Opinião

LRCAP 2026 e o desafio da flexibilidade no sistema elétrico brasileiro

Leilão precisa de ajustes pontuais da Aneel para assegurar incentivos adequados aos geradores e maior confiabilidade para todos os consumidores, escrevem Victor Hugo iOcca e Jéssica Guimarães

Contrato vai até 2040 e prevê fornecimento de 33 MW médios a partir de 2026 (Foto: Divulgação/Auren Energia)
Contrato vai até 2040 e prevê fornecimento de 33 MW médios a partir de 2026 (Foto: Divulgação/Auren Energia)

O sistema elétrico brasileiro convive, na operação diária, com uma dualidade cada vez mais evidente: nas horas de maior incidência solar, parcela significativa da geração renovável precisa ser descartada; já no início da noite, o sistema migra para o extremo oposto, com elevação abrupta da carga líquida e, por vezes, insuficiência de potência despachável para atender a rápida expansão do consumo.

As principais consequências são o aumento do risco de apagões e a intensificação dos cortes de geração (curtailment).

Esses efeitos, segundo o próprio Operador Nacional do Sistema (ONS), tendem a se agravar nos próximos anos, evidenciando a necessidade de mais de 15 GW adicionais de flexibilidade, além de cortes potenciais nas fontes renováveis que podem variar entre 10% e 20% de seu potencial de geração.

Nesse contexto, o Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP 2026) surge como parte da solução, com o objetivo central de contratar potência adicional confiável, que funcione como um verdadeiro “seguro de confiabilidade” para o sistema.

Para que esse objetivo seja efetivamente alcançado, é imprescindível que as regras contratuais incentivem a flexibilidade e a plena disponibilidade das usinas, o que exige calibração rigorosa das penalidades, alocação adequada dos riscos operacionais e logísticos e definição de parâmetros de flexibilidade compatíveis com a resposta rápida de que o Operador necessita.

A contratação de geração com parâmetros de flexibilidade inadequados — como rampas de acionamento superiores a seis horas ou tempos mínimos de permanência ligados acima de 12 horas — não pode ser considerada razoável sob a ótica dos consumidores.

Ao contrário, tais características tendem a elevar os custos da energia elétrica para toda a sociedade.

Para inserir, de fato, flexibilidade ao parque gerador brasileiro, as rampas de acionamento devem ser inferiores a duas horas, com tempo de operação (Ton) limitado a até oito horas. A contratação de térmicas inflexíveis não está alinhada ao objetivo do LRCAP 2026.

Adicionalmente, ressalta-se que avanços regulatórios relevantes deveriam preceder a assunção de qualquer novo passivo em nome dos consumidores.

A própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), na minuta do contrato do LRCAP 2026, estabelece que, havendo declaração de inflexibilidade, o contrato poderá ser resolvido, o que evidencia a necessidade de reduzir a inflexibilidade estrutural do parque gerador nacional.

O sucesso do certame também depende de que a potência contratada esteja disponível nos momentos de maior criticidade sistêmica.

Assim, as penalidades associadas devem refletir adequadamente essa importância, reforçando os incentivos à confiabilidade operacional. A proposta atualmente apresentada pela Aneel, contudo, não parece perseguir esse objetivo de forma suficiente.

A dosimetria das penalidades no LRCAP 2026 deveria ser mais rigorosa, refletindo de maneira clara os impactos operativos e financeiros decorrentes da indisponibilidade ou do descumprimento dos despachos do ONS.

No caso de não atendimento ao despacho antecipado, seria coerente imputar ao empreendedor o custo da energia não entregue.

Ou seja, além da penalidade prevista, o gerador deveria indenizar os consumidores de forma proporcional ao PLD horário associado à falta de suprimento, internalizando custos que hoje recaem indevidamente sobre os consumidores.

Quanto ao não cumprimento do compromisso de entrega da disponibilidade de potência, a penalidade deve ser compatível com o custo de conexão ao Sistema de Transporte de Gás Natural (STGN).

Do contrário, cria-se um incentivo econômico perverso para que o empreendedor opte por não se conectar ao sistema de transporte, elevando o risco de indisponibilidade por falta de combustível.

Uma alternativa seria elevar essa penalidade para 25% da Receita Fixa Mensal, tornando o custo da indisponibilidade equivalente ao custo do transporte e, assim, incentivando a conexão ao STGN e fortalecendo a segurança do suprimento.

Outra proposta prevista no contrato do LRCAP 2026 é a possibilidade de indisponibilidade da unidade geradora por até 90 dias.

Sob a ótica dos consumidores, permitir que os geradores permaneçam inoperantes por até 25% do tempo representa uma concessão desequilibrada e não isonômica quando comparada a outros mecanismos destinados à contratação de flexibilidade confiável.

A título de comparação, a diretriz do Poder Concedente para o leilão de baterias exige disponibilidade de 100%, com capacidade de despacho de até dois ciclos completos por dia, limitado a 365 ciclos completos por ano. Assim, seria razoável limitar essa franquia aos geradores termoelétricos a, no máximo, 30 dias por ano.

Outro ponto crítico para a competitividade do certame refere-se ao reajuste da Tarifa de Transporte de Gás Natural na Receita Fixa do empreendedor.

A simples correção pelo IPCA não captura adequadamente os riscos associados ao bid no momento do leilão, tampouco aqueles decorrentes das revisões tarifárias conduzidas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que podem alterar significativamente a base de ativos e a taxa de remuneração das transportadoras.

Diante da incerteza regulatória inerente ao processo de revisão tarifária em curso, é mais adequado que essa parcela da Receita Fixa seja vinculada às variações tarifárias homologadas pela ANP, e não a um índice geral de preços.

Essa abordagem reduz riscos exógenos ao empreendedor e contribui para maior eficiência econômica do modelo.

É notório que o sistema elétrico brasileiro demanda uma nova abordagem, que abandone os excessos de subsídios a fontes intermitentes — como a micro e minigeração distribuída, bem como grandes projetos eólicos e solares — e passe a privilegiar sinais de preço mais intensos e corretamente alocados no tempo.

O LRCAP 2026 representa um passo nessa direção, mas, como exposto, requer ajustes pontuais no âmbito da Aneel para assegurar incentivos adequados aos geradores e maior confiabilidade para todos os consumidores.


Victor Hugo iOcca é diretor de Energia Elétrica da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace Energia).

Jéssica Guimarães é analista de Energia da Abrace Energia.

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