O atraso na definição das regras do leilão de reserva de capacidade, pelo Ministério de Minas e Energia, tende a reforçar o favoritismo das térmicas existentes..
O certame deve escorregar para 2025 e, a depender de sua formatação final, pode dificultar ainda mais a contratação de projetos greenfield (novos).
A competitividade inerente de usinas existentes, com investimentos já amortizados, já era clara do lado econômico.
Agora, com o atraso do leilão, o risco para desenvolvedores de novos projetos é que os prazos exigidos para início do suprimento fiquem ainda mais apertados – e aí a vantagem competitiva das térmicas já instaladas se acentue ainda mais.
Nessa disputa, agentes de diferentes perfis e estratégias tentam desenhar o leilão a sua feição: desenvolvedores de projetos greenfield, de um lado, tentam convencer o governo a reservar um lote só para novas usinas.
Do lado dos geradores com térmicas existentes, por sua vez, há até quem peça antecipação da contratação de potência para 2026 – e não para a partir de 2027, como previsto originalmente. Um pleito, aliás, anterior ao cenário de crise hídrica.
O governo, contudo, ainda não tem uma resposta sobre, afinal, que fontes termelétricas poderão participar, nem sobre a demanda por potência da licitação para cada lote.
O que está previsto
A minuta de portaria com as diretrizes da licitação, colocada em consulta pública pelo governo no primeiro semestre, definiu inicialmente dois produtos termelétricos para o leilão – além de um específico para hidrelétricas:
- Potência Termelétrica 2027, com contratos de 7 anos e início do suprimento a partir de julho de 2027;
- e Potência Termelétrica 2028, com contratos de 15 anos e início de suprimento a partir de janeiro de 2028.
Em ambos os casos, segundo a minuta, serão permitidas usinas existentes ou novas, sem distinção.
O prazo curto de implementação e o tempo de contrato menor, no primeiro produto, no entanto, já colocavam as térmicas existentes como favoritas naturais à disputa, desde o início da formatação da licitação.
Com o atraso nos ritos do leilão, os prazos – se não forem revistos – começam a ficar apertados para viabilizar termelétricas novas também no segundo lote do leilão.
A Eneva tem manifestado preocupação com os atrasos na licitação e com o encurtamento dos prazos para viabilizar novos projetos
A preocupação com os prazos já vinha sendo externada por agentes do setor antes mesmo de confirmado o atraso da concorrência – originalmente prevista para ocorrer em agosto.
Na consulta pública, a Petrocity Energia, que desenvolve um projeto termelétrico a gás natural no Porto de São Mateus (ES), por exemplo, já havia alertado para o fato de que o prazo para início de suprimento de usinas contratadas no 2º lote (2028) era curto: de três anos e quatro meses a partir da homologação (se o certame tivesse ocorrido em agosto).
Para efeitos de comparação, o leilão de reserva de 2021 previa um prazo de início de suprimento de cinco anos para os projetos greenfields.
Na mesma consulta, a Origem Energia pediu a revisão das regras do leilão, para que fosse considerado um prazo de implantação de pelo menos quatro anos.
Quem é quem no leilão
Na disputa por um espaço no leilão, há candidatos naturais, de ambos os lados.
A Âmbar Energia, do grupo J&F, vem de um movimento forte de aquisições que lhe colocam no posto de dona do 3º maior parque de termelétricas a gás do país.
A empresa tem uma série de térmicas descontratadas no portfólio: Uruguaiana (600 MW), no Rio Grande do Sul, e Cuiabá (480 MW), no Mato Grosso, e Araucária (484 MW), no Paraná. Também comprou as usinas da Eletrobras, incluindo a UTE Santa Cruz (500 MW), no Rio, cujo contrato vence em 2026. É candidata forte no leilão.
A Eneva é outra. Trabalha para negociar cerca de 1 GW de térmicas existentes – com a recontratação das UTEs Parnaíba 1 e 3 e parte das usinas recém-adquiridas do BTG. Mas também mira oportunidades de negociar usinas novas – tem 1,5 GW de capacidade nova, com a expansão da Celse (SE).
Na consulta pública da minuta das diretrizes do leilão, a companhia defendeu a possibilidade de negociação tanto de usinas novas quanto existentes – e que as térmicas a óleo fossem excluídas da concorrência.
Quem também tem um portfólio amplo de térmicas descontratadas ou por descontratar e que mira o leilão como uma oportunidade para renegociar esses ativos – bem como novas usinas – é a Petrobras.
A estatal defendeu, na consulta, que o segundo lote, que negociará contratos de mais longo prazo, seja exclusivo para térmicas a gás. Também tenta, assim, tirar o óleo e carvão da jogada.
E pede que o leilão seja sequencial, permitindo que projetos ofertados no primeiro produto e não negociados possam ser oferecidos novamente no segundo lote, Assim, amplia as chances de oferecer suas usinas existentes nos dois lotes.
A New Fortress também está ativa no mercado. Fechou contrato para aquisição do projeto UTE Lins (2,05 GW), no interior de São Paulo. A companhia estima que o leilão terá uma demanda de mais de 8 GW de potência termelétrica e espera assegurar o fornecimento de gás para 3,2 GW, entre projetos próprios e de terceiros, entre usinas novas e existentes.
Sob o argumento da necessidade de se manter o equilíbrio das tarifas das transportadoras de gás, a empresa defendeu na consulta a divisão regional do leilão – leia-se a contratação de projetos com disponibilidade de potência nas proximidades das regiões de maior carga, no Centro-Sul.
A empresa aposta no leilão como oportunidade de monetização do terminal de regaseificação de Santa Catarina, inaugurado este ano pela companhia.
“A contratação de usinas termelétricas a gás, sejam elas novas ou já existentes, especialmente nas redes da TBG e da NTS, é crucial para garantir a receita das empresas de transporte. Isso evita um aumento insustentável das tarifas de transporte para os demais usuários ligados à rede”.
Agentes pedem lote só para térmicas novas
A Origem Energia defendeu que as térmicas existentes sejam excluídas no segundo lote. Argumenta que, por se tratar de um produto que oferece contratos mais longos, de 15 anos, poderia acabar por contratar por longo prazo “usinas ineficientes ou movidas a óleo combustível, o que vai de encontro à política da transição energética”.
A companhia entra nesse leilão interessada não só na negociação de projetos de termelétricas, mas também na oferta do serviço de estocagem subterrânea de gás natural.
O pleito a favor da exclusividade de térmicas novas no segundo lote do leilão está presente nas contribuições de diferentes agentes – notadamente aqueles que miram a oportunidade de negociação de projetos novos.
É o caso do grupo Ceiba Energy – que pretende participar da licitação, por meio da Jandaia Geração de Energia S.A., com um novo projeto de 2.430 MW e terminal de GNL associado no Porto do Pecém (CE).
É uma nova tentativa da empresa de levantar uma térmica no Pecém, depois de desistir do projeto Portocem – vendido para a New Fortress e transferido para Barcarena.
A Ceiba argumenta que a competição entre térmicas novas e existentes por contratos de 15 anos gerará uma concorrência desleal que afastará empreendimentos novos do leilão, contrariando o objetivo de trazer nova geração de ponta para o sistema.
Alegação parecida com a apresentada pela Natural Energia, que desenvolve o projeto da UTE São Paulo (1,75 GW), em Caçapava (SP).
A companhia cita que contratos mais longos são a melhor forma de viabilizar novos empreendimentos e garantir, assim, a entrada de nova potência no sistema, com projetos com tecnologias mais modernas do que as existentes.
A separação entre usinas existentes e novas em lotes diferentes poderiam, assim, reduzir o risco do primeiro produto não ter muitos interessados – uma vez que o segundo lote (com contratos de 15 anos) é mais atraente.
Com o aumento da competitividade das renováveis e o enfraquecimento da demanda das distribuidoras nos tradicionais leilões de energia nova, os leilões de reserva – bem como as as térmicas locacionais (chamadas assim por serem contratadas em regiões pré-determinadas) – se tornaram a grande oportunidade para as térmicas a gás.
O leilão de reserva desponta como a primeira grande oportunidade para contratação de termelétricas a gás em Lula 3.
Térmicas a óleo tentam antecipar prazos
Na disputa entre as diferentes fontes, as usinas a óleo pedem ao governo a criação de um produto termelétrico para 2026 e que elas não sejam, claro, impedidas de participar.
O pleito foi compartilhado por agentes como a Termocabo e Termonorte – que pede, inclusive, um lote para 2025.
O MME já vinha sinalizando o papel que as usinas existentes e descontratadas têm a cumprir na disputa – são ativos já amortizados, mais competitivos no curto prazo para entrada em operação e necessários para suprir o déficit de potência.
O secretário Nacional de Transição Energética e Planejamento do MME, Thiago Barral, reforçou, em julho, a vantagem das usinas com contratos por vencer:
“Um grande conjunto de termelétricas que serviram ao sistema nos últimos 20 anos e os contratos vão vencendo. A gente precisa ver se são ativos amortizados, com boa flexibilidade. Embora possam ser combustíveis fósseis, têm um papel a cumprir nesse processo de transição energética”, afirmou, em audiência na Câmara dos Deputados.
Assunto que interessa não só aos debates sobre o planejamento do setor elétrico, mas que guarda relação direta também com o futuro do mercado de gás: a retirada das usinas hoje conectadas na malha de gasodutos tende a onerar as tarifas de transporte, já consideradas altas.
Na semana passada, o presidente da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget), Xisto Vieira, disse que a quantidade de térmicas sem contratos nos próximos meses.
“Nós já temos cerca de 8 GW de térmicas sem contrato, e até o período deste leilão outros 10,5 GW devem estar descontratados. Para fazer o leilão ainda em 2024, vão ter que simplificar algum processo burocrático”, defendeu.
Ministro vê espaço para térmicas novas e existentes
Esta semana, o ministro reforçou a intenção de contratar térmicas. Disse que é “inquestionável” a necessidade de realizar o leilão de reserva de capacidade.
Tanto para usinas novas quanto para as já existentes.
“Há uma previsão de que nosso parque térmico gira em torno de 19 GW a 21 GW e estamos prevendo que até 2034 vamos precisar de mais 34 GW de térmicas, mais do que o dobro dos parque térmico que temos hoje”, disse o ministro, em entrevista ao Brazil Journal.
Leilão deve ficar para 2025
Fontes do Ministério de Minas e Energia apontam que haverá uma dificuldade para concluir os trâmites necessários para o certame ocorrer nos meses restantes de 2024.
A expectativa inicial era que o certame fosse realizado em agosto. Ainda há uma série de ritos de praxe que precisam ser cumpridos e podem levar até 105 dias, mas que, eventualmente, poderiam ser encurtados.
O risco da demora é criar insegurança para o sistema na segunda metade da década.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que o sistema elétrico brasileiro vai precisar de oferta adicional de potência já a partir de 2027, com necessidade adicional de 5,5 GW em 2028.
A EPE calcula que, num cenário base, serão retiradas do sistema, ao longo do horizonte decenal, cerca de 14,5 GW de termelétricas de diferentes fontes, com destaque para as usinas a gás.