De toda a energia entregue pelas distribuidoras, os furtos representaram 15,75% do mercado de baixa tensão em 2023. Segundo os dados mais recentes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), houve um crescimento nas chamadas perdas não-técnicas, que, em 2022, corresponderam a 14,8% da geração.
O limite regulatório previsto pela agência para 2023 foi de 11,2%. Na prática, isso significa que no ciclo tarifário seguinte, quando a Aneel recalcular as tarifas de cada distribuidora, a tendência é de necessidade de aumento dos valores para os demais consumidores nas concessões que ficaram acima do limite regulatório, de modo a compensar as perdas maiores do que o esperado.
O percentual de “gatos de energia” no ano passado se aproximou do nível registrado em 2020, ano em que se iniciou a pandemia do covid-19. Consequentemente, houve mais dificuldades financeiras para a população, o que pode explicar o aumento nos furtos.
Os números são menores quando incluídos também os índices de perdas não-técnicas da média e da alta tensão. Nesse cenário, os furtos totalizaram 6,7% da energia total entregue em 2023.
Entenda os impactos dos gatos de energia:
Quais distribuidoras têm mais furtos?
A Amazonas Energia é a distribuidora do país com os maiores níveis de furtos. Nessa área de concessão, os “gatos” chegaram a 119,8% na baixa tensão em 2023.
Em outubro de 2023, a Aneel autorizou, por força de decisão judicial, a transferência da distribuidora amazonense à Âmbar Energia, do grupo J&F.
A CEA Equatorial, do Amapá, foi a segunda colocada, com 67,4%. A Light também enfrenta problemas com os furtos e totaliza 65,3% nas medições do ano passado. A concessionária carioca está em recuperação judicial desde maio de 2023.
Já os menores índices são da Cooperaliança, que atende à região de Içara em Santa Catarina, da Energisa Minas Gerais, e da Energisa Sul-Sudeste, que abrange clientes de São Paulo, Minas Gerais e Paraná.
O “gato” de energia é crime?
Sim. Desviar a energia elétrica da rede sem pagar é crime e pode ser enquadrado como furto ou como estelionato. No caso de denúncia por furto, previsto no art. 155, do Código Penal, a pena é de reclusão de um a quatro anos e multa. Já o crime de estelionato, previsto no artigo 171, do mesmo código, a pena poderá ser de reclusão de um a cinco anos e multa.
O que são perdas técnicas e não técnicas?
As perdas técnicas são aquelas que ocorrem durante a operação normal de uma rede de distribuição de energia elétrica. Nenhum sistema de distribuição do mundo transmite 100% da eletricidade por transformadores, ramais de ligação e medidores de baixa, média e alta tensão sem que parte seja perdida. A Aneel aplica um modelo para calcular qual a perda de um sistema eficiente e considera esse valor no cálculo da tarifa.
As perdas não técnicas são a diferença entre as perdas técnicas e as perdas totais. Normalmente equivalem à energia furtada.
O furto encarece as contas de luz?
Sim. As distribuidoras compram a energia das geradoras para atender aos consumidores. Quando alguém rouba parte dessa energia, a distribuidora deixa de receber pelo investimento que fez. Pela lei, no entanto, a empresa não pode assumir todo o prejuízo.
A Aneel, que regula a distribuição de energia, estabelece um limite para definir até que ponto o valor não faturado é assumido pela própria concessionária – o limite de perda não técnica regulatória. Isso visa incentivar a companhia a atuar para reduzir essas perdas.
Mas, quando as perdas reais ultrapassam esse limite, é necessário aumentar o preço da energia para todos os consumidores, de modo a evitar que o negócio deixe de ser lucrativo para a concessionária. Esses repasses ocorrem em ciclos de quatro a cinco anos, a depender da distribuidora, nas revisões tarifárias periódicas.
Quais os outros impactos dos “gatos”?
O furto de energia pode ocorrer por meio de uma ligação clandestina na rede ou uma adulteração do medidor de energia. Como o sistema é projetado de modo a suportar um determinado consumo esperado, as demandas não dimensionadas podem levar a sobrecargas e desligamento de equipamentos.
Além disso, o manejo da rede elétrica deve ser feito por profissionais capacitados, com os equipamentos adequados. Por isso, quando uma pessoa leiga manipula os cabos, há risco de choques elétricos e incêndios. O risco se estende para além da própria pessoa que está manuseando a rede, pois pode haver uma energização dos cabos de telefone e internet.
Há registros de acidentes fatais em tentativas de “gatos”.
Há relação entre furtos de energia e inadimplência?
A inadimplência, ou seja, o não pagamento das faturas de luz, pode ser um indicador de um aumento dos furtos, por isso, as distribuidoras costumam combater esses dois problemas de forma conjunta. Isso ocorre porque a inadimplência indica o impacto que a conta de luz está tendo no bolso do consumidor.
Segundo Mracos Madureira, da Abradee, os níveis de inadimplência aumentaram no país depois da pandemia. Apesar de já ter recuado, o índice ainda está acima do registrado antes da crise sanitária.
O que tem sido feito para combater o problema?
Para além das inspeções tradicionais, as distribuidoras têm usado a tecnologia para ajudar a detectar e corrigir as fraudes. Softwares de inteligência de mercado, por meio da análise de dados, ajudam a avaliar a variação do consumo em uma unidade e comparar com clientes similares.
Outras medidas são o uso de blindagens e a instalação de sensores na rede que identificam o volume de energia que de fato está passando pelos cabos, para comparação com o volume faturado. Além disso, a substituição dos medidores analógicos pelos medidores inteligentes ajuda a identificar desvios de energia.
O furto de energia é crime no Brasil, mas especialistas apontam que é necessário ampliar o rigor no cumprimento da lei.