BRASÍLIA — A presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministra Ana Arraes, concedeu vistas coletivas de 20 dias ao colegiado para analisar a modelagem no processo de capitalização da Eletrobras em julgamento nesta quarta (20).
Os resultados podem não parecer, mas consolidam uma vitória nos planos para garantir a capitalização da Eletrobras ainda neste ano.
O próprio governo dava o adiamento como certo e, com o prazo reduzido, conta que será possível liquidar o controle da União na estatal até julho.
O ministro relator, Aroldo Cedraz, apresentou um voto favorável à privatização da companhia, desde que o BNDES reajuste os preços mínimos das ações, questão que também vinha sendo antecipada internamente pelo governo federal.
“Voto por determinar ao BNDES que, até a etapa de precificação das ações, no processo de privatização da Eletrobras, promova ajustes nos referenciais de preço de longo prazo utilizados para projeção das receitas de geração da Eletrobras”, afirmou Cedraz.
Fora do TCU, parlamentares do PT tentam uma liminar na Justiça Federal para paralisar a venda. A ação se baseia na divergência do ministro Vital do Rêgo, que apontou uma subavaliação de R$ 46 bilhões no valor da empresa, em seu voto vencido em fevereiro.
Relator desiste de medidas que poderiam ameaçar privatização da Eletrobras
A articulação do governo conseguiu contornar dois fatores que ameaçavam a privatização: uma proposta para alterar a modelagem da capitalização, feita inicialmente pelo próprio relator, e um pedido de vistas de 60 dias do ministro Vital do Rêgo.
Cedraz desistiu, de última hora, de incluir em seu voto uma mudança que poderia facilitar a possibilidade de um eventual governo reestatizar a Eletrobras, caso queira.
A alteração na modelagem da capitalização exigiria que o documento voltasse à Eletrobras para ser avaliado novamente pela estatal em assembleia. O trâmite burocrático poderia atrasar em meses o calendário da capitalização da Eletrobras, segundo integrantes do governo.
Além disso, deixaria uma porta aberta para que um eventual governo pudesse readquirir a companhia. O ex-presidente Lula tem defendido reiteradamente que pretende desfazer a privatização da companhia elétrica.
Divergência sobre poison pills, possível caminho para reestatização
A determinação chegou a constar no voto inicial de Cedraz para que o BNDES retirasse da modelagem as cláusulas chamadas de poison pills.
“Entendi inicialmente que o uso de cláusulas de poison pills não seria compatível com a regra inserida no art. 173 da Carta Magna de 1988. Entretanto, após analisar contribuições oferecidas pelo eminente ministro Jorge Oliveira, reconsiderei minha posição, motivo pelo qual deixo de apresentar qualquer proposta de deliberação específica em relação a este ponto”, disse o ministro.
O mecanismo obriga que um acionista pague aos demais acionistas um preço por ação superior à maior cotação na bolsa, caso queira adquirir o controle da empresa — uma forma de desencorajar aquisições hostis de empresas listadas em bolsa de valores.
Mudanças de valor mínimo já eram esperadas
Com os resultados do julgamento do TCU, integrantes do governo e da Eletrobras veem um cenário positivo para a capitalização da Eletrobras ainda neste ano.
A determinação do relator em revisar os valores mínimos das ações já era esperado e não despertou maiores preocupações, como adiantou o político epbr nesta última segunda (18).
Uma mudança na metodologia de cálculo dos preços das ações e do próprio valuation da companhia não impacta o calendário da privatização, já que a etapa de precificação é feita pelo BNDES após o aval do TCU.
Pedido de vistas maior poderia ter impactado negativamente a capitalização
O Executivo já contava com um pedido de vistas do ministro Vital do Rêgo, que se opôs ao processo de privatização da Eletrobras desde o primeiro julgamento no TCU, mas não esperava um pedido de 60 dias.
Após ter sido pressionado pelos seus pares, inclusive com discussões para se alterar o regimento do TCU e diminuir o prazo, o próprio ministro desistiu e aceitou o prazo de 20 dias para avaliar o processo e encontrar eventuais inconsistências.
Não sem criticar a pressão do governo e do mercado por uma decisão célere da corte de contas.
“Essa questão de privatiza ou não, isso é problema do governo […]. O que eu não posso é abdicar do meu cumprimento do Artigo 70 da constituição em que determina o controle externo desse Tribunal para assuntos de interesse da União na área administrativa. Nós somos instados a oferecer segurança jurídica de um projeto de governo antes mesmo de sua execução por causa de uma ‘janela de oportunidades'”, enfatizou Vital.
A pressão por correr com a aprovação do processo por conta do momento também foi alvo de críticas do ministro Bruno Dantas.
“Se percebe um discurso ad terrorem de que se o tribunal não concluir o prazo até o dia 27 o mundo vai acabar. Essa informação não é verdadeira. Existe uma janela de oportunidade de fundos internacionais, de capitais que podem afluir esses recursos para a aquisição de papéis da Eletrobras, mas nem de longe uma concessão de prazo de 20, 30 dias a um ministro da Corte pode inviabilizar essa capitalização”, disse.
O dia 27 de abril era considerado pelo governo como data limite para manter de pé o planejamento inicial e realizar a capitalização na primeira quinzena de maio.
Porém, com a finalização da análise do TCU em maio, o Executivo espera poder reagendar o processo da privatização da Eletrobras para meados de julho — uma data já prevista com a possibilidade de um pedido de vistas.
Já o período de dois meses para uma nova avaliação, caso tivesse vingado, poderia jogar a data da oferta de ações para agosto e o clima eleitoral do segundo semestre poderia afetar de forma mais direta a capitalização.