Seguindo os passos de outros países, o Brasil quer implementar o chamado “Open Energy”. A Agência Reguladora de Energia Elétrica (Aneel), órgão que cuida desse mercado, está propondo novas regras similares ao que o Banco Central fez ao estruturar o Open Banking e o Open Finance.
Agora caberá às empresas e instituições responsáveis pela implementação ajudarem a colocar o projeto de pé e atender a vontade dos consumidores de energia elétrica.
Com a abertura do mercado de energia, que possibilitou a alguns consumidores escolherem seu fornecedor de eletricidade e fugir do monopólio das distribuidoras de energia (as “companhias de luz”), a Aneel está adotando diferentes medidas para impedir práticas desleais pelas empresas.
Dentre elas, a principal medida talvez seja a proposta de implementação do Open Energy que recebeu contribuições de agentes do mercado e de outros interessados. Agora, essas contribuições devem ser avaliadas pelo órgão para bater o martelo no formato escolhido para o Open Energy no Brasil.
Aliás, não é de hoje que esse assunto está em discussão. Empresas e instituições de vários segmentos, que vêem oportunidades travadas pela falta de acesso às informações das distribuidoras que monopolizam os dados de seus clientes, vêm falando sobre o Open Energy há anos.
Não por acaso, órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU), que fiscaliza os órgãos e entidades públicas do país, e o Ministério de Minas e Energia (MME), ligado ao governo, já recomendaram à Aneel instituir métodos transparentes de acesso e compartilhamento de dados dos consumidores.
A ideia é que o Open Energy fará exatamente isso. Ao disponibilizar os dados de consumo de eletricidade de forma mais clara e digital, permitirá ao consumidor, que paga suas contas de luz sem entender com o que gasta, compreender suas faturas e tarifas, e finalmente ter poder de escolha sobre os serviços contratados de maneira informada.
Com o consentimento dos clientes, outras empresas também poderão acessar esses dados confinados nas distribuidoras, estruturando novos e inovadores serviços, de maior qualidade, e até mesmo mais baratos, principalmente se comparados aos serviços insatisfatórios que clientes de energia muitas vezes se submetem.
E mais. Com a padronização de acesso controlado a esses dados, as oportunidades serão inúmeras. O poder público terá uma ideia melhor dos perfis e hábitos de consumo de eletricidade, o que ajuda a construção de políticas públicas eficientes.
Universidades terão acesso para estudar e desenvolver soluções tecnológicas e inovadoras no setor elétrico. O terceiro setor, por sua vez, entenderá melhor as necessidades da sociedade para democratização do acesso à energia.
Em outras palavras, o Open Energy oportuniza uma verdadeira revolução aos serviços públicos de eletricidade que nos são ofertados atualmente e ao que significa ser um consumidor de energia na era digital. É a verdadeira democratização do setor elétrico.
Essa inovação já aconteceu em alguns outros países como no Reino Unido e em Portugal.
Em particular na Austrália, através do Consumer Data Right (algo como o “Direito aos Dados do Consumidor”), o governo criou uma legislação muito similar às regras atualmente em discussão na Aneel, para que consumidores e terceiros possam acessar de forma transparente e padronizada os dados de consumo dos clientes.
Assim como no Brasil, o primeiro setor beneficiado foi o bancário, seguido do elétrico, posteriormente incluídos também o setor de telecomunicações e de instituições financeiras não bancárias (como corretoras de investimentos e fundos imobiliários).
Vale mencionar também que a energia elétrica é um serviço invisível, que chega às casas e comércios através de uma infraestrutura gigantesca, composta por usinas, subestações, cabos e equipamentos, que cortam o país em todas as direções, mas que se esconde nas paredes e nos quadros de disjuntores dos edifícios.
Um serviço ingrato, que quanto menos lembrado, melhor está sendo prestado, e que só chama atenção em blecautes e apagões.
Ainda assim, um serviço essencial, que se materializa em maquinários de iluminação, saúde, alimentação, bem estar, acesso à internet, e todos os demais confortos e necessidades que a vida contemporânea nos proporciona e também nos impõe.
É por isso que pensar energia é pensar no futuro e na potencialidade do Brasil e dos brasileiros.
O desenvolvimento de um país está diretamente relacionado a sua capacidade energética, e alavancar esses serviços de forma tecnológica e digitalizada é viabilizar indústrias modernas, novas tecnologias, destravar modelos de negócio e mercados inovadores, difundir a eletrificação da sociedade, e produzir emprego e dignidade às pessoas ao longo do caminho.
O Open Energy, em particular, tem potencial para pôr de pé ideias que até pouco tempo pareciam distantes, como redes inteligentes (smart grids), IoE (Internet of Energy) que integra a IoT (Internet of Things) às redes elétricas, plataformas de gestão de energia, e a conceptualização máxima de Energy as a Service (EaaS)
Esses conceitos transformadores tornam clientes de energia, hoje reféns de empresas monopolistas, verdadeiros consumidores, com uma voz ativa e poder de escolha.
Mas para alcançar todo o seu potencial, o Open Energy precisará de mais do que a boa vontade da Aneel e do governo, dependerá também de uma atuação responsável e ativa das empresas responsáveis por sua execução
Empresas que precisarão agir com responsabilidade social e tendo como bússola orientadora não apenas a inovação e o desenvolvimento do mercado e de seus negócios, mas principalmente guiados pela dignidade dos consumidores e usuários de energia elétrica.
Clinger Barros é advogado, consultor político e especialista em Regulação na Lemon Energia. Possui 10 anos de atuação em áreas do Direito Regulatório e em relacionamento governamental e institucional. Pós-Graduado LL.M. em Direito de Energia e Negócios no Setor Elétrico pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN) e especializado em Regulação pela Universidade de Brasília (UnB).