JUIZ DE FORA — A ampliação da integração energética entre o Brasil e a Bolívia deu mais um passo na quarta-feira (01/10), quando o governo brasileiro oficializou a divisão da energia extra gerada pela hidrelétrica de Jirau, durante reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE): dois terços para o Brasil e um terço para a Bolívia.
Na prática, foi a concretização do memorando de entendimento (MoU) assinado em maio, durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e comitiva à Bolívia.
Nesta segunda-feira (6/10), Lula se reuniu novamente com o presidente boliviano Luis Arce em uma conversa que durou cerca de 20 minutos, segundo assessores de Lula, na qual trataram de temas administrativos da relação bilateral entre os países.
O encontro ocorreu na Base Aérea de Brasília, pouco antes de Lula embarcar para Imperatriz (MA), onde participou da entrega de unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida.
Lula e Arce também já haviam se reunido em dezembro de 2024, durante a cúpula do Mercosul em Montevidéu, capital uruguaia, quando discutiram cooperação regional e integração energética.
A aproximação num contexto de rearticulação política na Bolívia: Arce está no fim do mandato, que termina em dezembro, após derrota histórica nas eleições presidenciais de agosto deste ano. O partido, dividido entre grupos ligados a Evo Morales e ao próprio Arce, obteve apenas 3,2% dos votos.
O segundo turno será disputado em 19 de outubro entre os candidatos de direita Rodrigo Paz Pereira (Partido Democrata Cristão) e o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga (Aliança Livre). Ambos os candidatos sinalizam reformas na Lei de Hidrocarbonetos.
Mas qual é a proposta, afinal, para a colaboração entre os países no mercado de energia? A seguir, a agência eixos se debruça sobre as informações disponíveis até o momento.
Conexão e aproveitamento de infraestrutura
Um pacto para o setor elétrico firmado em Santa Cruz de La Sierra, em 2024, com a presença de Lula, prevê a interconexão entre redes dos dois países: as subestações Guajará-Mirim (RO) e Guayaramerín (Bolívia) serão ligadas, permitindo que energia brasileira chegue a localidades bolivianas isoladas.
O Ministério de Minas e Energia (MME) afirmou à época que três municípios bolivianos de 250 mil habitantes seriam interligados a partir da rede de distribuição da Energisa no Acre.
Jirau reforça cooperação
O acordo que revisa a operação de Jirau nasce da necessidade de ampliar a geração energética sem novas hidrelétricas. O memorando entre Brasil e Bolívia viabiliza com que, no período de estiagem, a usina mantenha operação ampliada com ganhos energéticos para o Sistema Interligado Nacional (SIN).
Em maio de 2025, durante a visita de Lula à Bolívia, os dois governos assinaram um memorando de entendimento que autorizou elevar a cota do reservatório da usina de Jirau para 90 metros — nível acima da faixa usual de 82,5 m a 90 m — mediante compensação aos bolivianos.
Com a Portaria nº 2.946, de maio de 2025, o MME atualizou a garantia física energética para Jirau e estabeleceu novas condições de operação, condicionadas à manutenção de regras ambientais e compatibilidade da licença para operar continuamente na nova cota. Segundo o documento publicado no Diário Oficial da União, será necessário observar critérios técnicos e ambientais aprovados pelo Ibama.
A medida adiciona 121,1 MW médios ao SIN, podendo chegar a 236,5 MW médios com a cota máxima.
Com capacidade instalada de 3,75 GW, Jirau responde por 3,7% da geração hidrelétrica do país e é a quarta maior usina do Brasil, atrás de Itaipu, Belo Monte e Tucuruí.
A expectativa é que a operação na nova cota do Rio Madeira aumente a geração de Jirau em 750 megawatts (MW).
O empreendimento conta com 50 turbinas, cada uma com potência de 75 MW, totalizando 3.750 MW de capacidade instalada.
A UHE de Jirau tem como principais acionistas a Engie e a Eletrobras, cada uma com 40% de participação, além da Mizha Participações S.A., subsidiária da Mitsui & Co., que detém os 20% restantes.
Colaboração também no gás
A visita do governo à Bolívia em maio de 2024 resultou não só no acordo de Jirau, mas em entendimentos a respeito da integração energética dos dois países por meio da utilização da infraestrutura de dutos existentes no transporte de gás.
Embora a produção gasífera boliviana tenha entrado em declínio, a infraestrutura existente é uma das alternativas para trazer o gás da região de Vaca Muerta, na Argentina, para o Brasil, por meio do Gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol).
Ao longo dos anos, o mercado brasileiro tem tentado acessar a oferta boliviana, mas a concretização de contratos firmes de suprimento, em grandes volumes e entregues diretamente à indústria brasileira representa um arranjo inédito na relação comercial entre os países.
Na missão de maio de 2024, Silveira esteve reunido com autoridades bolivianas para discutir a compra direta de gás natural produzido na Bolívia, sem a intermediação da Petrobras, em reunião que também contou com a presença de representantes da indústria brasileira.
Principais pontos da relação energética Brasil–Bolívia
- Decisão do CNPE (1º/10/2025): define a divisão da energia extra da Usina Hidrelétrica de Jirau.
- Portaria MME nº 2.946/2025: revisou a garantia física da usina e autorizou operação na cota de 90 metros, condicionada a parecer ambiental do Ibama.
- Memorando assinado em maio na Bolívia: formalizou a parceria para divisão da energia extra de Jirau, com dois terços para o Brasil e um terço para a Bolívia.
- Ganho energético: aumento estimado de 750 MW na geração de Jirau com a adoção da cota 90.
- Interconexão elétrica: prevê ligação entre as subestações Guajará-Mirim (RO) e Guayaramerín (Bolívia), beneficiando localidades bolivianas isoladas.
- Benefícios regionais: três municípios bolivianos atendidos pela rede brasileira, conectando 250 mil habitantes.
- Integração estrutural: aproveitamento de infraestrutura já existente — hidrelétricas e gasodutos.
- Aproveitamento do Gasbol: uso da infraestrutura de dutos já existentes da Bolívia e de Vaca Muerta (Argentina) para o Brasil.
- Compra direta de gás: aquisição direta de gás boliviano, sem intermediação da Petrobras.