A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ficou dividida, na reunião desta semana, sobre o pedido da Light para diferir a redução tarifária que conduziria, conforme os cálculos do regulador, a um efeito médio de cerca de -12% em 2025.
Com base no diferimento autorizado pela Aneel à Copel-DIS no ano passado, a distribuidora argumentou que, nos próximos dois anos, poderiam ocorrer aumentos tarifários expressivos que resultariam numa volatidade indesejada pelos consumidores.
Por isso, solicitou à agência que fosse realizado um empréstimo pelos consumidores de R$ 1,6 bilhão (valor total em causa no processo tarifário), que serviria como um “colchão” para amortecer possíveis elevações futuras de custos.
A divisão do colegiado se deu sobre o montante a ser diferido, e não sobre o diferimento em si. Na argumentação apresentada, foi colocado que, como existem incertezas na projeção tarifária que norteia a proposta, o diferimento total do reajuste poderia ocasionar, nos próximos anos, uma volatilidade ainda maior para os consumidores do que a indicada incialmente nos estudos realizados pela área técnica da Aneel.
Essas incertezas são associadas, por exemplo, a possíveis efeitos de ações ainda em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da devolução dos créditos de PIS e Cofins.
No sentido de minimizar possíveis riscos no caso de um diferimento equivocado devido a uma frustração na previsão tarifária, a diretora Ludimila Lima da Silva defendeu o acolhimento parcial do pedido da Light, diferindo positivamente R$ 850 milhões, o que resultaria em um efeito médio de -5,76% em 2025 nas tarifas da distribuidora carioca.
As projeções tarifárias têm de ser avaliadas cuidadosamente nesse contexto. Afinal, se uma projeção é capaz de modificar um evento de reposicionamento tarifário, sua imparcialidade precisa ser inquestionável, sob o risco de questionamentos quanto à idoneidade e à lisura dos diferimentos concedidos.
“A prática do diferimento pode inaugurar ‘uma nova era para a agência’, como exaltou o diretor-geral Sandoval Feitosa na última reunião do colegiado. Mas isso não pode comprometer as bases técnicas que sempre pautaram o seu trabalho.”
Nos dois casos concretos em questão — Copel-DIS e Light —, as distribuidoras apresentaram seus pedidos de diferimentos positivos tendo como base suas próprias expectativas de custos futuros da prestação dos serviços de distribuição.
Como uma projeção tarifária é sempre baseada em expectativas, é importante que os cenários utilizados sejam validados pelo regulador, com as devidas transparência e consistência técnica. Afinal, a qualidade de uma projeção está diretamente relacionada à das premissas utilizadas. Também merecem destaque as incertezas dos parâmetros considerados no estudo.
Nesse sentido, a pertinência da preocupação manifestada pela diretora é inquestionável, haja visto o risco associado a um diferimento à custa da renúncia de um benefício concreto e imediato do consumidor que, a depender da trajetória tarifária que venha efetivamente a ocorrer no futuro próximo, resulte numa volatilidade de valores ainda maior do que a esperada para 2025.
No contexto macroeconômico atual, a criação de cenários tarifários tornou-se uma prática essencial para lidar com a incerteza inerente aos parâmetros de cálculo. A volatilidade dos preços de energia, as mudanças regulatórias e as variações nos indicadores macroeconômicos são apenas alguns dos fatores que podem impactar significativamente as tarifas.
Para se ter uma ideia dessa complexidade, a TR Soluções quantificou mais de 2 mil alternativas de projeções da variação das tarifas da Light.
Além dos mais de 140 parâmetros de cálculo considerados em seu cenário-base, a empresa levou em conta três cenários de reversão de créditos tributários, quatro da hidrologia: comportamento do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD); Custo Marginal de Operação (CMO); Energia Armazenada (EAR); e risco hidrológico). E três possibilidades para cada um dos principais indicadores macroeconômicos (IPCA; IGP-M; Selic; câmbio e PIB) — valor central, limite superior e limite inferior —, cuja combinação resulta no total de cenários mencionado.
No cenário base da consultoria, por exemplo, após uma redução de 12% em 2025, seria observada uma queda adicional de 4% em 2026 e uma elevação de 7% em 2027.
Num universo como esse, parece não fazer sentido que haja um diferimento tarifário positivo para a Light em 2025. Destaque ainda para o fato de que, em meio às incertezas e a diversidade de trajetórias tarifárias possíveis, a decisão regulatória sobre o assunto deve ser tomada com base em critérios técnicos sólidos e na validação criteriosa das premissas utilizadas.
A transparência e a imparcialidade na construção dessas projeções são fundamentais para garantir que os consumidores não sejam onerados por uma medida que, ao invés de evitar volatilidade, possa agravá-la nos anos seguintes.
A prática do diferimento pode inaugurar “uma nova era para a agência”, como exaltou o diretor-geral Sandoval Feitosa na última reunião do colegiado. Mas isso não pode comprometer as bases técnicas que sempre pautaram o seu trabalho: o órgão regulador tem de assegurar que decisões dessa magnitude estejam ancoradas em fundamentos robustos e com total transparência, protegendo o equilíbrio entre sustentabilidade financeira das distribuidoras e justiça tarifária para os consumidores.
Paulo Steele é sócio-administrador da TR Soluções.
Helder Sousa é diretor de Regulação da TR Soluções.