Energia

Perspectivas do setor elétrico para 2024

Equilíbrio entre modernização, sustentabilidade e segurança energética deverá ser cuidadosamente alinhado, escreve João Carlos Mello

Funcionário da Light faz manutenção na rede de distribuição de energia (Foto: Divulgação)
Funcionário da Light faz manutenção na rede de distribuição de energia (Foto: Divulgação)

O ano de 2024 abrigará uma agenda de importantes desafios e transformações no setor elétrico brasileiro. A retomada da flexibilização do mercado, com novas levas de consumidores sendo habilitados para migrar para o mercado livre, e a renovação das concessões das distribuidoras, a primeira desde o processo de privatização na década de 90, são uma amostra da importância das mudanças que estarão no calendário deste ano.

As transformações têm impacto imediato: já em 1º de janeiro, os benefícios do mercado livre de energia serão estendidos aos consumidores do Grupo A, abrindo uma rota de migração com potencial para atrair milhares de novos consumidores.

Essa abertura será um grande passo na consolidação do ambiente de comercialização livre e poderá funcionar como um “laboratório” eficaz para que o mercado faça os ajustes necessários para o futuro, quando a liberdade de escolha do fornecedor de energia será estendida a todas as categorias de consumo.

O potencial de incremento do mercado livre é significativo: são quase 70 milhões de unidades consumidoras que poderão migrar para esse ambiente quando a abertura total ocorrer. De acordo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), agora em janeiro cerca de 72 mil consumidores da alta tensão estarão aptos a realizarem essa mudança.

Se representam grandes oportunidades para as comercializadoras, os números impõem desafios a todos os envolvidos. As comercializadoras deverão demonstrar agilidade na incorporação da função de agente comercializador varejista em uma escala bastante ampliada.

A CCEE, por sua vez, terá de lidar com uma pulverização do mercado, ampliando o desafio de administrar e garantir a segurança das operações.

Às distribuidoras caberá lidar com um número maior de desligamentos e com a correspondente redução de receitas.

Os contratos legados precisam ser compensados e é essencial que o setor evite ao máximo novas compras no modelo regulado, para que o volume não aumente. A partir de janeiro, será possível conferir se os preparativos para esse cenário foram suficientes para evitar sobressaltos.

Renovação das concessões

De 2025 a 2031, 20 contratos de concessão de distribuidoras de energia, que representam cerca de 60% do mercado, deverão passar por um processo de renovação.

O Ministério de Minas e Energia encaminhou ao Tribunal de Contas da União (TCU), em setembro deste ano, as propostas para a renovação dos contratos, o que abrangeu contrapartidas sociais para a renovação.

Entre as regras propostas, não está incluído o pagamento de outorga pelas companhias.

A liquidação antecipada da outorga pelos agentes não seria positivo para o mercado, pois teria como efeito onerar os players e afetar novos investimentos em modernização e melhorias no atendimento.

A exigência de contrapartidas sociais pode ser positiva, desde que se tenha uma definição efetiva da origem da receita e do financiamento, evitando-se, com isso, infligir ônus ao acionista e ao consumidor.

Defendemos, desde o início das discussões, a manutenção dos contratos firmados nos anos 90. Entre os benefícios da preservação das regras definidas nas privatizações está manter um nível de regulação que tem assegurado a qualidade no fornecimento de energia.

Leilões de energia

A realização do segundo leilão de reserva de capacidade, previsto para o primeiro semestre de 2024, será outro acontecimento relevante.

Com a maior participação de fontes de geração intermitentes na matriz elétrica, a presença de instrumentos para oferecer segurança ao sistema é sempre bem-vinda.

Houve, no setor, quem se manifestasse contra a presença de hidrelétricas entre as usinas a serem ofertadas nesse remate. Acreditamos que a qualidade das fontes tradicionais – hidrelétrica e térmica – é essencial para oferecer segurança à operação do sistema.

A crescente eletrificação de vários segmentos da economia, como a mobilidade, deverá impactar o mercado já em 2024.

Com o potencial crescimento da frota de veículos elétricos, são esperadas a ampliação e a descentralização do consumo de eletricidade.

O órgão regulador precisa ficar atento, garantindo que o movimento pela busca da transição energética seja realizado sem tropeços e com eficiência.

Com as fontes renováveis em evidência, o gás natural também representa um ponto de discussão para 2024. Somente a Petrobras e a Equinor deverão proporcionar, nos próximos anos, uma capacidade adicional de 50 milhões m³/dia de escoamento de gás natural, boa parte em suas posições no pré-sal.

Como inserir esse energético na matriz brasileira, considerando-se uma conjuntura marcada pela discussão envolvendo a transição energética?

Fica evidente que, com a abundância de reservas existentes no Brasil, e diante de tecnologias disponíveis para reduzir e mitigar a emissão de gases de efeito estufa, não se pode deixar de considerar o gás natural nas discussões visando a expansão do parque gerador.

Tendo atingido uma capacidade instalada de 25 gigawatts (GW), a geração distribuída, que se ampara principalmente na geração fotovoltaica, continua no centro dos debates.

Após longa discussão a respeito dos subsídios oferecidos à disseminação desse sistema de produção de energia, a questão que deve pautar 2024 se relaciona com aspectos operacionais.

Fazer a gestão de forma eficiente de um sistema tão pulverizado é um desafio para planejadores e operadores do setor elétrico brasileiro.

Diante das transformações esperadas, o ano que se aproxima será um período em que o equilíbrio entre modernização, sustentabilidade e segurança energética deverá ser cuidadosamente alinhado.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.   

João Carlos de Oliveira Mello é CEO da Thymos Energia e diretor-presidente do Cigre-Brasil, onde atuou também como coordenador do comitê de estudos C5 – mercados de eletricidade e regulação.

É doutor e mestre em Engenharia Elétrica pela PUC-RJ, atuou ainda em empresas como o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), onde desenvolveu modelos computacionais para planejamento e operação no setor elétrico.

E trabalhou em projetos como o de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro (RE-SEB), em meados da década de 1990, implementação do Mercado Atacadista de Energia (MAE), precursor da CCEE, revisão do modelo setorial em 2004, ampliação e consolidação do mercado livre, e privatizações recentes, incluindo CEEE, CEB e Eletrobras.