RIO — A identificação dos riscos aos quais ativos de infraestrutura estão expostos com as mudanças do clima e a preparação para lidar com esses impactos nas próximas décadas são dois temas que ganharam mais atenção das empresas que atuam no setor de energia no Brasil, sobretudo depois das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em maio deste ano.
Entre as empresas que demonstram maior preocupação com o assunto estão aquelas que operam ativos expostos aos efeitos do clima, como distribuidoras de energia elétrica e de gás, transmissoras e geradores de energia renovável.
Esta semana, a distribuidora de gás canalizado Comgás anunciou uma parceria com a empresa de previsão meteorológica Climatempo para aumentar a eficiência de planejamento da expansão da distribuição levando em consideração os dados climáticos.
A Comgás tem mais de 21 mil quilômetros de rede de distribuição de gás encanado no estado de São Paulo e é responsável por mais de 30% do gás distribuído no Brasil.
A companhia vai passar a integrar os dados meteorológicos da Climatempo ao plano de trabalho para medir o impacto das condições climáticas nas atividades e adotar ações para mitigar eventuais riscos.
O objetivo é programar projetos e obras de forma mais assertiva, além de aumentar a segurança das equipes de campo.
Segundo a Climatempo, o clima pode afetar de 20% a 30% das atividades de expansão de distribuição de gás previstas.
“Um exemplo simples e direto será na nossa operação de campo. Em um prazo maior, os meses de maior incidência de chuva, por exemplo, deverão ter menos programação de obras”, diz o diretor de TI, Inovação e Experiência com o Cliente da Comgás, Thiago Trevisan.
Estimando a probabilidade de perdas e danos
Este mês, a consultoria WayCarbon lançou uma plataforma de gestão de risco climático para empresas capaz de traçar cenários até o ano 2100.
Chamada WayCarbon Ecosystem, a ferramenta apresenta projeções de riscos climáticos para ativos de diferentes setores, com variações de acordo com a escala de espaço, tempo e horizonte, considerando diversos cenários para o aquecimento global.
O diagnóstico dos ativos aponta a probabilidade de cada um deles sofrer com as consequências de eventos extremos como tempestades e secas severas. Com isso, consegue apontar quais projetos estão mais expostos e valorar os custos dos eventuais impactos do clima naquela operação.
“Caso aquele risco identificado se materialize em impacto, qual é o valor de perda na receita e no fluxo de caixa? Quais são os impactos em investimentos e custos de operação?”, exemplifica a gerente de Risco Climático e Adaptação da WayCarbon, Melina Amoni.
A ferramenta ajuda ainda a determinar ações para proteger os ativos desses possíveis impactos.
As projeções são traçadas a partir dos cinco cenários estimados pelo Painel Intergovernamental Sobre a Mudança do Clima (IPCC) para as respostas do clima a diferentes níveis de concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.
“Não temos dados observados do futuro, então precisamos usar esses cenários, que são a melhor informação para ter essa visão do que pode acontecer a partir das nossas escolhas de hoje”, diz Amoni.
Segundo a executiva, grande parte dos clientes da solução no Brasil até o momento são da área de energia. Ela lembra que nos últimos anos esse setor já sofreu os impactos de ondas de calor, incêndios, secas e enchentes.
“Para o setor de energia, que é um dos mais expostos à mudança do clima, todos os segmentos estão preocupados com essas questões de como gerenciar os riscos”, explica.
Infraestrutura vulnerável
Em 2023, intensas secas atingiram o Norte do país e prejudicaram a geração de energia hidrelétrica, além da distribuição de combustíveis, que ocorre sobretudo por meio de barcos na região.
Este mês, uma nova estiagem levou o governador do Amazonas, Wilson Lima (União), a decretar situação de emergência em 20 municípios e instituir um comitê de enfrentamento à seca.
A executiva da WayCarbon afirma que discussões sobre os riscos do clima à infraestrutura têm ganhado tração sobretudo depois das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em maio deste ano. Ao todo, cerca de 2 milhões de pessoas foram atingidas pelos efeitos das inundações, com 500 mil unidades de consumo de energia elétrica desligadas.
“Essas discussões estão começando a ganhar mais relevância e entendimento. Durante muito tempo só se falou em mitigação, mas a adaptação a riscos veio de uma forma mais evidente depois desse evento no Rio Grande do Sul”, diz.
“Esse evento trouxe de uma forma mais visual o que de fato são os efeitos mais catastróficos da mudança do clima”, acrescenta.
Para Amoni, devem receber mais atenção sobretudo os ativos mais antigos, que foram projetados para um clima diferente dos previstos para as próximas décadas.
Entre os riscos mais evidentes do clima para a energia elétrica estão as tempestades e ventos intensos que afetam os fios de distribuição, além de incêndios, ondas de calor e inundações, que podem impactar também linhas de transmissão e subestações.
No caso da geração, as mudanças climáticas tendem a impactar não apenas as usinas hidrelétricas, devido às variações nos regimes de chuvas, como também projetos eólicos e solares, que dependem do vento e da incidência solar para gerar eletricidade.
A distribuição e a logística de combustíveis também estão vulneráveis, lista a executiva.
“O Brasil tem uma dimensão continental. O setor elétrico tem essa dispersão geográfica em todo o país, então em alguma região ele vai estar mais ou menos exposto aos riscos de inundação, de tempestades, de incêndios, de elevação do nível médio do mar, de ondas de calor”.
Nova realidade climática exige adaptação
Segundo Amoni, a ideia é que as empresas usem a ferramenta para proteger os próprios ativos, mas também para subsidiar discussões com os reguladores a respeito do planejamento e da estratégia para enfrentar as novas realidades climáticas.
“Muitas empresas têm pedido o nosso apoio, justamente para a gente fazer esse papel de ‘advocacy’, utilizando o conhecimento técnico, científico, para ajudar a Aneel a mudar padrões que são considerados para novos leilões, por exemplo”.
“O setor de energia é uma infraestrutura crítica, que está relacionada à segurança da sociedade, da economia do país. Então, tem um papel de protagonismo”, conclui.