Energia

A história do ciclo virtuoso das petroleiras independentes no Brasil

Cabe ao poder público medidas que possam simplificar as obrigações regulatórias de campos maduros e de acumulação marginal, escrevem Pedro Cecchi e Leonardo Vieira

A história do ciclo virtuoso das petroleiras independentes no Brasil. Na imagem: Plataforma 3R-1 no campo de Peroá, na Bacia de Santos
Plataforma 3R-1 no campo de Peroá, na Bacia do Espírito Santos

O ano é 1936. Após reviravoltas e percalços com o poder público, uma sociedade anônima brasileira obtém sucesso inédito em sua oferta de ações e consegue levantar capital suficiente para explorar o poço São João, em Alagoas, surpreendendo a opinião pública ao anunciar a descoberta, a 250 metros de profundidade, dos primeiros jatos de “gás de petróleo” do Brasil.

Tratava-se da Companhia de Petróleos do Brasil, empresa independente fundada por, dentre outros, Monteiro Lobato. Anos antes, por meio de outra companhia verde-amarela, o escritor já havia perfurado nada menos do que 1.044 metros em um poço na cidade de Araquá, estado de São Paulo, coletando indícios concretos de óleo.

Falar da história do petróleo no Brasil é falar das empresas independentes.

Se, no passado, essas iniciativas contribuíram para os primeiros investimentos no setor de exploração — inclusive na descoberta do primeiro poço comercialmente viável, no município baiano de Lobato –, as atualmente denominadas junior oils assumem protagonismo fundamental na outra ponta do setor de upstream, ligada à revitalização da produção de campos maduros e de acumulação marginal.

Tais campos abrangem poços com histórico mais antigo de atividades de produção e/ou que apresentem volumes de reserva a caminho do exaurimento.

É neste cenário desafiador que as empresas independentes têm se notabilizado em elevar a produtividade e redesenvolver ativos até então percebidos como menos interessantes comercialmente, atraindo investimentos e gerando emprego e renda para as comunidades da região.

De acordo com dados mais recentes da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Petróleo e Gás (ABPIP), somente em 2022, as empresas independentes arrecadaram mais de R$ 1 bilhão em royalties aos cofres públicos, boa parte deles em municípios do Nordeste que dependem substancialmente dessas verbas.

Até 2029, a ABPIP estima que serão investidos mais de R$ 40 bilhões em campos maduros e de acumulação marginal, com geração de mais de 315 mil postos de trabalho diretos e indiretos e arrecadação de tributos.

Regulamentação e incentivo à produção

A importância dessas atividades pelas empresas independentes é reconhecida na atual Política de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural, editada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em junho de 2017, que estabelece como diretrizes o fomento à “adoção de novas tecnologias de investigação e de recuperação de petróleo e gás natural”, além do incentivo à “maior pluralidade de atores da indústria”.

Dessa forma, espera-se agora que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) estruture a regulamentação do setor com vistas a potencializar os efeitos multiplicadores das atividades das junior oils.

Um primeiro passo nesse sentido foi dado ainda pela Resolução ANP 749/2018, que permitiu a redução do pagamento de royalties para produção incremental em campos maduros, isto é, aquela produção que excede o volume previamente planejado pelo operador com a previsão de novos investimentos.

Tempos depois, a Resolução CNPE 05/2022 orientou que a ANP adotasse medidas semelhantes de redução de royalties para campos de acumulações marginais, além de ações para redução do “fardo regulatório” e critérios objetivos para solicitações de prorrogação de vigência dos contratos de concessão em campos com maior potencial de revitalização.

Essa é uma das regulamentações mais aguardadas pelo setor. Na sua primeira análise de enquadramento de campos marginais realizada em agosto de 2022, em cumprimento à Resolução ANP 877/2022, a ANP identificou que nada menos do que 302 dos 433 campos de exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil são considerados de acumulação marginal.

Somente no universo dos campos terrestres, 79% foram enquadrados como marginais, representando cerca de 15% da produção onshore em 2022.

Portanto, após avançar em temas como incentivo à produção incremental de campos maduros, além de medidas diferenciadas para pequenas e médias operadoras, compete agora à ANP acatar a recomendação dada pela Resolução CNPE 05/2022, de modo a fixar os royalties pagos nos campos marginais para o mínimo legal de 5% e estabelecer critérios claros e objetivos para a prorrogação de seus respectivos contratos de concessão, além de outras eventuais medidas que possam simplificar as obrigações regulatórias desses campos, já definidos e amplamente reconhecidos pela própria Resolução ANP 877/2022.

Benefícios energéticos e sociais

Tais ações teriam como efeito não somente o incremento do abastecimento interno de hidrocarbonetos, mas principalmente a garantia de que os investimentos proporcionados pelas petroleiras independentes continuarão gerando emprego, renda e ações sociais em benefício das comunidades em que se localizam essas atividades.

Mesmo ações não necessariamente ligadas a campos maduros e de acumulação marginal podem igualmente contribuir para a construção desse cenário.

Uma dessas, digna de nota, é a reforma da Resolução ANP 32/2014, que define as empresas classificadas como de pequeno e médio porte habilitadas a receber maiores incentivos pela ANP.

Isso porque os valores estabelecidos naquela norma — até 1 mil boe/d (mil barris de óleo equivalente por dia) para empresas de pequeno porte, e até 10 mil boe/d para as de médio porte — não condizem mais com a realidade atual do setor, o que não deixa de ser consequência de seu próprio sucesso.

Passados mais de 80 anos desde as primeiras descobertas, campos como o de Candeias, Dom João e Carmópolis, explorados pioneiramente por empresas independentes, recebem agora novos investimentos desses mesmos empreendedores, um reencontro num ciclo virtuoso. Assim como nos tempos de Monteiro Lobato, cabe ao poder público decidir se essa história ainda estará por ser escrita.

Pedro Cecchi é gerente regulatório da 3R Petroleum.

Leonardo Vieira é advogado na 3R Petroleum.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.