Os fundos de investimento e a ampliação do mercado livre de energia – uma sincronia racional, por Thaís Mélega Prandini

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O mercado livre de energia está vivendo um momento de transformação, ganhando mais força para sua sustentação futura, aliando o desejo de liberdade dos consumidores em consonância com as mudanças na regulamentação setorial.

Historicamente, a competição no mercado brasileiro se implantou com a estrutura denominada “mercados paralelos”, onde coexistem os dois mercados de energia, mercado livre e o mercado cativo.

Este processo se iniciou com a Lei 9.074/95 que definiu a criação do consumidor livre de energia.

Mesmo já existindo a possibilidade de migração para mercado livre, nos primeiros anos após a publicação da lei, esse mercado pouco avançou.

Apenas ao final de 1998 ocorreu a primeira migração de um consumidor cativo para o mercado livre. Esse mercado evoluiu a passos modestos na primeira década após sua publicação.

Em 2004 ocorreu a reformulação do setor elétrico brasileiro, sustentada pela Lei 10.848/04 e pelo Decreto 5.163/04.

Essa reformulação manteve o conceito de “mercados paralelos” e adicionalmente, foram definidos dois ambientes de comercialização: o ACR, Ambiente de Comercialização Regulado, e o ACL, Ambiente de Comercialização Livre. Essa lei também incorporou a figura do autoprodutor de energia ao ACL.

Nessa época, usualmente o mercado livre de energia era abastecido por energia proveniente de hidrelétricas existentes e de pequenas centrais hidrelétricas (PCH), com sua energia vinda de autoprodução ou negociação com grandes geradores.

Os primeiros movimentos de migração foram realizados pelos grandes consumidores.

Na década de 2000, o mercado livre começou seu desenvolvimento mais amplo, e em 2008 atingiu quase 30% de participação no consumo de energia.

O mercado comprador já estava divido em dois segmentos: os consumidores livres convencionais e os especiais.

Os limites de participação continuavam os mesmos do início da liberdade aos consumidores:

  • (i) capacidade instalada ≥ 3 MW para os convencionais;
  • (ii) capacidade instalada ≥ 0.5 MW para os especiais com a escolha de fornecedor de fontes “incentivadas” renováveis – sendo possível um consumidor ou grupo de consumidores compartilhando os mesmos interesses “de fato ou de jure”;
  • (iii) escolha livre de qualquer fornecedor;
  • (iv) preço da energia livremente negociado;
  • (v) possibilidade de investimento em geração como autoprodutores;
  • (vi) possibilidade de compra de energia de fontes “incentivadas” renováveis com subsídios nas tarifas de transporte: descontos de 50% a 100%;

O mercado livre foi avançando no segmento de varejo (especiais) com a queda de preços de energia na geração, impulsionado pela fonte eólica, que atingiu um preço competitivo com hidrelétricas em meados da década de 2010.

As eólicas têm uma maior simplicidade na construção, comparada as hidrelétricas, não são sujeitas a contratos de concessão e começaram a despontar como fontes simples, baratas e com poucos riscos para os investidores.

Algumas estruturas para a comercialização de energia de eólicas começaram a serem estudadas, incluindo alternativas societárias para autoprodução de energia.

A fonte solar atualmente segue o mesmo caminho de sucesso das eólicas.

O movimento de crescimento do mercado livre não para por aí, já existe uma Portaria do MME, que reduziu os limites de liberalização de mercado para o consumidor livre convencional para 2 MW.

Liberações progressivas já previstas irão igualar os mercados livre convencional e especial até 2022, e após 2024 a ANEEL foi designada pelo MME para regular a liberação de cargas menores que 500 kW, face as necessidades de sustentabilidade das distribuidoras nos quais se encontram hoje estes consumidores.

Claramente, estamos numa “rota do varejo” para o ACL.

Evidentemente existem desafios novos no ACL para as renováveis, os quais podemos citar:

  • (i) dificuldade em realizar contratos de prazos mais longos – financiabilidade mais complexa para projetos novos;
  • (ii) questões comerciais mais complexas – risco de submercado, mudança de precificação, modulação e sazonalização do contrato, garantias financeiras, dentre outras;
  • (iii) a autoprodução está se tornando uma realidade para consumidores de médio porte – a estruturação é mais complexa do que um contrato bilateral;
  • (iv) o mercado é pulverizado e heterogêneo em termos de necessidade de contratação, aversão ao risco, percepção de preços, e capacidade financeira;
  • (vi) a gestão dos contratos exige uma visão operacional mais intensa e detalhada para um número maior de clientes;

São novos desafios, mas superáveis com uma estruturação adequada como, por exemplo, um fundo de investimentos junto com uma operação de comercialização de energia.

Nesse contexto, mesmo havendo energia incentivada, a principal barreira de expansão da geração para o ACL ainda é a financiabilidade.

Historicamente, os projetos de infraestrutura do setor sempre foram apoiados por bancos de desenvolvimento, tendo seu principal financiador, BNDES e, nos últimos anos, uma participação forte do BNB, devido ao crescente desenvolvimento de renováveis no Nordeste.

Os bancos de desenvolvimento usualmente exigiam contratos de venda de energia de longo prazo para assegurar a operação.

Os contratos de longo prazo foram em sua maioria firmados no ambiente regulado, onde as distribuidoras adquiriam energia para suprimento do mercado cativo, através de leilões públicos.

A duração dos contratos era um ponto fundamental que não encontrava sinergia no ACL, e está sendo superada com novos mecanismos de mercado que sejam aceitos pelos financiadores.

O próprio BNDES mudou suas linhas de crédito reconhecendo algumas tradições do ACL, como por exemplo, liberação de crédito com a utilização de um “PLD suporte” próximo da média para a parte totalmente descontratada e, além disto, o reconhecimento de projetos com compromissos de comercialização de contratos com diferentes durações e precificação adotados pelo BNDES.

O financiamento voltado ao ACL só é possível numa estrutura de financiamento flexível que permita uma gestão de contratos com múltiplas características possibilitando uma circulação maior da energia entre o ACR e o ACL.

Atualmente os preços são correlacionados com o perfil de compra do ACR, entretanto os vendedores são os mais adequados para formar o preço e condições de venda numa competição.

A arbitragem por melhores condições de preço futuro vis a vis margens de lucro estariam liberadas e os preços estariam mais próximos do custo marginal da expansão.

Usualmente, o preço de energia é sustentado no equilíbrio econômico para venda de longo prazo, no entanto contratos de diferentes preços e durações podem ser enquadrados durante o período de amortização da dívida.

Quando existe a liquidação da dívida e liberação de caixa para outros riscos, o custo caixa é bem mais baixo, permitindo novas operações. Para enfrentar estes novos desafios, deve haver uma gestão eficiente de riscos do capital do acionista ao longo da vida útil do projeto.

A sinergia entre fundos de investimentos e operações de comercialização demonstra ser um caminho a ser desenvolvido de modo a financiar a expansão do ACL.

Atualmente é percebido um aumento na quantidade de fundos de investimentos voltados para a expansão de geração de energia destinada ao mercado livre. Nos próximos anos irá existir uma sincronia perfeita entre a criação dos fundos de investimento e o esperado crescimento do ACL, no segmento do varejo.

O momento atual é marcado por um forte apetite do setor financeiro e de empresas nacionais e estrangeiras, que formam parceria ou sociedade com grandes comercializadoras de energia.

O mercado já apresenta um número representativo de instituições financeiras que fizeram alianças com comercializadoras para oferecer uma gama de produtos financeiros para o setor.

Pode se destacar o BTG Pactual, Credit Suisse, Pátria Investimentos, Brasil Plural dentre outros que estão atuando fortemente nesse mercado. Alguns bancos como Santander, Itaú e Banco ABC também já divulgaram a criação de comercializadoras de energia em seus grupos.

A entrada de instituições financeiras traz ao setor energético novos players com produtos financeiros diferenciados que permite o desenvolvimento e expansão do mercado livre, aumentando a competição nesse setor e permitindo ao consumidor final, um leque de opções para contratação de energia. Produtos como debêntures de infraestrutura dentre outros, começaram a fazer parte do dia a dia de projetos.

Esse é o futuro no financiamento do mercado livre nesta nova rota de expansão no varejo na próxima década.

Thaís Mélega Prandini é sócia da Delta Asset Managment

Thaís Mélega Prandini é sócia da Delta Asset Managment, foi sócia da Thymos Energia entre 2012 e 2019, gerente da Andrade & Canellas entre 2008 e 2012. Trabalhou em grandes empresas de distribuição, como a AES Sul e AES Eletropaulo e tem mais de 20 anos de experiência no setor elétrico, destaca-se a sua atuação como referência na condução de estudos estratégicos e financeiros, participação ativa na regulação do setor, leilões de energia e M&A e Mercado Livre