Energia

Rio São Francisco perdeu 50% da superfície de água em 35 anos

Maior queda registrada em reservatórios pelo MapBiomas ocorreu na hidrelétrica Luiz Gonzaga (antes Itaparica), entre Pernambuco e Bahia

Na imagem, Bacia do São Francisco
Estudo feito em 2013 pela extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, por exemplo, indicava que poderia haver uma perda de até 65% da vazão até 2040, com base no registro de 2005

RECIFE — Estudo divulgado pela iniciativa MapBiomas na última sexta (3/6) mostra que a Bacia do São Francisco perdeu 50% da superfície de água natural entre 1985 e 2020 e alerta que apenas a ação humana pode ser insuficiente para manter os recursos hídricos da região — especialmente considerando cenários de redução de chuva previstos para os próximos anos.

O lançamento do relatório marca o Dia Nacional de Defesa do Rio São Francisco, a pedido do Plano Nordeste Potência, formado por conjunto de organizações brasileiras voltadas para o desenvolvimento verde e inclusivo da região.

A iniciativa mapeou como quatro grandes reservatórios apresentam tendência de queda na superfície de água nos últimos 35 anos. A maior delas registrada na hidrelétrica Luiz Gonzaga (antes Itaparica), entre Pernambuco e Bahia, seguida por Sobradinho, Três Marias e Xingó.

Um dos principais problemas é a gestão. Renato Cunha, coordenador executivo do Gambá (Grupo Ambientalista da Bahia), diz que é preciso implementar soluções como a recuperação das áreas degradadas o mais rápido possível, além de promover uma boa gestão dos recursos.

“A Bacia do São Francisco sofre com o uso intenso e sem planejamento, seja dos recursos hídricos quanto do seu solo. Hoje existem populações que vivem nessa região e que já sofrem com essas variações”, comenta Cunha.

A Bacia é a terceira maior do país e corresponde a cerca de 8% do território nacional. O estudo mostra que, mesmo com grandes variações entre os anos, a tendência de queda é clara e soma-se a análises anteriores, inclusive do governo federal.

Estudo feito em 2013 pela extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, por exemplo, indicava que poderia haver uma perda de até 65% da vazão até 2040, com base no registro de 2005.

Antes disso, em 2007, o relatório Transposição de Água entre Bacias e a Escassez, da Rede WWF, alertou para os impactos de obras de transposição sobre os fluxos naturais de rios e a capacidade dos cursos d’água de promover os usos múltiplos nas bacias.

“Os preocupantes indicadores do MapBiomas mostram que é urgente a implantação de um profundo programa de revitalização, previsto desde o início do projeto de transposição e nunca realizado”, destaca Sérgio Xavier, coordenador do Projeto HidroSinergia, do Centro Brasil no Clima (CBC).

Além das ações de reflorestamento, recomposição de áreas degradadas e obras de saneamento em centenas de municípios, ele diz ser necessário um plano de elevação e estabilização da vazão média do rio e incentivos a um modelo de economia que impulsione a regeneração da bacia hidrográfica.

Ações insuficientes

As ações humanas foram responsáveis por um aumento artificial de 13% da superfície de água de reservatórios. Com isso, a redução foi de 4%, com as maiores perdas observadas no Alto e no Baixo São Francisco, 19% e 21% respectivamente.

Mesmo com o pequeno aumento, o MapBiomas afirma que apenas a ação humana pode ser insuficiente para manter o recurso na região.

“A criação de reservatórios aumenta a superfície de água, no entanto temos observado uma tendência de perda de água nos principais reservatórios, além da perda de superfície de água natural significativa na bacia do Rio São Francisco, isso favorece um cenário de crise hídrica”, observa Carlos Souza Jr., coordenador do MapBiomas Água.

Pressão agropecuária

O MapBiomas também mostra que o uso da terra na bacia se intensificou. Atualmente, a cobertura de vegetação nativa nessa área é de 57%, mas chega a somente 30% no Baixo e 37% no Alto São Francisco.

Apesar de haver áreas consolidadas de agricultura e pastagem, a região hidrográfica perdeu 7 milhões de hectares de vegetação nativa nas últimas três décadas para a agropecuária, restando 36,2 milhões de hectares — desses, somente 17% estão em áreas protegidas. As pastagens ocupam 14,8 milhões de hectares e a agricultura, 3,4 milhões.

A formação savânica foi a mais atingida, perdendo 4,6 milhões de hectares (14%). Além de Cerrado, outros dois biomas compõem a bacia, Mata Atlântica e Caatinga.

As regiões do Baixo e Submédio São Francisco apresentam as maiores taxas de aumento de áreas de pastagem, 50% e 85% respectivamente. No Médio São Francisco, o destaque é para o aumento de 650% da agricultura, principalmente para a expansão da soja nos últimos anos. Já na região do Alto São Francisco, a silvicultura cresceu 400%.

Esse avanço das atividades agrícolas se manifesta em outros indicadores. O Médio São Francisco registrou quase 2 mil alertas de desmatamento em 2019 e 2020, totalizando aproximadamente 99 mil hectares derrubados. A mesma sub-região mostrou o maior crescimento no número de sistemas de irrigação desde 1985, 1.870%, seguido pelo Alto São Francisco, com 1.586%.

“A bacia do São Francisco está sob pressão, tanto pela agricultura quanto pela geração de energia, que coloca em risco milhares de pessoas que vivem na região”, completa Washington Rocha, coordenador da equipe Caatinga no MapBiomas.