No setor elétrico atual, um dos assuntos mais discutidos é o apagão ocorrido na Península Ibérica, no dia 28 de abril.
Chama atenção o fato de diversos especialistas e articulistas setoriais apresentarem esse evento como fonte de lições técnicas essenciais para a segurança do sistema.
O curioso é que essas supostas lições têm sido amplamente propagadas, mesmo sem que se conheça — até o momento — a causa real do apagão. Isso transforma o debate em uma salada de opiniões, muitas delas sem qualquer embasamento técnico.
Nesse cenário, surgem também soluções “milagrosas”, sob a ótica de quem tem interesse comercial na venda de determinado equipamento, alegando que aquele dispositivo teria evitado o problema — que, repito, ainda nem foi devidamente identificado.
Nenhuma dessas abordagens contribui de fato para a melhoria do desempenho dos sistemas elétricos de última geração, especialmente sem o devido respaldo técnico.
Com o intuito de entender melhor os aspectos estruturais envolvidos, temos acompanhado, diariamente, artigos publicados pelos jornais espanhóis El Mundo e El País, que destacam pontos relevantes, como os que resumo a seguir:
- Politização da crise
Em meio às discussões, o apagão foi politizado — um movimento difícil de compreender. Nota-se uma narrativa que tenta associar fontes renováveis à esquerda e termelétricas e nucleares à direita. Como se os elétrons tivessem filiação partidária ou ideologia. Essa abordagem compromete qualquer análise técnica séria. Em meio a isso, prossegue-se com o debate sobre a desmobilização de usinas nucleares. Mas será que isso é tecnicamente aceitável? - O jogo de empurra
Como ocorre em todo apagão, inicia-se um jogo de atribuição de responsabilidades. A área de operação afirma que alertou o governo e o planejamento com antecedência. Já o planejamento sustenta que o risco só aparecia em análises de longo prazo, e que o operador não sinalizou problemas no curto prazo. - Autoavaliação questionável
Há forte reação de técnicos e entidades do setor quanto ao fato de o próprio operador — que não conseguiu evitar o apagão — ser o responsável por analisá-lo depois e apontar soluções. Trata-se, na prática, de uma “autoauditoria”. Isso reforça a necessidade de um órgão setorial de alta competência técnica para acompanhar a confiabilidade do sistema, como o NERC (National Electricity Reliability Council), nos Estados Unidos. - Oscilações ignoradas
Nas semanas anteriores ao apagão, o El Mundo relatou 34 ocorrências de oscilações de potência e tensão no sistema. Os relatórios do operador local registraram tais oscilações, com causas desconhecidas. É, no mínimo, incomum que um sistema apresente esse grau de instabilidade sem que medidas emergenciais sejam tomadas. Falta uma explicação técnica consistente, que não foi explorada pelo jornal. - Falta de diálogo técnico
As principais empresas elétricas do país manifestaram, nos jornais, insatisfação por não participarem efetivamente das decisões estratégicas dos órgãos de operação e planejamento. Esse modelo de gestão fechado tende a ser pouco eficiente, pois desconsidera a experiência técnica de quem está diretamente envolvido na operação do sistema. - O “excesso de segurança” pós-crise
Após um apagão, é comum que o operador, sob forte pressão política, adote medidas de segurança exageradas. Isso eleva os custos operacionais e, consequentemente, o preço da energia. Esse efeito colateral poderia ser evitado com um planejamento prévio adequado de segurança estrutural do sistema.
Em resumo, estas são as coisas que acontecem em um apagão. Quaisquer semelhanças não são meras coincidências, disto podem ter certeza.
Xisto Vieira Filho é presidente da Abraget (Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas).