento, envolvendo o governo e os representantes do próprio setor do agronegócio, com destaque para a Confederação Nacional de Agricultura, é a importância estratégica da produção nacional de fertilizantes.
Será necessário encontrar ao menos uma módica alíquota única de ICMS que incida sobre todos os fertilizantes, independentemente da sua origem, de forma a trazer isonomia na arrecadação tributária.
O Sindicato Nacional da Indústria de Matérias-Primas para Fertilizantes (SINPRIFERT), em manifesto enviado aos governadores, sugere uma alíquota única de 4%. Talvez esse número possa ser até um pouco menor de forma que o impacto no custo dos fertilizantes para o produtor seja o mínimo possível.
De qualquer modo, essa questão é urgente e precisa ser enfrentada imediatamente para que possamos atrair novos investimentos para a produção nacional de fertilizantes, em analogia com o estudo elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) sobre a competitividade do gás natural, para o caso da indústria de fertilizantes nitrogenados.
Laércio Oliveira (PP/SE) é deputado Federal
Marcelo Menezes é superintendente executivo da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do estado de Sergipe (SEDETEC/SE)
[sc name=”newsletter” ]