Energia

Quase 15% da energia elétrica do Brasil é furtada; entenda os impactos

'Gatos de luz' contribuem para encarecer as tarifas e podem levar a multa e pena de até cinco anos de prisão

Setor elétrico está sendo derrotado pelo furto de energia, diz ex-diretor da Aneel. Na imagem: Poste de luz com emaranhado de fios de alta tensão. Gato na rede elétrica da Light, na Rocinha, Rio de Janeiro (Foto: André Ramalho)
Gato na rede da Light, na Rocinha, Rio de Janeiro (Foto: André Ramalho)

Os furtos de energia no Brasil — os famosos “gatos” — corresponderam em 2022 a 14,56% de toda a eletricidade comprada pelas distribuidoras para atender ao mercado de baixa tensão, que inclui residências e comércios. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que o percentual foi menor do que o registrado em 2021 (15,05%) e 2020 (16,62%), momentos mais agudos da pandemia.

Mesmo tendo ficado abaixo dos dois anos anteriores, as perdas não-técnicas de energia em 2022 ainda estão acima do limite regulatório médio calculado previamente pela Aneel, que seria de 10,68%.

Na prática, isso significa que no ciclo tarifário seguinte, quando a agência recalcular as tarifas de cada distribuidora, a tendência é de necessidade de aumento dos valores para os demais consumidores nas concessões que ficaram acima do limite regulatório, de modo a compensar as perdas maiores do que o esperado.

Ou seja, quanto maior o volume de energia perdido em “gatos” e outras fraudes, maior é o aumento da tarifa de todos os consumidores.

Você vai ver aqui:

  • O “gato” de energia é crime?
  • O que são perdas técnicas e não técnicas?
  • O furto encarece as contas de luz?
  • Quais os outros impactos dos “gatos”?
  • Quais estados brasileiros têm mais furtos? 
  • Quais distribuidoras mais registram furtos de energia?
  • Há relação entre furtos de energia e inadimplência?
  • O que tem sido feito para combater o problema?
  • O que precisa melhorar para reduzir os “gatos”?

O “gato” de energia é crime?

Sim. Desviar a energia elétrica da rede sem pagar é crime e pode ser enquadrado como furto ou como estelionato. No caso de denúncia por furto, previsto no art. 155, do Código Penal, a pena é de reclusão de um a quatro anos e multa. Já o crime de estelionato, previsto no artigo 171, do mesmo código, a pena poderá ser de reclusão de um a cinco anos e multa.

O que são perdas técnicas e não técnicas?

As perdas técnicas são aquelas que ocorrem durante a operação normal de uma rede de distribuição de energia elétrica. Nenhum sistema de distribuição do mundo transmite 100% da eletricidade por transformadores, ramais de ligação e medidores de baixa, média e alta tensão sem que parte seja perdida. A Aneel aplica um modelo para calcular qual a perda de um sistema eficiente e considera esse valor no cálculo da tarifa.

As perdas não técnicas são a diferença entre as perdas técnicas e as perdas totais. Normalmente equivalem à energia furtada.

O furto encarece as contas de luz?

Sim. As distribuidoras compram a energia das geradoras para atender aos consumidores. Quando alguém rouba parte dessa energia, a distribuidora deixa de receber pelo investimento que fez. Pela lei, no entanto, a empresa não pode assumir todo o prejuízo.

A Aneel, que regula a distribuição de energia, estabelece um limite para definir até que ponto o valor não faturado é assumido pela própria concessionária – o limite de perda não técnica regulatória. Isso visa incentivar a companhia a atuar para reduzir essas perdas.

Mas, quando as perdas reais ultrapassam esse limite, é necessário aumentar o preço da energia para todos os consumidores, de modo a evitar que o negócio deixe de ser lucrativo para a concessionária. Esses repasses ocorrem em ciclos de quatro a cinco anos, a depender da distribuidora, nas revisões tarifárias periódicas.

Quais os outros impactos dos “gatos”?

O furto de energia pode ocorrer por meio de uma ligação clandestina na rede ou uma adulteração do medidor de energia. Como o sistema é projetado de modo a suportar um determinado consumo esperado, as demandas não dimensionadas podem levar a sobrecargas e desligamento de equipamentos.

Além disso, o manejo da rede elétrica deve ser feito por profissionais capacitados, com os equipamentos adequados. Por isso, quando uma pessoa leiga manipula os cabos, há risco de choques elétricos e incêndios. O risco se estende para além da própria pessoa que está manuseando a rede, pois pode haver uma energização dos cabos de telefone e internet.

O presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, lembra que há registros de acidentes fatais em tentativas de “gatos”.

“Quando alguém faz uma fraude no equipamento de medição ou de conexão, coloca em risco não apenas a si mesmo, mas toda a população em volta”, diz.

Quais estados brasileiros têm mais furtos?

Segundo os dados da Aneel em 2022, os maiores índices do país estão no Amazonas, Amapá, e Rio de Janeiro. Já os menores índices são de distribuidoras que atendem áreas de concessão menores, caso da Energisa Nova Friburgo, na cidade serrana no estado do Rio, e da Cooperaliança, que atende à região de Içara em Santa Catarina.

Segundo a especialista do programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Priscila Arruda, as diferenças estão relacionadas às características sociais e econômicas das áreas atendidas por cada distribuidora de energia elétrica, e à gestão da própria distribuidora em combater essas perdas.

Em áreas de invasão, tende a existir um maior número de conexões clandestinas à rede, que não são faturadas. “Existem regiões em que as distribuidoras não conseguem entrar, por serem dominadas por milícias ou pelo tráfico”, diz o presidente da Abradee.

A Light, por exemplo, atende à região metropolitana do Rio e tem um alto índice de furtos em regiões com menor presença do Estado, onde os técnicos não podem desligar as ligações clandestinas na rede elétrica, por causa da falta de segurança. Com isso, o equilíbrio econômico-financeiro das atividades fica comprometido, pelas dificuldades em combater as perdas de energia nas áreas de risco de serviço operacional. Este ano, a empresa pediu recuperação judicial, com dívidas de R$ 11 bilhões.

Especialistas lembram, no entanto, que os furtos não estão restritos a regiões de menor renda e que há casos também de fraudes em comércios, indústrias e residências de alto padrão, com o uso de equipamentos que alteram os valores registrados nos medidores de energia, por exemplo.

Quais distribuidoras mais registram furtos de energia?

Veja o ranking das distribuidoras com mais perdas não técnicas de energia elétrica em 2022, segundo levantamento da Aneel.

Há relação entre furtos de energia e inadimplência?

A inadimplência, ou seja, o não pagamento das faturas de luz, pode ser um indicador de um aumento dos furtos, por isso, as distribuidoras costumam combater esses dois problemas de forma conjunta. Isso ocorre porque a inadimplência indica o impacto que a conta de luz está tendo no bolso do consumidor.

Segundo Mracos Madureira, da Abradee, os níveis de inadimplência aumentaram no país depois da pandemia. Apesar de já ter recuado, o índice ainda está acima do registrado antes da crise sanitária.

O que tem sido feito para combater o problema?

Para além das inspeções tradicionais, as distribuidoras têm usado a tecnologia para ajudar a detectar e corrigir as fraudes. Softwares de inteligência de mercado, por meio da análise de dados, ajudam a avaliar a variação do consumo em uma unidade e comparar com clientes similares.

Outras medidas são o uso de blindagens e a instalação de sensores na rede que identificam o volume de energia que de fato está passando pelos cabos, para comparação com o volume faturado. Além disso, a substituição dos medidores analógicos pelos medidores inteligentes ajuda a identificar desvios de energia.

O que precisa melhorar para reduzir os “gatos”?

O furto de energia é crime no Brasil, mas especialistas apontam que é necessário ampliar o rigor no cumprimento da lei.

“Precisamos ter cada vez menos impunidade, as pessoas precisam ser punidas e assumir responsabilidade pelos seus atos”, diz Madureira.

Além disso, algumas legislações estaduais têm dificultado o trabalho de combate aos furtos, ao impedir o uso de equipamentos de detecção das fraudes ou pedir que o consumidor seja avisado com antecedência a respeito das inspeções.

A especialista do Idec, Priscila Arruda, aponta também que é importante revisar os percentuais e condições de descontos da tarifa social de energia elétrica, destinada a famílias de baixa renda. “Pela atual sistemática, as famílias com mais integrantes podem não ter descontos relativos significativos”, afirma.