RIO – Os clientes do mercado livre de energia elétrica devem encontrar uma maior volatilidade nos preços da eletricidade nos próximos meses, devido à expectativa de que o Brasil tenha um inverno mais seco e quente. O cenário marca uma mudança em relação aos últimos dois anos, quando os preços permaneceram próximos ao piso.
No mercado livre, o cliente pode negociar a compra da energia diretamente com a geradora ou com uma comercializadora, deixando de consumir de forma obrigatória a eletricidade que é fornecida pela distribuidora. Hoje, essa opção está disponível no Brasil para todos os clientes de alta tensão.
Esses consumidores, no entanto, ficam sujeitos à negociação a partir do preço de liquidação das diferenças (PLD) que varia de acordo com as condições do mercado.
Como a maior parte da eletricidade no Brasil é gerada pela fonte hidrelétrica, a tendência é de aumento nos preços em épocas menos chuvosas, quando a geração dessas usinas diminui e é necessário acionar as termelétricas, que são mais caras.
Menos chuva e picos de frio
Segundo a consultoria de meteorologia Climatempo, o inverno deste ano deve apresentar períodos de seca prolongados, com temperaturas ainda acima da média, ao mesmo tempo que trará picos de frio intensos que elevam os riscos de geada.
A estação, que começou em junho, está sofrendo influência do fenômeno La Niña, que reduz a temperatura das águas do Oceano Pacífico e tende a intensificar secas no Norte, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil. Essas regiões concentram a maior parte das usinas hidrelétricas do país.
Os receios para o setor elétrico vêm não apenas da tendência de redução nas chuvas e menor geração hidrelétrica, como também da expectativa de temperaturas mais altas que o normal. Quando o clima está mais quente, há um maior uso do ar condicionado e, portanto, o consumo de energia aumenta.
“Com o La Niña se formando em agosto, a tendência é de período seco mais prolongado e atraso na retomada do período úmido na primavera”, diz a meteorologista e especialista em clima para o setor elétrico, Ana Clara Marques, da Climatempo.
A tendência, com isso, é que os preços tenham maior variação ao longo do dia. A expectativa é de altas no PLD sobretudo no entardecer e início da noite, quando há menor contribuição da geração solar no sistema, além de um aumento típico no consumo.
Tendência de preços mais altos
Os impactos no mercado livre começaram na última semana de junho, quando o PLD deixou o piso de R$ 61,07 por megawatt-hora (MWh) e chegou a ultrapassar a casa dos mil reais em alguns momentos.
O cenário atual tende a assustar sobretudo os clientes que aproveitaram a flexibilização das regras do mercado livre nos últimos anos para entrar nesse ambiente e ainda não viveram cenários desse tipo.
Em 2024, todos os consumidores de alta tensão passaram a poder migrar para o mercado livre. A mais recente crise hidrológica no Brasil foi em 2021, quando os reservatórios das hidrelétricas viveram uma intensa seca.
A gerente de produto da consultoria Aurora Energy Research, Inês Gaspar, lembra que os dois últimos anos foram de preços baixos, mas afirma que a tendência é de que o PLD fique acima do piso com mais frequência de agora em diante. Segundo ela, há, inclusive, uma expectativa de preços mais altos para os próximos anos.
“Se voltamos a ter um ano com essas vazões tão secas agora, nos próximos dois a três anos vai acontecer novamente o que aconteceu em 2021”, afirma.
Contrato de longo prazo é mecanismo de proteção
Para se proteger nesse cenário, os consumidores podem aumentar a contratação de carga em períodos de preços mais baixos, além de buscar a diversificação de fontes e opções de acordos financeiros.
“Nesse mercado, o comprador tem menos poder do que o vendedor. Apesar disso, o consumidor tem, sim, que buscar esses mecanismos que o protejam dos preços mais elevados e dos horários de pico”, diz o diretor técnico na área de Planejamento e Inteligência de Mercado da consultoria PSR, Rodrigo Gelli.
Nesse sentido, ter contratos de longo prazo ajuda a amortizar eventuais volatilidades. Clientes com contratos de dez a quinze anos tendem a conseguir condições melhores com as comercializadores, que aliviam as volatilidades.
Entretanto, não é apenas o mercado livre que tende a sofrer com maiores preços de energia nesse momento. O mercado regulado, atendido pelas distribuidoras, também está sentindo os impactos, com a cobrança da bandeira amarela nas tarifas no mês de julho, que leva ao acréscimo de R$ 1,88 a cada 100 quilowatt/hora consumidos.
Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), na semana de 6 a 12 de julho, os índices de hidrologia devem ficar abaixo das médias históricas. A expectativa é que os reservatórios das hidrelétricas cheguem ao fim do mês com 62,1% de capacidade no Sudeste e Centro-Oeste, 63,6% no Nordeste, 80,8% no Sul e 89,9% no Norte do país.