Energia Elétrica

Falta de decisão sobre Angra 3 frustra investimentos no Rio e frente nuclear cobra aportes da Eletrobras

Privatizada durante o governo Bolsonaro, empresa detém cerca de 35% da Eletronuclear, responsável pelo complexo nuclear de Angra dos Reis

PDE prevê 1ª contratação de nova usina nuclear até 2031 para cumprir diretriz política. Na imagem: Vista de estruturas de ferro e máquinas de grande porte nas obras de construção da usina nuclear de Angra 3, prevista para 2027 (Foto: Vanderlei Almeida/AFP)
Angra 3, prevista para 2027, quando passa a compor a geração de 3,4 GW de energia nuclear. Em 2031, com a nova usina, a fonte sobe para 4,4 GW (Foto: Vanderlei Almeida/AFP)

BRASÍLIA – O novo adiamento da decisão sobre o futuro de usina de Angra 3 frustra as ambições do estado do Rio de Janeiro, de ver retomada das obras em Angra dos Reis, único projeto nuclear em desenvolvimento no país.

A continuidade das obras da usina nuclear de Angra 3 está atravancada, dado que não se chegou a uma uma solução para encontrar novas fontes de financiamento, que não dependam de aportes da União.

Os ministérios da Fazenda, com apoio de outras pastas, tenta evitar a despesa bilionária, enquanto a Advocacia-Geral da União (AGU) negocia com a Eletrobras o aumento do poder de voto no conselho da companhia. A geradora privatizada em 2022 também tenta liquidar liquidar sua participação na Eletronuclear.

Para o deputado Júlio Lopes, a Eletrobras deveria arcar com o financiamento da obra de acordo com a participação que detém na usina de Angra 3 ou indenizar o governo pelos investimentos que foram feitos pela União.

Lopes preside a frente parlamentar mista da Tecnologia e Atividades Nucleares, criada em 2023.

Na privatização da Eletrobras, a estatal Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar) foi criada para assumir o controle da Eletronuclear, ficando com 64,70% da empresa. Agora, a Eletrobras espera chegar a um acordo com o governo Lula para liquidar a participação restante.

“Para poder se desobrigar desses 35%, eu acho que qualquer coisa diferente disso [arcar com os custos ou indenizar] é um ganho irregular e indevido para a companhia. Então, eu acho que quem deveria pagar a parte que o governo tem que desembolsar para a obra de Angra 3 é a Eletrobras”, disse o parlamentar à agência eixos.

O assunto foi levado por Lopes a uma reunião que a bancada do Rio de Janeiro teve com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. “O voto do ministro [no CNPE] mostra com clareza que a posição é bastante favorável à realização da obra. Ele está coincidente conosco com as nossas posições” afirmou.

Exposição da Eletrobras

Em coletiva após a reunião do CNPE desta terça, Silveira voltou a defender maior participação da União no conselho da Eletrobras e afastou a possibilidade de que a empresa se exima da responsabilidade sobre a usina nuclear. “Não tem mecanismos para isso”, pontuou.

“A Eletrobras tem sim que pagar uma parte significativa se não quiser mais continuar no projeto de Angra 3. Ela deve indenizar os brasileiros, ela deve indenizar a nação para que a obras de Angra 3 possa ser concluída”, defendeu Júlio Lopes no plenário da Câmara.

Os cálculos apresentados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) propõe uma tarifa de R$ 653,31 por megawatt-hora (MWh). Lopes defende que a remuneração futura seja usada para estruturar os financiamentos necessários para conclusão da usina, sem que seja necessário aporte do Tesouro Nacional.

Hoje, União e Eletrobras estão expostos a dívidas que, sem uma decisão sobre o futuro da usina podem levar a uma cobrança de R$ 14 bilhões. A cifra foi apresentada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em seu voto no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) na terça-feira (18/2).

O assunto não chegou a ser discutido, mas Silveira antecipou o voto, defendendo mudança no modelo de gestão da Eletronuclear e a indicação das novas fontes de recursos para bancar as obras.

A Eletronuclear estima que o abandono da obra custaria R$ 21 bilhões. Enquanto a conclusão demandaria em torno de R$23 bilhões. Já foram investidos quase R$ 12 bilhões nas obras.

Assunto no STF

Procurada para comentar o assunto, a Eletrobras informou que mantém posição que foi encaminhada em comunicado aos acionistas na terça (18). A empresa não chegou a um acordo com a União para a tentativa de uma solução consensual e amigável quanto ao poder de voto do governo no conselho da companhia.

O tema é objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7385), movida pela Advocacia Geral da União (AGU), sob relatoria de Nunes Marques.

Na ADI, o governo sustenta que, após o processo de desestatização da Eletrobras e a alteração de seu estatuto social, a União manteve cerca de 42% das ações ordinárias da empresa ao mesmo tempo em que teve reduzido o direito de exercício de voto a menos de 10% do capital votante.

A redução no poder de voto interfere diretamente no papel do governo em implementar medidas que garantam o avanço de Angra 3, pois a Eletrobras tem participação no complexo nuclear.

Uma das condicionantes impostas para destravar Angra 3 é a mudança no modelo de governança da Eletronuclear. Este ponto consta no voto adiantado por Silveira no CNPE.

A empresa que gere as usinas de Angra dos Reis já vem realizando mudanças. No início de fevereiro, a companhia revisou o organograma da companhia e reduziu despesas com pessoal, material e terceirzados. Também adotou um plano de demissão voluntária.

A empresa afirmou que, a partir de 1º de abril de 2025, as medidas vão representar R$ 3 milhões anuais em economia.

Regime diferenciado

A aprovação do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares (Renuclear), em tramitação na Câmara dos Deputados, reduziria os custos da usina a partir de incentivos tributários.

A Eletronuclear negocia o retorno do Renuclear federal, que vigorou até 2017, com um prazo para o final de 2028, a fim de conseguir importar equipamentos com os benefícios previstos no programa.

Negocia, ainda, uma versão estadual do Renuclear com o governo do Rio de Janeiro. O presidente da estatal, Raul Lycurgo, já esteve com o governador Claudio Castro (PL) e com o secretário estadual de Fazenda, Leonardo Lobo, para tratar do assunto.

Estudo do BNDES

O BNDES entregou, em setembro do ano passado, um relatório detalhado sobre a situação de Angra 3, com previsão de custos tanto para a conclusão quanto para o abandono da obra. O levantamento feito pelo banco já passou pelo crivo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e aguarda apenas decisão do CNPE para definir o futuro da terceira usina nuclear de Angra dos Reis (RJ).

O custo de concluir a usina é praticamente o mesmo de abandonar o projeto. Desistir das obras de Angra 3 custaria R$ 21 bilhões, enquanto a conclusão do empreendimento foi estimada em R$ 23 bilhões.

Para evitar maiores prejuízos, equipamentos e combustível nuclear que seriam usados em Angra 3, foram reaproveitados pela segunda usina. Por isso, aproximadamente R$ 1,4 bilhão será reembolsado pelo caixa de Angra 2.

Caso a opção fosse a desistência da construção, os R$ 21 bilhões de toda a desmobilização, iniciada há 40 anos, seria dividida da seguinte forma:

  • R$ 9,2 bilhões para quitar financiamentos já existentes com a Caixa e o BNDES, incluindo multas e penalidades decorrentes da não conclusão da obra;
  • R$ 2,5 bilhões para a rescisão de contratos firmados e suas respectivas penalidades;
  • R$ 1,1 bilhão para a devolução de incentivos fiscais recebidos na importação e aquisição de equipamentos;
  • R$ 940 milhões em desmobilização das obras já realizadas;
  • R$ 7,3 bilhões de custo de oportunidade de capital investido.

Movimento contário ganha força

Um manifesto contrário à construção da usina foi enviado ao presidente Lula no início de fevereiro. O documento tem mais de 450 assinaturas, incluindo entidades, movimentos sociais, políticos, cientistas e três ex-ministros do Meio Ambiente.

Dentre eles está o ex-ministro de Lula, Carlos Minc (PSB/RJ), a ex-ministra de Dilma, Izabella Teixeira, e José Carlos de Carvalho, ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso.

Dentre os argumentos da carta ao presidente estão o encarecimento da energia, a obsolescência de equipamentos, a suscetibilidade às mudanças climáticas das usinas à beira-mar, os riscos ambientais da expansão da exploração de urânio, entre outros.

Na semana passada, o portal R7 noticiou que um vazamento havia sido detectado em Angra 2 em 25 de dezembro de 2024 e teria colocado a usina para funcionar em “modo estepe”.

Segundo a empresa que controla o complexo, a usina opera com 100% da potência e em nível máximo de segurança, não havendo risco de acidente nuclear. A Eletronuclear negou que tenha havido vazamento e o problema se deu um dos selos de proteção do reator.

Foi identificada uma pequena passagem de água pelo primeiro selo, inferior a um litro por dia e esta água é coletada pelo próprio sistema do reator para um tanque de coleta, constante do projeto original da usina.

O segundo selo permanece 100% íntegro, operante, e garantindo a vedação completa do sistema, conforme divulgado pela Eletronuclear. As camadas de proteção da usina atuam de forma redundante bastando apenas um para garantir a perfeita vedação, informou a empresa.

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