A próxima gestão do governo federal a partir do ano que vem terá de lidar com aumento da tarifa de energia elétrica, após contratações feitas para garantir o suprimento durante a crise hídrica de 2021.
E terá que enfrentar questões de revisão do setor elétrico, caso queira buscar soluções estruturais para as contas mais caras.
É o que alertam especialistas no setor de energia do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Eles indicam que os candidatos à Presidência da República devem se sensibilizar para entender que não há soluções mágicas para um problema estrutural que passa por muitos aspectos do setor elétrico.
“Não adianta vender uma imagem falsa de que a gente tem solução de curto prazo. As soluções são demoradas e custosas. Não se resolve um problema se você não tem um bom diagnóstico do problema”, defendeu o ex-diretor do ONS, Luiz Eduardo Barata.
Para ele, vale inclusive rever o planejamento que tem sido feito nos últimos anos, como a decisão do governo federal em sancionar a prorrogação do subsídio ao carvão e a previsão de contratação de 8 GW de térmicas à gás, incluídas na lei de privatização da Eletrobras.
“Todas as medidas feitas por esse governo são para aumentar a tarifa”, criticou Barata.
Empréstimos para rolar custo da crise
Os principais custos para o consumidor a partir do próximo ano, além do encarecimento da geração pela maior contratação de térmicas, está no pagamento dos empréstimos às distribuidoras feito em 2019, com a Conta-COVID, e mais recentemente com a criação da Conta-Escassez Hídrica.
O pagamento das duas operações se estenderá pelos próximos anos e deve pressionar a conta de luz dos consumidores.
A bandeira-escassez hídrica foi estabelecida no ano passado para custear a maior importação de energia e pagar uma geração mais cara com despacho imediato. Mas ela não foi suficiente para suprir a necessidade das distribuidoras, mesmo com o início das chuvas e o aumento do volume dos reservatórios das hidrelétricas.
Com isso, no final de 2021 o governo editou uma medida provisória para estabelecer um novo empréstimo às distribuidoras.
As ações que precisam ser feitas no futuro, segundo o coordenador de Energia do iCS, Roberto Kishinami, passam por limitar o uso de fósseis para geração de energia, por serem mais onerosas para a conta de luz, e estimular a eficiência energética.
Os especialistas apontam que o Brasil não tem aplicado uma política concreta de eficiência energética.
Desde 1985, o país conta com o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), mas os dados de redução do consumo estacionaram desde 2017. Entre 2018 e 2020, o programa conseguiu ganhos entre 23 e 22 bilhões de kWh.
“As recentes crises hídricas mostram uma incerteza que vem junto com a crise climática e o setor elétrico vai ter que se adaptar a isso. A eficiência energética é uma medida de competitividade econômica, não é para resolver crise”, defendeu Kishinami.
Outro ponto sugerido faz parte uma revisão do modelo de operação e comercialização de energia, com foco na mudança por uma tarifação progressiva da energia elétrica.
Uma das opções seria, por exemplo, a separação do custo de uso da infraestrutura do fornecimento de energia com preços diferentes por faixa de consumo — que poderia gerar uma isenção para os mais pobres e uma cobrança maior dos consumidores mais ricos.
Rateio dos custos de inadimplência
O Idec, de defesa do consumidor, defendeu a mudança de como é feito o pagamento da inadimplência das contas de luz.
Atualmente, as distribuidoras dividem por todos os consumidores, de maneira igual, os recursos que não foram pagos pela inadimplência das contas de luz — com exceção apenas dos consumidores da Tarifa Social.
“Não há uma maneira de fazer esse cálculo seja diferenciado?”, questiona o consultor do Idec, Clauber Leite.
Segundo dados da Aneel, a classe residencial de baixa renda é a que acumula maior nível de inadimplência. Em 2021, cerca de 39,4% das famílias deixaram de pagar pelo menos um mês das contas de luz.
“No mundo inteiro há discussão sobre precificação energética. Não dá para resolver tudo com transferência de renda. Não é caridade, é antes de tudo uma medida econômica e problema do modelo quando você tem 40% dos consumidores com dificuldade para pagar a conta”, finalizou o coordenador do iCS.
Conta pesa mais para famílias mais pobres
Os recentes aumentos na conta de luz têm peso maior para famílias mais pobres. Segundo pesquisa do Ipec divulgada em janeiro, quanto menor é a renda familiar, maior é a proporção da renda usada para arcar com o pagamento da conta de luz e do gás.
Quatro em cada dez brasileiros usa pelo menos metade da renda familiar para pagar as contas de energia — o botijão de gás foi considerado o maior vilão do aumento de gastos pelos entrevistados.
Cerca de 22% das famílias entrevistadas pelo instituto relataram deixar de comprar alimentos básicos, como arroz e feijão, para poder pagar a conta de luz, ainda segundo os dados.
“Os 10% mais ricos consomem duas vezes e meia mais eletricidade do que os 10% mais pobres, mas a renda deles é 44 vezes maior. A conta de luz, portanto, não explode no bolso das parcelas mais ricas”, explica a economista e doutora em Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, Paula Bezerra.
A pesquisadora cita ainda que agências internacionais considerado uma pessoa “energeticamente pobre” quem precisa gastar mais de 10% da renda com energia, uma situação que já englobava mais um quinto da população brasileira em 2018.
Debate é político
O coordenador de Energia do iCS, Roberto Kishinami, avalia que há de fato um aumento da tarifa em relação à inflação, com significativo aumento nos últimos dois anos por conta do aumento do preço da geração de energia com maior uso de fontes fósseis.
Os cálculos feitos pelo instituto não levam em consideração ainda o efeito da crise hídrica, através dos empréstimos e da bandeira tarifária excepcional.
“É um aumento estrutural de preços que tem principalmente fatores de política pública local, como subsídios colocados na conta de energia elétrica”, explica o coordenador.
Para o ex-diretor do ONS, Luiz Eduardo Barata, a questão precisa ser discutida desde o início, como por exemplo a fonte de pagamento dos benefícios.
Ele questiona que muitos programas são custeados pelo próprio consumidor, como a iniciativa de redução voluntária para os consumidores cativos feita pelo governo no ano passado, e talvez devessem vir de recursos da União.
“É uma discussão política que precisa ser posta na pauta. Faz-se muita justiça social com o bolso do consumidor”.