O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) deu um importante passo na diversificação energética brasileira ao lançar o Programa Nacional de Energia Geotérmica (Progeo), aprovado na última reunião, em 1° de outubro, que reconhece o potencial caminho de aproveitamento dos recursos energéticos geotérmicos.
Essa iniciativa pode estimular a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias que permitam utilizar o calor proveniente do interior da Terra para gerar energia elétrica e calor útil para uso industrial ou em edificações, seguindo uma tendência observada no mundo e, em particular, em países da América Latina.
Com essa medida, o Brasil abre perspectivas de avanços no aproveitamento de uma nova fronteira energética, caracterizada por emissões substancialmente inferiores às fontes fósseis e elevada competitividade frente às demais renováveis.
Tal avanço reforça a diversificação da matriz elétrica nacional e amplia a resiliência do sistema, contribuindo de forma decisiva para enfrentar o trilema energético: assegurar a sustentabilidade ambiental, promover a equidade no acesso e garantir a segurança energética do país.
De fato, o IPCC destaca a energia geotérmica como uma das fontes renováveis capazes de contribuir significativamente para a redução dessas emissões até 2030 garantindo o suprimento de energia elétrica.
Estima-se que seu potencial de mitigação de emissões de gases de efeito estufa (GEE) alcance até 1,0 GtCO2 equivalente ao ano, com custos variando entre US$ 50 a 100 por tCO2 equivalente ao ano, o que posiciona a geotermia como uma alternativa acessível frente a outras fontes de energia renovável [1].
Da mesma forma, a energia geotérmica pode e deve desempenhar um papel mais relevante no atendimento às necessidades globais de energia, ajudando a combater as mudanças climáticas e impulsionando a transição energética para uma economia de energia verde, não apenas na geração de eletricidade, mas também nos setores de aquecimento e resfriamento [2].
Nas últimas décadas, a adoção global de energia de baixo carbono cresceu significativamente.
Entre as várias fontes de energia de baixo carbono, os recursos geotérmicos destacam-se por serem uma opção confiável, diante da alta disponibilidade dos ciclos de geração térmicos, e previsível de forma determinística, tanto para a geração de calor e quanto de eletricidade.
O calor geotérmico é derivado da energia térmica interna da Terra, que pode atingir temperaturas superiores a 200°C. Além disso, seu potencial para aplicações em cascata amplia ainda mais sua atratividade, permitindo o aproveitamento integrado de vapor para aquecimento, resfriamento por ciclos de absorção de calor e fornecimento de energia elétrica.
Recentemente, inovações tecnológicas têm impulsionado o setor, com avanços no armazenamento subterrâneo de energia térmica, que pode ser associado à captura de CO2, e na extração de minerais críticos a partir de águas geotérmicas mineralizadas, promovendo maior sustentabilidade nos sistemas energéticos baseados nesta fonte renovável.
Outros exemplos de inovação são os Sistemas Geotérmicos Aprimorados (EGS), que estimulam artificialmente os reservatórios geotérmicos, os sistemas de rocha seca quente (HDR), nos quais não é necessária a existência de água natural no reservatório, e sistemas que aproveitam o calor de baixa temperatura em ciclos Rankine Orgânicos.
Essas opções tecnológicas para a energia geotermal expandem as possibilidades de seu aproveitamento para regiões onde ela não era percebida como tecnicamente viável.
No entanto, apesar de seus benefícios comprovados, seu significativo potencial e as sinergias entre sua cadeia de valor e as atividades upstream do setor de O&G, altamente desenvolvidas no Brasil, a energia geotérmica ainda tem recebido estímulo limitado por parte das políticas públicas brasileiras.
Ao analisar as emissões do ciclo de vida de projetos de geração de energia elétrica, as estimativas para diferentes fontes de energia variam significativamente. De acordo com dados do NREL [3], as emissões do ciclo de vida de projetos geotérmicos variam entre 6 e 220 gCO2-eq/kWh.
Para comparação, sistemas solares fotovoltaicos apresentam variação de 9 a 210 gCO2-eq/kWh e a energia eólica onshore, de 4 a 80 gCO2-eq/kWh. Já as fontes fósseis, como gás natural, óleo e carvão, apresentam médias significativamente mais altas, com 400, 800 e 1.000 gCO2-eq/kWh, respectivamente.
Esses dados demonstram que a energia geotérmica tem emissões inferiores às fontes fósseis e pode ser competitiva em relação às demais fontes renováveis.
Do ponto de vista econômico, a energia geotérmica destaca-se entre as tecnologias de geração despachável — ou seja, aquelas capazes de fornecer eletricidade de forma contínua e sob demanda.
De fato, plantas geotérmicas de geração de energia elétrica possuem altos fatores de capacidade, que superam significativamente os de muitas outras fontes de energia renovável, servindo também como uma fonte de energia estabilizadora dos sistemas elétricos integrado [4].
Na última década, o parque de plantas geotérmicas global demonstrou fatores de capacidade notáveis, com média entre 70% e 80%, podendo chegar a 95%. Na Nova Zelândia, a energia geotérmica ultrapassou o gás natural como fonte de eletricidade em 2014, tornando-se o segundo maior contribuinte para a geração de eletricidade do país.
Com relação ao custo nivelado de geração de eletricidade (LCOE), em 2024, o LCOE médio global dessa fonte atingiu US$ 0,060/kWh, representando uma significativa redução em relação aos US$ 0,072/kWh registrados em 2023, conforme dados da Irena [5].
Projetos desenvolvidos em regiões com condições geológicas favoráveis, como Indonésia, Estados Unidos e África Oriental, conseguiram gerar eletricidade a custos ainda menores do que os custos de fontes fósseis convencionais.
Um exemplo notável é a Turquia, onde o LCOE da geotermia chegou a US$ 0,033/kWh em 2024, resultado das características dos recursos e de massivos investimentos em desenvolvimento, pesquisa e infraestrutura geotérmica. Para fins comparativos, o custo nivelado global da energia solar fotovoltaica foi de US$ 0,042/kWh no mesmo ano, mostrando que, em locais estratégicos, a geotermia pode ser ainda mais competitiva.
Não só o Brasil tem percebido a importância da geotérmica. Países com grande consumo de energia e relevantes em emissões de gases de efeito estufa têm dedicado esforços significativos ao desenvolvimento da energia geotérmica por meio de políticas públicas inovadoras.
Nos Estados Unidos, destaca-se o programa Gedor, lançado em 2023 com apoio do Departamento de Energia, que visa incentivar a integração das tecnologias da indústria do petróleo à geotermia, almejando a redução dos custos dos sistemas geotérmicos aprimorados.
Na China, políticas específicas promovem a aplicação da geotermia para mitigar emissões de gases de efeito estufa, com destaque para projetos em regiões do norte do país, que substituem o uso de combustíveis fósseis por aquecimento geotérmico.
Ademais, o Ministério de Novas Energias e Renováveis (MNRE) da Índia publicou em setembro de 2025 a primeira Política Nacional de Energia Geotérmica, estabelecendo um marco inicial para a exploração e o desenvolvimento desses recursos. A política projeta a energia geotérmica como pilar relevante da matriz renovável do país, alinhada à meta de emissões líquidas zero até 2070 [6].
No Brasil, os recursos geotérmicos onshore tendem a ser de baixas temperaturas e têm sido utilizados predominantemente de forma direta para fins recreativos, como comprovam as estâncias hidrotermais de Caldas Novas (GO), Mossoró (RN) e Olímpia (SP).
Por sua vez, aproveitamentos para aplicações industriais foram relatados em regiões como Santa Catarina, São Paulo e na bacia de Taubaté.
Contudo, a escassez de informações sobre o potencial geotérmico nacional reflete diretamente a ausência de políticas públicas específicas para o setor, traduzida na falta de chamadas específicas de P&D, linhas de financiamento, investimentos públicos e incentivos fiscais direcionados a projetos geotérmicos.
Apesar desse quadro, iniciativas institucionais como o Progeo certamente irão suscitar expectativas quanto ao avanço do aproveitamento dos recursos geotermais no país, sempre considerando as particularidades geológicas brasileiras.
Assim, o potencial de expansão da geotermia dependerá tanto do acesso e desenvolvimento de tecnologias adequadas quanto da capacidade de estabelecer sinergias com setores consolidados, em particular a indústria petrolífera, que pode oferecer expertise e infraestrutura para viabilizar projetos de maior escala, especialmente em ambientes offshore.
Com efeito, não obstante a escassez de projetos de exploração geotérmica no Brasil, a Petrobras demonstrou interesse nessa área, integrando, há mais de quinze anos, estudos prospectivos do potencial geotérmico ao seu conjunto de tecnologias com foco no uso direto do gradiente geotérmico para a geração de vapor d’água aplicável às operações petrolíferas de recuperação avançada no Rio Grande do Norte [7].
Em 2024, essa agenda recebeu novo impulso com o estabelecimento de um programa de cooperação técnica entre a GA Drilling, referência em perfuração de poços para campos geotérmicos, e a Petrobras, por meio de seu centro de pesquisa e inovação.
Embora ainda não tenha resultado em campanhas de perfuração de prospectos geotérmicos, tal parceria sinaliza a possibilidade de integrar tecnologias avançadas de perfuração e soluções de alta eficiência da GA Drilling ao conhecimento acumulado da Petrobras em geologia-geofísica, caracterização de reservatórios e operações no Brasil.
Essa potencial sinergia pode acelerar avaliações da viabilidade técnico-econômica de projetos geotérmicos, contribuir para a redução de custos, riscos operacionais e fomentar a diversificação da matriz energética.
Abre perspectivas para operações de reentrada em poços, descarbonização de operações e integração com a infraestrutura existente da indústria de óleo e gás, inclusive para redirecionamento de instalações petrolíferas diante do seu descomissionamento.
De fato, a geotermia oferece a oportunidade de reaproveitar a infraestrutura petrolífera existente — como poços, plataformas, tecnologias e equipamentos — para a geração de energia útil, alinhando-se a uma tendência global de buscar alternativas para o retrofit em campos de petróleo prestes a serem descomissionados ou que serão desativados em breve.
Essa estratégia pode reduzir significativamente custos de capital e prazos de implantação, ao mesmo tempo em que mitiga passivos ambientais e sociais associados ao abandono de poços em terra e no mar.
Além de prolongar a vida útil de ativos já amortizados, o aproveitamento de competências técnicas e cadeias de suprimento consolidadas do setor de óleo e gás favorece a escalabilidade e a confiabilidade dos projetos geotérmicos, e mantém empregos em áreas produtoras de óleo e gás.
No entanto, para que esse retrofit ocorra, persistem desafios relevantes, como a verificação da integridade dos poços, a adequação dos materiais a gradientes térmicos elevados, a gestão de corrosão e incrustações, e a harmonização regulatória para novas finalidades energéticas.
O setor de O&G (operadoras e empresas de serviços) e as universidades e centros de pesquisas, com sua história de sucesso no desenvolvimento do upstream nacional, têm condições de superar esses desafios, desde que estimulados para tal.
Com isto o Progeo, abre a perspectiva de estimar de forma sistemática os recursos geotérmicos brasileiros, bem como de estimular investimentos em pesquisa e em projetos-piloto de sistemas geotérmicos aprimorados (EGS) e retrofit de campos de petróleo para geotermia.
Esse movimento pode alçar o Brasil a patamares disruptivos em energias renováveis, reduzindo a dependência externa de tecnologias críticas e fortalecendo a soberania tecnológica. Ao direcionar esforços para a geotermia, o país diversifica ainda mais sua matriz energética, promove inovação e consolida novas cadeias de valor.
A Petrobras, detentora de profundo conhecimento da geologia brasileira e de ampla experiência em operações de plantas termelétricas, está particularmente bem posicionada para contribuir neste processo. Isso vale para universidades e centros de pesquisa que têm apoiado a Petrobras em desenvolvimentos tecnológicos para o upstream.
Paulo Henrique Gulelmo Souza é geofísico sênior na Petrobras e mestrando em Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).
Suzana Borschiver é professora titular da Escola de Química da UFRJ.
Alexandre Szklo é professor titular da Coppe/UFRJ.
Referências
[1] IPCC, 2022. Climate Change Mitigation of Climate Change. Working Group III. Contribution to the Sixth Assessment Report. <https://www.ipcc.ch>. Disponível em outubro de 2025.
[2] IRENA AND IGA, 2023. Global geothermal market and technology assessment. Abu Dhabi: International Renewable Energy Agency; International Geothermal Association, 2023.
[3] NREL, 2021. Geothermal Power Systems Analysis: Outcome of Industry Stakeholders Workshop. <https://www.nrel.gov/docs/fy25osti/90784.pdf>. Disponível em outubro de 2025.
[4] IEA, 2025. Technology Roadmap: Geothermal Heat and Power. <https://iea.blob.core.windows.net/assets/f108d75f-302d-42ca-9542-458eea569f5d/Geothermal_Roadmap.pdf>. Disponível em outubro de 2025.
[5] IRENA, 2025. IRENASTAT Online Data Query Tool. <https://pxweb.irena.org/pxweb/es/IRENASTAT/IRENASTAT__Power%20Capacity%20and%20Generation/Country_ELECSTAT_2025_H2_PX.px>. Disponível em outubro de 2025.
[6] ThinkGeoenergy, 2025. India publishes National Policy setting a framework for geothermal development. <https://www.thinkgeoenergy.com/india-publishes-national-policy-setting-a-framework-for-geothermal-development>. Disponível em outubro de 2025.
[7] BRANCO, R. C. et al, 2005. Petrobras Technological Development For Climate Change Mitigation. Em: 18th World Petroleum Congress, Johannesburg. Johannesburg: WPC, 25 set. 2005.
Offshore Geothermal Energy Perspectives: Hotspots and Challenges. Resources 2025, 14(7), 103. <https://doi.org/10.3390/resources14070103>. Disponível em outubro de 2025.