Térmicas de Roraima têm combustível para dez dias

general Dutra de Menezes participou de mesa-redonda no Rio sobre a crise na Venezuela / Foto: Cebri divulgação
general Dutra de Menezes participou de mesa-redonda no Rio sobre a crise na Venezuela / Foto: Cebri divulgação

Comandante militar brasileiro com maior conhecimento sobre a situação no estado de Roraima e a crise na Venezuela, o general de brigada Gustavo Henrique Dutra de Menezes afirmou que as quatro termelétricas a diesel que abastecem a maior parte da demanda de energia do estado têm combustível suficiente apenas para dez dias de consumo.

O militar, que comandou a 1ª Brigada de infantaria de Selva, na capital de Roraima, Boa Vista, até dezembro de 2018, participou ontem,11, de uma mesa-redonda no Rio de Janeiro em que debateu a crise na Venezuela e seus impactos para o Brasil. Segundo ele, a instabilidade do fornecimento de energia elétrica em Roraima a partir da Venezuela é problemática e sem uma perspectiva de solução devido à complexa crise enfrentada pelo país vizinho.

“É um problema não porque eles desliguem a luz, porque não desligam e não têm interesse em desligar, mas a questão é que eles não têm manutenção (na rede de transmissão)”, afirmou. “Eles não têm dinheiro para manter a manutenção e Roraima fica seguindo com apagões”, disse a jornalistas após o evento.

O general não levantou outra hipótese para garantir o abastecimento do estado caso a crise na Venezuela comprometa definitivamente o abastecimento além do fornecimento constante de diesel às quatro termelétricas. A operação, que precisaria ser feita com caminhões-cisterna, é considerada de alto custo para o sistema elétrico nacional e difícil de ser realizada.

Os caminhões precisarão rodar cerca de um quinto da distância entre Manaus e Boa Vista pela BR-174, que liga as duas capitais. A maior parte do percurso, no entanto, pode ser feita em navios pelo Rio Negro e Rio Branco, segundo o próprio militar.

“Se  você fizer essa operação (de abastecimento) por um prazo ad aeternum, primeiro fica caríssimo para todo o Brasil, e segundo vai acabar com a BR-174 com um fluxo muito constante de caminhões”, afirmou Dutra de Menezes a jornalistas.

No ano passado a Aneel estimou que subsídios impactariam as contas de luz em todo o Brasil em 15,8% em 2018, e citou a necessidade crescente de ativação das térmicas de Roraima devido à crise na Venezuela. Segundo a agência, os custos de subsídio para as térmicas de Roraima significaria uma despesa extra estimada de R$ 406 milhões.

Impasse sobre construção do Linhão de Tucuruí próximo de ser pacificado
O militar aposta na construção da extensão do Linhão de Tucuruí como a solução para o abastecimento do estado sem a importação de energia do país vizinho. Segundo ele, o governo está próximo de fechar o acordo com a população da terra indígena Waimiri-Atroari para a construção do linhão que vai ligar o estado de Roraima ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

Os pontos técnicos para a construção das torres de alta tensão que vão sustentar a linha de transmissão já foram debatidos e acordados, disse o general. Segundo ele, as torres serão instaladas nas margens da BR-174 em área que atualmente pertence ao DNIT, mesmo no trecho de aproximadamente 175 quilômetros da estrada que atravessa a terra indígena.

Hoje o debate permanece acerca da compensação devida à população Waimiri-Atroari pelo impacto que a obra produzirá em seu território. Durante o evento, o militar lembrou a dificuldade de se executar obras de infraestrutura no estado de Roraima, onde aproximadamente 60% do território é composto por áreas de preservação (14%) e terras indígenas (46%).

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População Waimiri-Atroari luta por reparação
Os Waimiri-Atroari ainda brigam na Justiça Federal por reparação e indenizações pelas violações cometidas contra os indígenas da etnia relativas à construção da BR-174, uma obra da década de 1970. Há duas semanas, uma audiência promovida pela Justiça Federa foi realizada dentro da terra indígena. Os Waimiri-Atroari relataram casos de abusos promovidos por homens brancos fardados, como ataques de helicópteros com uso de veneno e explosivos, ataques a tiros nas aldeias e uso de tratores para destruir plantações, construções e locais sagrados.

A audiência foi presidida pela juíza federal da 3ª Vara da Justiça Federal no Amazonas, Raffaela Cássia de Sousa, da Justiça Federal do Amazonas. O encontro foi acompanhado por representantes da Advocacia-Geral da União, Fundação Nacional do Índio (Funai) e Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), além da Associação Waimiri-Atroari e do Ministério Público Federal do Amazonas.

No dia primeiro de março, o MPF do Amazonas divulgou nota em que afirma que irá buscar medidas contra a tentativa do governo de acelerar o processo de licenciamento do Linhão de Tucuruí. A nota é uma resposta à iniciativa divulgada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro de classificar a obra do linhão como uma obra de defesa de segurança nacional.

O MPF vê “com muita preocupação” a iniciativa e critica a proposta de tocar a obra “sem qualquer diálogo com os diversos atores envolvidos, notadamente os indígenas da etnia Waimiri-Atroari”. A nota afirma ainda que a escolha do traçado em paralelo à rodovia BR-174 “não foi precedida de análise das alternativas locacionais existentes, tampouco de avaliação do componente indígena” e classifica a opção pelo traçado de “definição arbitrária”.

O Político, serviço de notícias exclusivas e dados da epbr, antecipou em 28 de fevereiro a decisão do MFP de se posicionar contra a classificação da obra como de interesse de defesa nacional.

Venezuela à beira de uma guerra civil
Ontem, após a mesa-redonda ocorrida no Rio, o general Dutra de Menezes afirmou que não uma solução para a crise venezuelana no curto prazo e nenhum clima para intervenção militar, seja do Brasil ou de outros países. “A situação é muito grave, na minha opinião particular o país está à beira de uma guerra civil, totalmente fragmentado. É uma situação muito crítica”, disse.

As palavras do general foram alinhadas com outro participante do evento, o embaixador Marcos Azambuja, membro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Azambuja pediu que o Brasil não apoie nenhuma medida contra a Venezuela que não tenha respaldo da ONU mas afirmou também não ver no horizonte uma solução para a crise do vizinho.

Azambuja afirmou não ver o oposicionista Juan Guaidó como uma opção viável ao governo de Nicolás Maduro e disse que seria necessário surgir uma liderança capaz de construir um consenso mínimo entre governistas e oposição. “Guaidó tem uma autoridade que deriva mais de fora pra dentro do que de dentro pra fora”, criticou.

Para o embaixador, que foi secretário-geral do Itamaraty e embaixador na Argentina e França, o Brasil tem agora o papel essencial “de impedir loucuras” e de trabalhar por uma solução diplomática à crise. “Usamos palavras violentas demais, expressões contundentes”, criticou, frisando que o Brasil não pode aceitar que forças militares de outro continente invadam um país vizinho. “A não diplomacia costuma ser desastrosa e o salvacionismo é um perigo”.