A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito no Mar[1] (CNUDM), também conhecida como “Convenção”, “Convenção do Mar” ou “Lei do Mar”, contém 320 artigos e nove anexos, que legislam sobre todos os aspectos relacionados aos espaços oceânicos (DHN, 1985; UNITED NATIONS, 1983).
Em 10 de Dezembro de 1982, na Sessão de Encerramento da “III Conferência das Nações Unidas sobre a Lei do Mar”, a Convenção foi aberta para assinatura, em Montego Bay, na Jamaica. Este ato representou o encerramento de esforços coordenados de mais de 150 países, ao longo de mais de 14 anos, com o propósito de estabelecer um novo e compreensivo tratado com o status de “Lei do Mar”.
A República Federativa do Brasil assinou a Convenção na data de sua abertura para assinatura e veio a ratificá-la em 22 de Dezembro de 1988.
A Convenção entrou em vigor em 16 de Novembro de 1994. A partir desta data, o Brasil passou a ter o prazo de dez anos para apresentar à “Comissão de Limites da Plataforma Continental”[2] (CLPC ou Comissão) da Organização das Nações Unidas (ONU) a sua “Proposta de Limite Exterior da Plataforma Continental Brasileira”, no enfoque legal ou jurídico em que esta é tratada na Lei do Mar[3].
Ao se completarem, em 2018, 31 anos do início da aquisição de dados geofísicos e geológicos para a delimitação da Plataforma Continental Brasileira, atribuição objeto do “Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC[4])”, que visa a atender às determinações da “Lei do Mar”, o Brasil ainda não está com o limite exterior da sua Plataforma Continental “Estendida, Externa, Jurídica ou Legal” estabelecido.
Propostas de limite exterior submetidas para a análise da Comissão de Limites da Plataforma Continental
Depois de aproximadamente 17 anos de estudos, iniciados em 1987, o Brasil (BRASIL, 2004a e 2004b) encaminhou, em 17 de Maio de 2004, para a análise da Comissão, sua “Proposta de Limite Exterior da Plataforma Continental Brasileira” estendida além do limite de 200 milhas marítimas (200 M[5] equivalem a 370,400 km), de acordo com as disposições contidas no Artigo 76 da Parte VI e no Anexo II da Convenção.
No período de Setembro de 2004 a Março de 2007, uma Subcomissão de 7 membros, estabelecida pela Comissão de 21 membros, analisou a Proposta Brasileira. Durante a fase de análise da Proposta pela Subcomissão, o Brasil apresentou um “Addendum ao Sumário Executivo de 2004” (BRASIL, 2006), no qual modificava o limite exterior originalmente proposto.
A Proposta de 2004 considerava uma área de Plataforma Continental (estendida além do limite de 200 M da ZEE-Zona Econômica Exclusiva) de 911.847 km2. No Addendum de 2006, com o limite revisado, essa área passou para 953.525 km2.
O Sumário Executivo da Proposta Brasileira de 2004 e o Addendum de 2006 estão disponíveis no site da Comissão de Limites da Plataforma Continental na página da “Division for Ocean Affairs and the Law of the Sea” (DOALOS) da ONU[6].
Em 4 de Abril de 2007, a Comissão adotou as Recomendações resultantes da análise da Proposta Brasileira, com emendas em relação às Recomendações emitidas, em 23 de Março de 2007, pela Subcomissão estabelecida para analisar a Proposta Brasileira. As Recomendações não foram tornadas públicas pelo Governo Brasileiro, mas um Sumário delas, autorizado pelo Governo Brasileiro, foi adotado pela Comissão em 24 de Agosto de 2011, e está disponível no site da ONU[7].
O Brasil realizou uma minuciosa análise das Recomendações adotadas pela Comissão, não concordou com a totalidade das Recomendações e optou por adquirir novos dados geofísicos e geológicos, para reestudar o assunto e, em momento oportuno, ressubmeter Proposta de Limite Exterior da Plataforma Continental Brasileira para reanálise da Comissão.
Os dados, informações e atividades que suportaram e resultaram na Proposta de 2004 / Adendo de 2006 passaram a ser nominados de LEPLAC Fase 1 (Junho de 1987 a Abril de 2007). Integram o LEPLAC Fase 1 as Comissões LEPLAC I a LEPLAC XIII. Os dados, informações e atividades iniciadas em Maio de 2007, e ainda em curso, foram nominadas de LEPLAC Fase 2.
Foram planejados em 2007 e executados entre os anos de 2008 e 2010 novos levantamentos batimétricos e geofísicos na Margem Continental Brasileira (Comissões LEPLAC XIV, XV e XVI, bem como a coleta de amostras de rochas (LEPLAC XVII) nas cadeias Norte Brasileira (CNB) e Vitória-Trindade (CVT). No primeiro semestre de 2017, foram finalizados os levantamentos da Comissão LEPLAC XVIII, na CVT, na Elevação (Platô) do Rio Grande (ERG) e no Canal Vema.
A partir dos estudos e análises decorrentes desses novos dados do LEPLAC Fase 2, assim como de sua integração com os dados do LEPLAC Fase 1, foi possível aprimorar e ampliar o conhecimento sobre a Margem Continental Brasileira, a partir de informações técnicas atualizadas.
No contexto das Recomendações adotadas pela Comissão em 2007, e à luz dos novos conhecimentos adquiridos com os dados do LEPLAC Fase 2, o Governo Brasileiro decidiu encaminhar Propostas (Submissões) Parciais Revistas para o Limite Exterior da Plataforma Continental Brasileira, em substituição a uma proposta única, que englobasse toda a Margem Continental Brasileira, como foi o caso da Proposta de 2004 / Adendo de 2006.
Desde 2007, o GT LEPLAC, coordenado pela Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) da Marinha do Brasil, vem estudando e trabalhando na elaboração das Propostas Parciais Revistas do limite exterior da Plataforma Continental Brasileira.
Em 10 de Abril de 2015, o Governo Brasileiro encaminhou a “Proposta Parcial Revista da Margem Continental Sul” (BRASIL, 2015), que abrange a região situada entre o Sul do Platô de São Paulo e a fronteira marítima do Brasil com a República Oriental do Uruguai. Esta Proposta foi apresentada ao Plenário da Comissão no dia 26 de Agosto de 2015, estando atualmente em análise por uma Subcomissão de sete membros constituída pela Comissão para este fim. O Sumário Executivo[8] desta Proposta Parcial está disponível na página da Comissão na ONU.
Em 08 de Setembro de 2017, o Governo Brasileiro encaminhou a “Proposta Parcial Revista da Margem Equatorial” para a análise da Comissão[9] (BRASIL, 2017). Esta Proposta abrange a região situada entre a fronteira marítima do Brasil com a República da França (Departamento da Guiana Francesa) e ultrapassa o Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP), a Leste. A Proposta ainda não foi apresentada ao Plenário da Comissão e nem foi constituída Subcomissão para analisá-la.
Atualmente, o GT LEPLAC está trabalhando na “Proposta Parcial Revista da Margem Leste”, que vai contemplar a região compreendida desde o limite Sul do Platô de São Paulo até Paraíba-Pernambuco, com a inclusão da área da Elevação (ou Platô) do Rio Grande nesta proposta.
A área oceânica representada pelo Mar Territorial e pela Zona Econômica Exclusiva corresponde a cerca de 3,5 milhões de km2. Se a essa área for adicionada a área oceânica da Plataforma Continental Estendida reivindicada no Addendum de 2006 (953.525 km2), a área oceânica total sob a jurisdição brasileira corresponderia a aproximadamente 4,5 milhões de km2, ou cerca de 50% da área continental do território brasileiro (8.511.996 km2).
Em alusão à área de floresta verde da Amazônia Legal Brasileira (Amazônia Verde), a Marinha do Brasil passou a denominar de Amazônia Azul[10] (Figura 01) a área oceânica de cerca de 4,5 milhões de km2, representada pelo Mar Territorial, Zona Econômica Exclusiva e Plataforma Continental Estendida além das 200 M.
Como o limite da Plataforma Continental Estendida Brasileira ainda está sendo objeto de estudos pelo Grupo de Trabalho do LEPLAC e, consequentemente, nem todas as Submissões Parciais Revistas foram submetidas para a análise da Comissão, atualmente o Brasil só tem jurisdição legal (reconhecida internacionalmente) sobre os recursos naturais (inclusos petróleo e gás) contidos dentro do limite das 200 M (370,400 km) de sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE).
Futuramente, uma vez que o limite exterior da Plataforma Continental Brasileira além do limite das 200 M seja sancionado pela Comissão de Limites da Plataforma Continental e reconhecido em nível internacional, o aproveitamento desses recursos irá se estender à região de Plataforma Continental Estendida que vem sendo objeto dos trabalhos do LEPLAC, porém condicionado ao pagamento de royalties à Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (International Seabed Authority)[11].
Com as propostas parciais revistas em curso e objeto dos trabalhos do LEPLAC Fase 2, há a expectativa de que a área oceânica de Plataforma Continental Estendida além das 200 M venha a ultrapassar o valor reivindicado no Addendum de 2006 (953.525 km2).
Se o Governo Brasileiro não tivesse instituído o LEPLAC e investido expressivos recursos na sua execução, o limite exterior da Plataforma Continental Brasileira seria coincidente com o atual limite das 200 M da Zona Econômica Exclusiva Brasileira.
Do mesmo autor:
Jairo Marcondes de Souza é Geofísico Sênior, trabalhou por 42 anos na Petrobras (1975-2017). Está envolvido nas atividades de delimitação da Plataforma Continental Estendida do Brasil desde 1989. Atualmente, é Profissional Independente de O&G. E-mail: [email protected]
As opiniões e interpretações expressas nos artigos do autor são de sua exclusiva responsabilidade e podem não expressar a posição institucional do Governo brasileiro ou de qualquer das instituições envolvidas no Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac).
Referências citadas e recomendadas
BRASIL, 2004a. Continental Shelf and UNCLOS Article 76. Brazilian Submission. Part I – Executive Summary. Part II – Main Body. Part III – Supporting Scientific and Technical Data. Brazilian Continental Shelf Survey Project. Brasília-DF, CIRM-MB-Petrobras, 158p.
BRASIL, 2004b. Continental Shelf and UNCLOS Article 76. Brazilian Submission. Presentation to the Plenary of the Commission on the Limits of the Continental Shelf. Brazilian Continental Shelf Survey Project. Brasília-DF, CIRM-MB-Petrobras, 31 August 2004, 57p.
BRASIL, 2006. Continental Shelf and UNCLOS Article 76. Brazilian Submission. Addendum to the Executive Summary dated 17 May 2004. Brazilian Continental Shelf Survey Project. Brasília-DF, CIRM-MB-Petrobras, 20p.
BRASIL, 2015. Executive Summary. Continental Shelf and UNCLOS Article 76. Brazilian Partial Revised Submission to the Commission on the Limits of the Continental Shelf. Brazilian Southern Region. Brasília-DF, CIRM-MB-Petrobras, 23p.
BRASIL, 2017. Executive Summary. Continental Shelf and UNCLOS Article 76. Brazilian Partial Revised Submission to the Commission on the Limits of the Continental Shelf. Brazilian Equatorial Margin. Brasília-DF, CIRM-MB-Petrobras, 20p.
DHN, 1985. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Versão em Língua Portuguesa com Anexos e Acta Final da Terceira Conferências das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Reprodução de publicações do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal). Rio de Janeiro-RJ, MB/DHN, 313p.
SOUZA, J. M., 1999. Mar Territorial, Zona Econômica Exclusiva ou Plataforma Continental? Rio de Janeiro-RJ, Revista Brasileira de Geofísica (RBGf), V.17, Nº1, pp 79-82.
SOUZA, J. M., 2014. The Legal or Extended Continental Shelf of Brazil and the Taxation of Oil and Gas. Rio de Janeiro-RJ, Petrobras/RH/UP, Revista Técnica da Universidade Petrobras (RTUP), V.1, Nº1 (Outubro), pp 60-69.
SOUZA, J. M., 2015. Plataforma Continental Brasileira. Histórico, extensão e aspectos jurídicos. Rio de Janeiro-RJ, Revista TN Petróleo Nº 101 (Maio-Junho), pp 101-105.
SOUZA, J. M., 2016. A plataforma continental brasileira, no seu enfoque jurídico ou legal. Rio de Janeiro-RJ, Revista Brasil Energia Petróleo (BEP) Nº 429 (Agosto), p.27.
SOUZA, J. M., 2017. Até onde vão os direitos de soberania do Brasil no mar? Rio de Janeiro-RJ, Revista TN Petróleo Nº 115 (Setembro-Outubro), pp 38-44.
SOUZA, J. M. e ALBUQUERQUE, A. T. M., 1996. Até onde vai a soberania do Brasil no Mar? Rio de Janeiro-RJ, Revista Ciência Hoje, V.20, Nº 119 (Abril), pp 66-68.
SOUZA, J. M., GOMES, B.S. e MACHADO, R. P., 2006. The outer Limit of the Brazilian Legal Continental Shelf. Aracaju-SE, Sociedade Brasileira de Geologia (SBG), 43º Congresso Brasileiro de Geologia (3 a 8/09/2006), 1p.
UNITED NATIONS, 1983. The Law of the Sea. United Nations Convention on the Law of the Sea with Index and Final Act of the Third United Nations Conference on the Law of the Sea. New York-NY, 224p.
[1] United Nations Convention on the Law of the Sea (UNCLOS), 1982. http://www.un.org/depts/los/convention_agreements/conventi on_overview_convention.htm.
[2] Commission on the Limits of the Continental Shelf (CLCS). http://www.un.org/depts/los/clcs_new/clcs_home.htm.
[3] Embora a Convenção registre apenas o termo plataforma continental, sem qualquer adjetivação, para distingui-lo do mesmo termo, na sua acepção geológica, costuma-se atribuir ao termo plataforma continental da Convenção as adjetivações “Estendida, Externa, Jurídica ou Legal”.
[4] Programa de Governo coordenado pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM).
[5] A Comissão de Limites da Plataforma Continental adotou, nas Scientific and Technical Guidelines (CLCS/11, 13 May 1999; http://www.un.org/depts/los/clcs_new/documents/Guidelines/CLCS_11.htm), a simbologia M para representar milha marítima ou milha náutica (1 M = 1.852 m).
[6] http://www.un.org/Depts/los/clcs_new/commission_submissions.htm
[7] http://www.un.org/Depts/los/clcs_new/submissions_files/bra04/Summary_Recommendations_Brazil.pdf
[8] http://www.un.org/depts/los/clcs_new/submissions_files/submission_bra_rev.htm
[9] www.un.org/Depts/los/clcs_new/submissions_files/submission_bra_rev2.htm
[10] Armando Amorim Ferreira Vidigal et al, 2006. Amazônia Azul: o mar que nos pertence. Rio de Janeiro-RJ, Editora Record. 308 pp.
[11] International Seabed Authority (ISA): http://www.isa.org.jm/en/home