Opinião

Segurança e potência: o armazenamento como pilar da resiliência elétrica

Falta de usinas hidrelétricas reversíveis no Brasil ameaça estabilidade do setor elétrico diante da crescente geração renovável intermitente, escreve Daniel Steffens

Daniel Steffens é sócio da Área de Energia e Infraestrutura do Urbano Vitalino Advogados. (Foto Divulgação)
Daniel Steffens é sócio da Área de Energia e Infraestrutura do Urbano Vitalino Advogados. | Foto Divulgação

Se há um aspecto em que o Brasil se destaca globalmente, é a geração hidrelétrica. Afinal, o país detém praticamente 10% da capacidade hidrelétrica mundial, sendo essa fonte a espinha dorsal do nosso parque gerador de energia elétrica.

No entanto, quando se trata de usinas hidrelétricas reversíveis (UHRs), estamos muito atrás de outras nações. Enquanto China, Estados Unidos e Europa já consolidaram essa tecnologia como parte fundamental de suas estratégias energéticas, o Brasil ainda não conta com nenhuma UHR em operação.

Mas por que isso importa? As UHRs atuam como reservatórios estratégicos de energia, funcionando de maneira semelhante a grandes caixas d’água. Enquanto uma caixa d’água armazena o recurso hídrico para momentos estratégicos, as UHRs acumulam energia potencial ao bombear água de um reservatório inferior para um superior nos períodos de baixa demanda.

Quando a necessidade de eletricidade aumenta, essa água retorna ao reservatório inferior, passando por turbinas e gerando eletricidade. Esse mecanismo permite o uso eficiente das fontes renováveis, evita desperdícios e melhora a estabilidade do sistema.

Embora a matriz energética brasileira tenha sido historicamente estruturada sobre a base hídrica, o setor elétrico ainda não incorporou essa tecnologia de forma estruturada.

Enquanto o mundo já conta com 175 GW de capacidade instalada em UHRs, o Brasil segue sem nenhuma usina desse tipo, colocando em risco a segurança do suprimento diante da crescente dependência de fontes intermitentes, como solar e eólica.

“O Brasil já domina a engenharia de grandes usinas hidrelétricas – agora, precisa direcionar esse conhecimento para modernizar sua matriz elétrica e integrar de forma definitiva as usinas reversíveis.”

A lacuna regulatória e os desafios do setor elétrico

A ausência de regulamentação para as UHRs não é um fato isolado. Em meados dos anos 2000, após um período crítico de restrição energética, o país precisou reformular sua estrutura de contratação e expandir o parque gerador.

Esse esforço resultou na criação dos leilões regulados, estabelecidos pelas Leis nº 10.438/2002 e nº 10.848/2004, que viabilizaram contratos de longo prazo e permitiram o financiamento de novos projetos. A mudança não só ampliou a participação das fontes renováveis na matriz, mas também elevou a confiabilidade sistêmica.

No entanto, ao longo dos anos, mudanças estruturais no setor – como a expansão do Ambiente de Contratação Livre (ACL) e o crescimento acelerado da geração distribuída – trouxeram incertezas para as concessionárias de distribuição e reduziram a adesão aos leilões regulados.

A transformação do setor elétrico, impulsionada pela maior penetração das fontes renováveis intermitentes, resultou em desafios operacionais, como os cortes deliberados de geração (curtailment) e a necessidade crescente de injeção de potência em horários críticos.

Diante desse cenário, a Aneel passou a debater soluções para mitigar os impactos do curtailment sobre os geradores renováveis. O diretor Ricardo Tili fomentou inclusive a sugestão da criação de uma fila para curtailment, priorizando empreendimentos que estejam plenamente regularizados do ponto de vista documental.

Essa medida poderia trazer mais previsibilidade ao setor e reduzir os riscos financeiros dos geradores, especialmente diante da falta de soluções estruturadas de armazenamento.

Paralelamente, o debate regulatório ganha fôlego no âmbito da Consulta Pública MME nº 176/2024, que discute diretrizes para a contratação de armazenamento energético como mecanismo de estabilização do sistema por meio do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP).

Os leilões de capacidade e o papel do armazenamento

Previsto para junho de 2025, o Leilão de Reserva de Capacidade assume um papel central na segurança elétrica nacional. O certame visa contratar reserva de potência por meio de diferentes tecnologias, incluindo usinas termelétricas a gás e biomassa, hidrelétricas e, possivelmente, sistemas de armazenamento.

Além disso, a Consulta Pública MME nº 176/2024 discute a estruturação de um leilão autônomo de armazenamento, que poderia incentivar novas soluções tecnológicas e mitigar riscos operacionais das fontes renováveis. Esse processo se conecta diretamente com os pressupostos da Consulta Pública Aneel nº 39/2023, reforçando a necessidade de um arcabouço regulatório adequado para o setor.

Outro elemento relevante nesse contexto é o Plano Decenal de Energia 2034, que já aponta a necessidade de ampliar os investimentos em armazenamento. Algumas empresas do setor começam a estruturar projetos-piloto de UHRs, enquanto o Leilão para Suprimento aos Sistemas Isolados, previsto para maio de 2025, poderá contemplar soluções híbridas de geração e armazenamento.

Conclusão: o Brasil precisa avançar

Embora a ampliação do mercado livre seja um processo consolidado e irreversível, a confiabilidade do sistema elétrico segue sendo um tema crítico para o poder concedente.

Os leilões de 2025 representam não apenas uma oportunidade para diversificação de portfólios e mitigação de riscos pelos investidores, mas também um caminho essencial para desenvolver novas tecnologias e garantir a segurança energética do Sistema Interligado Nacional.

A transição energética brasileira exige soluções robustas para equilibrar a expansão das fontes renováveis com a segurança do suprimento. O crescimento da geração intermitente precisa ser acompanhado de estratégias de mitigação de riscos operacionais, garantindo potência firme ao sistema.

O Brasil já domina a engenharia de grandes usinas hidrelétricas – agora, precisa direcionar esse conhecimento para modernizar sua matriz elétrica e integrar de forma definitiva as usinas reversíveis.

O armazenamento de energia, em especial as UHRs, não deve ser visto como um conceito distante, mas sim como um pilar essencial para a resiliência da matriz elétrica brasileira. As discussões regulatórias avançam, mas o momento de agir é já.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Daniel Steffens é sócio da Área de Energia e Infraestrutura do Urbano Vitalino Advogados.

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