Opinião

Segurança de mercado é peça-chave para o setor de energia crescer

Setor elétrico precisa de regras e controles que promovam um ambiente estável e previsível, escreve Fred Menezes

Fred Menezes é diretor-executivo da Armor Energia (Foto Divulgação)
Fred Menezes é diretor-executivo da Armor Energia (Foto Divulgação)

No início do mercado livre de energia, em meados dos anos 2000, a figura do comercializador tinha papel essencial como intermediário na relação entre consumidores e geradores.

Cada parte se beneficiava dessa dinâmica: o consumidor obtinha economia, o gerador aumentava a rentabilidade de seu portfólio e o comercializador otimizava a negociação entre as pontas.

Nesse cenário, o risco de crédito não era uma grande preocupação — afinal, o gerador precisava produzir energia, o consumidor precisava consumi-la e o comercializador apenas conectava os dois lados.

Com o passar dos anos, o mercado tornou-se mais competitivo. Para manter ou ampliar suas margens, as comercializadoras passaram a antecipar fluxos e especular com os preços da energia.

Rapidamente se percebeu que a especulação era altamente rentável — não apenas pela capacidade de antecipar tendências com base em fundamentos regulatórios e meteorológicos, mas principalmente pela alavancagem praticamente ilimitada que o setor oferecia.

A rentabilidade dessa prática atraiu novos agentes. Surgiram comercializadoras especializadas em especular, que operavam entre si, negociando valores muitas vezes superiores ao próprio patrimônio líquido.

A ausência de regulamentação clara e os mecanismos de alavancagem ilimitada chamaram a atenção de aventureiros que, sem experiência em gestão de portfólios, viam na especulação uma forma rápida de enriquecimento.

O primeiro grande evento de crédito ocorreu no final de 2018, com a quebra de uma comercializadora de porte relativamente modesto. Todavia, o prejuízo, de cerca de R$ 200 milhões, contrastava com um patrimônio de apenas R$ 10 milhões.

O colapso da empresa revelou de forma enfática o risco sistêmico que havia se formado: outras comercializadoras que tinham valores a receber também não conseguiram honrar seus compromissos e acabaram falindo.

A partir daí, o debate sobre métricas de controle de risco ganhou força.

As comercializadoras passaram a importar modelos do mercado financeiro e adaptá-los ao setor de energia — cada uma à sua maneira, sem padronização regulatória ou auditorias que garantissem a consistência dos modelos.

Apesar do avanço na discussão, pouco foi feito para garantir o enforcement de práticas eficazes de gestão de risco.

Na prática, tornou-se difícil distinguir quais empresas realmente valorizam controles robustos e quais apenas se valem do discurso para manter boa reputação no mercado.

O exemplo mais emblemático ocorreu no ano passado, com o colapso de outra comercializadora até então vista como sinônimo de boa gestão.

O prejuízo, que ultrapassou bilhões de reais, surpreendeu o setor. A empresa havia sido fundada por profissionais experientes do mercado financeiro — portanto, não se tratava de aventureiros em busca de enriquecimento rápido.

Eram empreendedores capitalizados, com anos de experiência no setor.

Por que, então, o prejuízo foi tão grande? A resposta pode ser encontrada na teoria dos jogos, essencial para quem gere portfólios.

Em certos cenários, a decisão racional é “dobrar a aposta”. Se o agente já perdeu 100% do patrimônio, perder 200% ou 1.000% não faz diferença prática — ele não poderá pagar o que não tem. Assim, o incentivo é continuar aumentando a exposição, na esperança de que uma virada de mercado reverta o prejuízo.

É como em um jogo de pôquer: o jogador em desvantagem pode apostar all-in para tentar virar o jogo. No setor de energia, com alavancagem ilimitada, esse “jogador” pode apostar não apenas suas próprias fichas, mas também as dos outros participantes da mesa.

Por isso, é essencial a presença de fiscalização ativa e rigorosa dos órgãos reguladores, para impedir que agentes assumam riscos que não podem suportar.

Hoje, ainda há pouco esforço institucional para garantir um ambiente saudável nas relações bilaterais. As exigências de patrimônio mínimo aumentaram, mas isso não se traduz necessariamente em mais segurança.

Há também a obrigatoriedade de manter um caixa mínimo para negociar volumes acima de determinado patamar; porém, esse valor é fixo e não limita a exposição de mercado.

Além disso, embora exista uma tentativa de trazer transparência por meio do fator de alavancagem, a metodologia atual é ineficiente e carece de consequências para quem omite informações relevantes.

Para que o mercado de comercialização cresça com segurança, é fundamental aprofundar a discussão sobre métricas de alavancagem, exposição de crédito e risco de mercado.

Assim como no sistema financeiro, em que os bancos precisam seguir normas de Basileia, o setor elétrico precisa de regras e controles que promovam um ambiente estável e previsível.

É natural que surjam receios de que novas restrições possam reduzir a competição ou inviabilizar o surgimento de algumas empresas. Por isso, o debate deve ser amplo, e os controles, proporcionais aos volumes negociados e aos riscos assumidos.

Somente assim o mercado poderá crescer de forma sustentável — fortalecendo os agentes que já operam e abrindo espaço para novos entrantes que hoje evitam o setor pela alta exposição ao risco.


Fred Menezes é diretor de comercialização da Armor Energia.

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