A 5ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) sinalizou pela autorização da construção da linha de transmissão de energia elétrica entre Manaus e Boa Vista na terra indígena Waimiri-Atroari.
Por dois votos a um, os desembargadores sinalizaram pela derrubada da decisão de primeira instância da Justiça Federal do Amazonas que havia determinado a interrupção das etapas preliminares da obra. Sem consenso, o julgamento não foi encerrado e será retomado com a convocação de dois desembargadores extras em data ainda a definir.
Os votos dos desembargadores, no entanto, reconheceram unanimamente que os indígenas da terra Waimiri-Atroari devem ser consultados sobre o empreendimento antes da próxima fase do licenciamento ambiental.
Desde o começo do ano uma consultoria contratada pelo empreendedor trabalha no Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI) na terra Waimiri-Atroari. O processo é requisito para o licenciamento.
No julgamento desta quarta (19), os desembargadores julgaram a ação civil pública do MPF do Amazonas que solicitou a anulação do Lote A do Edital de Leilão nº 04/2011, pedindo a interrupção das atividades de implantação da linha de transmissão que liga Manaus a Boa Vista e das licenças ambientais eventualmente expedidas para a obra até que seja “efetivada e comprovada, na forma da lei, a consulta ao Povo Indígena afetado”. A maioria dos votos foi contra a posição do MPF que pedia a anulação do leilão.
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Na ação ajuizada em 2013 na Justiça Federal do Amazonas, o MPF afirmava que a consulta prévia à população Waimiri-Atroari, cuja terra indígena é atravessada pelo traçado do linhão ao longo de 123 km, não fora feita previamente à decisão de construção do linhão.
Durante o julgamento, o relator da ação citou histórico de incompreensão com populações indígenas e a falta de rigor em processos de licenciamento no Brasil, citando inclusive os casos das tragédias a partir de rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho. Para o juiz, o governo atual deveria ter o dever ético de rever as práticas inadequadas de consulta às populações indígenas e “recomeçar tudo do zero”.
Para MPF, decisão pela obra foi tomada no leilão e fere exigência de consulta prévia
Autor da ação civil pública, o MPF foi representado pelo procurador da República Felício Pontes Jr., que lembrou que em todos os julgamentos anteriores sobre o tema, o TRF 1 reafirmou que o direito à consulta prévia aos povos indígenas deveria ser respeitado. E citou a Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em seis julgamentos sobre consulta prévia, definiu que o estado tem o dever de consultar os povos indígenas em conformidade com suas próprias tradições nas primeiras etapas do empreendimento.
“O que está sendo defendido aqui pelos agravados é consulta póstuma, por isso o MPF entra com ação para anular o leilão”, afirmou o procurador. “No leilão já foi tomada a decisão, então isso não é consulta prévia, é consulta póstuma”.
O procurador ainda comparou a população Waimiri-Atroari a uma fênix, ao lembrar que 90% da população indígena naquele território foi dizimada durante a ditadura militar com as obras de construção da Hidrelétrica de Balbina e a rodovia BR-174.
“Em 2013 nasceu o milésimo Waimiri. Hoje a população não chega aos 3 mil, como antes da ditadura, mas está em franco crescimento, disse Pontes.
Aneel: sequer há ainda licença de instalação
Pela defesa, o advogado Eduardo Gomes, da Aneel, lembrou que sequer há ainda licença de instalação para a obra e que a licença prévia foi concedida em 2015 com diversas condicionantes, entre elas a necessidade de que o Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI) seja construído com a comunidade indígena. O que, segundo ele, ainda está sendo feito com várias oficinas realizadas com a população Waimiri-Atroari.
Também na defesa, a Funai frisou que em janeiro de 2019, em carta, os índios relatam que autorizam e acompanham as oficinas do PBAI. Segundo a fundação, o processo de licenciamento prévio do empreendimento atualmente aguada o protocolo do PBAI a ser encaminhado pelo empreendedor. Já o Ibama apontou no julgamento que a questão é saber se os estudos preliminares autorizados pela EPE afetariam os povos indígenas. O Ibama acredita que não.
O órgão frisou que a opção técnica pelo traçado que acompanha a BR-174 se dá justamente porque a rodovia já é um corredor de infraestrutura existente, enquanto as outras alternativas geravam danos muito superiores ao meio ambiente, em áreas onde se presume que existam evidências de existência de populações Waimiri-Atroaris isoladas.
O Ibama ainda defendeu que além da necessidade de construção das torres do linhão, o empreendimento não provocaria outros impactos importantes. Também parte na ação, a União frisou que o programa de compensação para a obra da linha de transmissão já está na ordem de, no mínimo, R$ 50 milhões.
Para MPF geração solar é melhor alternativa a linhão
Em maio, o MPF do Amazonas entregou ao então presidente da Funai, Franklimberg de Freitas, uma nota técnica sugerindo que a geração de energia solar fotovoltaica seria a melhor alternativa à obra do linhão para garantir a segurança energética do estado de Roraima. Segundo o documento, a construção da linha de transmissão não é a solução mais rápida ou mais barata para prover energia ao estado.