Despesa de até R$ 800 mi

Indefinição sobre receita de linha de transmissão no Acre mantém despesa milionária na CCC

Mudança de trajeto em linha de transmissão no Acre precisa de aprovação da Aneel para retirar custo da CCC

Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) prevê R$ 49 bilhões de investimentos para operação elétrica até 2028 
Linhas de transmissão escoam energia produzida por turbinas eólicas (Foto: Ulgo Oliveira/Ascom Seinfra)

BRASÍLIA – Sem consenso na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a liberação de uma linha de transmissão no Acre, arrematada em 2019, depende de uma decisão da agência para estancar despesas de R$ 675 milhões na Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), a partir da interligação de três cidades ao Sistema Interligado Nacional (SIN). 

A indefinição começou com a necessidade de mudança de traçado das linhas de transmissão, que precisa ser autorizada pela diretoria colegiada da Aneel, em um processo que se arrasta há anos. O tema estava fora da pauta da reunião de diretoria da agência de terça-feira (03/9) até o fechamento desta reportagem. 

O impasse está na remuneração do projeto depois da alteração no trajeto inicial.

O relator do processo na Aneel, o diretor Ricardo Tili, defende uma redução de R$ 8,33 milhões da Receita Anual Permitida (RAP) do projeto, devido ao trajeto mais curto da obra depois das mudanças no traçado. 

A Transmissora Acre SPE S.A, controlada pela Zopone Engenharia, afirma que o parecer ignora custos adicionais do projeto. 

O edital previa, originalmente, uma receita anual de R$ 123.232.940.

Ainda dependentes de usinas a óleo diesel, as cidades de Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves e Feijó reúnem uma população de 142 mil habitantes, de acordo com o censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

O fornecimento de energia elétrica na região demanda 6,5 milhões de litros de combustível por ano, a um custo de R$ 360 milhões, segundo fontes. Parte desse valor é custeado pela CCC, paga por todos os consumidores brasileiros de energia elétrica.

Em outubro de 2023, a Aneel calculou que o custo total da geração local chegaria a cerca de R$ 800 milhões até 2025, sendo R$ 675 milhões subsidiados pela CCC. 

Caso a linha de transmissão não entre em operação até o fim do ano, haverá necessidade de prorrogação dos contratos com usinas fósseis da região.

Linha foi contratada em leilão de 2019

O lote 11 do segundo leilão de transmissão de 2019 foi arrematado pelo consórcio formado pela Zopone Engenharia e Comércio e a Sollo Participações. Com um deságio de 52,85%, o lance vencedor foi de R$ 58,1 milhões, sem correção monetária.  

O contrato previa a interligação entre as subestações Rio Branco I, Feijó e Cruzeiro do Sul, com 672 quilômetros de linhas de transmissão.

No meio do trajeto, está a reserva indígena Campinas Katukina, que, conforme a previsão do leilão, seria contornada pelas instalações.

Durante os trabalhos, foram derrubadas árvores consideradas sagradas pelo povo Noke Ko’i, que reside na reserva, e, sob protestos, a obra chegou a ser paralisada. A retirada das árvores estava prevista no processo de licenciamento ambiental apresentado ao Ibama.

As informações estão nos documentos públicos do processo na Aneel e no Ministério Público Federal. 

A saída encontrada foi a mudança de trajeto, com as linhas de transmissão seguindo o trajeto da BR-364. Apesar de passar por dentro da reserva, esse traçado demandou menor derrubada de árvores, segundo a empresa responsável pela obra.

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) recomendou o prosseguimento do licenciamento ambiental em dezembro de 2022, após a aprovação dos acordos com a comunidade.

Em maio de 2023, a licença de instalação foi emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Os indígenas concordaram com a nova configuração e um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado, em abril de 2024, entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Transmissora Acre SPE S.A.

“Destacou-se, ainda, que o projeto inicial que contorna a aldeia indígena fomentaria invasões, o garimpo ilegal, bem como a extração de madeira e o tráfico de drogas na região, trazendo vulnerabilidade e imensurável risco para a comunidade indígena local”, comunicou a empresa à Aneel a respeito das críticas dos indígenas ao traçado original..

A responsável pela obra concordou, no TAC firmado com o MPF, em compensar financeiramente os indígenas, com valores destinados a projetos de proteção territorial, vigilância e alimentação.

Processo na Aneel se arrasta desde 2023

A análise do caso se arrasta na Aneel desde 2023. A Superintendência de Concessões, Permissões e Autorizações dos Serviços de Energia Elétrica emitiu uma nota técnica em outubro de 2023 recomendando que o novo traçado fosse liberado pela diretoria da autarquia.

O relator, Ricardo Tili, criticou o fato de a alteração no traçado ter sido feita sem o aval da Aneel. O processo foi discutido na reunião de 28 de maio, sem a diretoria chegar a uma conclusão.

“A empresa não poderia informar ao Ibama [como alternativa] um traçado vetado pelo edital. Esse é o ponto a se discutir”, resumiu o diretor, em referência ao fato de que a Transmissora Acre recorreu diretamente ao Ibama com novas opções de traçados, diferentes do que estava previsto no edital do leilão.

A companhia afirma que a sugestão de mudança do traçado original partiu do Ibama.

A liberação da construção a partir do novo trajeto também foi alvo de críticas do diretor Fernando Mosna. Na visão do diretor, a alteração do traçado foi desleal com os outros participantes do certame. 

“A Secretaria de Leilões determinou que não seria possível construir em terra indígena. Os agentes foram ao leilão com uma certeza: posso fazer a ligação do ponto A ao ponto B por qualquer traçado, menos pela terra indígena”, argumentou.

“Não podemos utilizar o fundamento da economia, porque na verdade não é o motivador para flexibilizar agora, mas sim o motivador para fazer o leilão”, acrescentou. 

A procuradoria da Aneel se manifestou no sentido de que a mudança nas especificações não teria alterado o caráter competitivo do leilão.

Com o impasse, a diretora Agnes da Costa pediu vista e o processo foi suspenso. 

Desde então, houve ainda um pedido de prorrogação de vista, aprovado em 30 de julho. O processo chegou a retornar à pauta da reunião da Aneel do dia 27 de agosto, mas foi retirado. 

Maior parte da linha já está concluída

De acordo com Júnior Zopone, sócio da Transmissora Acre, o estágio de conclusão das obras é de 90%, sendo que o trecho dentro da reserva indígena já está finalizado.

Haveria, segundo o empresário, danos para as partes, caso a liberação fosse negada pela Aneel.

“Os prejuízos são enormes para a população que não possui energia de qualidade, para o meio ambiente através da grande quantidade de emissão de gás carbônico, para todos os consumidores de energia que arcam com os custos referentes ao consumo de óleo diesel e para o empreendedor que, depois de todos os desafios vencidos e o alto custo para implantação da obra, não conseguirá entrar em operação”, disse.

Em relação à redução da RAP, Zopone acredita que a área técnica ignorou custos adicionais e, por isso, deveria haver um aumento no valor pago à Transmissora Acre.

“Nesta revisão não foi considerado o alteamento das torres, a construção de acessos e os custos com o licenciamento em área indígena, bem como os custos com a implantação dos programas e construções das contrapartidas para  a comunidade indígena”.

Traçados impactam custos

Quando um leilão de transmissão é lançado pela Aneel, cada lote tem especificações definidas antes da apresentação dos lances. 

Cada linha de transmissão possui corredores de 40 quilômetros de largura como referência, que devem ser respeitados pelas empresas vencedoras da licitação.

Ao todo, existem R$ 74,2 bilhões em investimentos em linhas de tranmissão travados aguardando licenciamento ambiental, referente a projetos leiloados nos certames realizados em 2022, 2023 e 2024.

Segundo Marcos Vilela, diretor de geotecnologias da Ambientare Soluções em Meio Ambiente, as empresas precisam estudar de forma aprofundada os lotes para formular os lances. Afinal, cada torre de transmissão tem um valor médio de R$ 1 milhão. 

“Uma torre é instalada a cada 500 metros. Se você consegue reduzir o traçado em 3 quilômetros, já está economizando R$ 6 milhões no orçamento”, explica.

Villela afirma que os interessados nos leilões de transmissão precisam procurar dados além das disponibilizados pela Aneel, que podem estar desatualizados. “Estudar é importante, com dados atuais, até para entender os melhores traçados para as linhas”, finaliza.


Texto alterado em 3/9 para incluir informações sobre o pedido de alteração do traçado da linha e sobre o processo de licenciamento ambiental.