Em crescimento acelerado, a indústria de geração solar fotovoltaica pisou no freio em março, principalmente no segmento de geração distribuída, que apresentou recuo de até 90% no volume de pedidos por equipamentos, em algumas empresas, por conta da covid-19.
Nos três primeiros meses do ano, a capacidade dos sistemas de geração distribuída (GD) solar cresceu 25%, saltando de 2 mil MW, no início de janeiro, para 2,5 mil MW no fim de março. Com a chegada da pandemia, tudo mudou.
“Estamos bastante preocupados, em especial, com os pequenos negócios”, conta Rodrigo Sauaia, presidente-executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
“Até o ano passado, eram 14 mil empresas, com 130 mil empregos gerados. Muitas vezes são negócios familiares, com pouca estrutura e recursos disponíveis e, por isso, muito suscetíveis a tempestades econômicas”.
A crise também afetou projetos de grande porte. Usinas em construção tiveram suas obras paralisadas, e algumas já instaladas chegaram a ter suas atividades interrompidas, devido a medidas restritivas de combate ao novo coronavírus, contrariando até mesmo o enquadramento da geração de energia pelo governo federal como atividade essencial.
“São nove estados, que possuem usinas em operação ou construção, com os quais temos mantido interlocução para buscar soluções que permitam a continuidade desses projetos”, afirma Sauaia.
Solar na MP 950
Em meio à crise, o segmento solar fotovoltaico tenta encontrar oportunidades, inclusive se mostrando como solução para alguns problemas. A Absolar enviou ao Congresso, uma proposta para ser incluída na medida provisória (MP) 950, que trata do subsídio, por um 90 dias, das tarifas de energia elétrica de consumidores de baixa renda.
“A gente encaminhou uma sugestão ao congresso e ao governo federal, para que o governo pudesse aproveitar a energia solar, de maneira complementar, como forma de reduzir estruturalmente as contas de energia elétrica dos consumidores de baixa renda, instalando energia solar fotovoltaica nas residências desses consumidores”.
A proposta da Absolar seria uma forma de reduzir a longo prazo os custos da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) que agora são repassados a 75 milhões de consumidores no país. Parte dos recursos da CDE são destinados para bancar os descontos nas contas de luz de 9 milhões de pessoas de baixa renda.
É impossível no momento fazer projeções para 2020, mas Sauaia acredita que haverá crescimento. “Tínhamos a expectativa de gerar 120 mil novos empregos. Com a covid-19, deve acontecer em um horizonte mais longo, mas ainda irá acontecer”.
O presidente da entidade também enxerga oportunidades para o segmento pós-pandemia. “Acreditamos que no momento em que as empresas pensarem em reduzir custos para se tornarem mais competitivas, em um cenário pós-covid, a energia solar irá despontar como uma oportunidade”, afirma.
“Em outros momentos de crise, a energia solar se provou como uma propulsora do crescimento. Em 2015 e 2016, o PIB caiu 3,5% nos dois anos, enquanto o setor de energia solar crescia a taxas de mais de 300% ao ano”.
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A entrevista completa com Rodrigo Sauaia, presidente-executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar)
O segmento solar crescia velozmente antes da pandemia, vocês ainda esperam crescimento para este ano?
Começamos 2020 com 2 mil MW [de potência instalada] e fechamos março com 2,5 mil MW. Isso mostra o quão rápido o setor crescia no ano. Tínhamos a expectativa de gerar 120 mil novos empregos. O que agora com a covid-19 deve acontecer em um horizonte mais longo , mas ainda irá acontecer.
Esperávamos para este ano a injeção de R$ 16,4 bilhões de investimentos em geração distribuída, R$ 3,3 bilhões em usinas de grande porte, em um total de R$ 19,7 bilhões de investimento no segmento solar fotovoltaico. Não temos dados consolidados para compartilhar ainda. Apesar disso, nossa expectativa para este ano é de crescimento mesmo nas dificuldades que atravessamos.
Como o setor foi impacto por essa crise?
Dividimos os impactos no setor solar fotovoltaico em duas ondas. A primeira onda que o setor sentiu foi a de oferta, dado que uma parcela importante dos equipamentos do setor é produzida na Ásia, primeiro epicentro da pandemia, onde o governo chinês tomou uma série de medidas de restrição que impactaram a capacidade de produção e disponibilidade de equipamentos no mercado.
Essa primeira onda, em grande medida, já está superada. A oferta de equipamentos não preocupa o setor, mas sim a segunda onda, que tem a ver com a demanda. Com as pessoas reclusas e empresas com atividades afetadas, o volume de pedidos que o setor solar fotovoltaico tem recebido diminuiu.
A demanda foi impactada, o pedido por equipamentos teve uma diminuição, variando 30% a 90%, em comparação aos meses de janeiro e fevereiro, dependendo da empresa e região. Uma vez que alguns municípios e estados estão mais afetados, pela doença e pelas medidas restritivas, que outros. A situação do setor para nós é muito desafiadora.
Qual a maior preocupação no momento?
São dois grandes mercados de energia solar no Brasil. As usinas de grande porte, um mercado do qual participam empresas maiores e mais estruturadas, que possuem contrato de venda energia para distribuidoras de longo prazo e atendimento dos consumidores. Este mercado tem dois desafios: a manutenção e continuidade da operação das usinas de geração já construídas e continuidade das obras das usinas em construção.
Alguns municípios, até contrariando o governo federal que estabeleceu atividades de geração de energia elétrica como atividade essencial, chegaram a impedir a operação de energias existentes. São nove estados que possuem usinas em operação e ou construção, com os quais temos mantido interlocução para buscar soluções, que permitam a continuidade desses projetos.
E a geração distribuída?
Até o ano passado, eram 14 mil empresas, com 130 mil empregos gerados. Elas são milhares de pequenas empresas espalhadas em quase 80% dos municípios brasileiros. Muitas vezes são negócios familiares, com pouca estrutura e recursos disponíveis, e, por isso, muito suscetíveis a tempestades econômicas. Elas foram pegas no contrapé, e estão mais em risco nesse momento. Estamos bastante preocupados, em especial, com os pequenos negócios.
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Vocês conseguem fazer uma previsão de cenários neste momento?
Teremos semanas difíceis pela frente, ainda não temos clareza desse horizonte, mas estamos avaliando diferentes cenários, que a gente está acompanhando de perto. O que sabemos é que há um impacto caro no nosso setor, e isso vai levar a uma certa demanda reprimida que vai aguardar a saída da crise para recuperar com agilidade o potencial de demanda.
A pessoa que iria instalar o sistema fotovoltaico está aguardando o momento ideal, com pouco mais de clareza, para realizar este investimento. Acreditamos que no momento em que as empresas pensarem em reduzir custos para se tornarem mais competitivas em um cenário pós-covid, a energia solar irá despontar como uma oportunidade. No nosso cenário brasileiro também existe um número importante de projetos previstos para entrarem em operação este ano, mesmo com a crise, projetos frutos de leilões que ocorreram em anos anteriores.
O quanto o segmento solar é dependente da China? É o momento de incentivar a indústria nacional?
O Brasil tem dois blocos de fornecedores, 40 nacionais, e fabricantes internacionais, principalmente da China. Existe uma oportunidade estratégica. A gente percebe o quão sensível pode ser ficar dependente de insumos e equipamentos vindos do exterior.
Um bom exemplo são os insumos de remédios e respiradores, que o Brasil tem condição de produzir, mas uma parcela vem importada, o que mostra a dependência do Brasil neste caso. No caso solar, não parece ter sido tomada uma decisão estratégica de nação sobre qual o papel que nós queremos ter. As medidas do governo parecem alguns momentos descasadas.
Há ministérios que estão trabalhando arduamente para desenvolver competência industrial no setor, por exemplo, o Ministério de Tecnologia e Inovação, que identifica o segmento solar como estratégico, no qual o Brasil precisa fazer parte, não apenas como consumidor dessa tecnologia.
Precisamos produzir, ter autonomia e independência. O país no século 20 perseguiu o sonho de ser autossuficiente em petróleo de óleo e gás, no século 21 precisamos perseguir o sonho da nossa autossuficiência em energia solar. O setor solar ainda não tem uma política de competitividade industrial adequada, é preciso corrigir esta lacuna.
Temos uma série de recomendações neste sentido, começando pela redução da elevadíssima carga tributária sobre as matérias primas. Não faz sentido manter essa carga tributária exorbitante na matéria prima, porque isso prejudica o preço do equipamento acabado e também a possibilidade do Brasil se tornar um fornecedor em nível global desses equipamentos, para atender outros mercados da Américas e África.
Acredita que o segmento da geração será blindado pelo governo em meio a essa crise?
O governo deu sinais muito importantes nesse sentido. Um deles com o reforço tanto pelo ministro quanto pelos secretários, como de representantes da Aneel, da importância do respeito aos contratos firmados, reconhecendo que o respeito a esses contratos vai ser fundamental, não apenas no momento agudo da crise, como no momento “D+1”, no dias seguinte da crise, quando o Brasil estiver trabalhando para atrair novos investimentos.
Existe essa clareza que na visão do governo e Aneel é preciso honrar e preservar os contratos para que não haja perda de credibilidade no Brasil. Também é importante preservar as regras, para que não haja um efeito em cascata. Fazendo com que o problema de um segmento, no caso da distribuidoras, seja solucionado na sua origem e não contamine outros segmentos do setor elétrico.
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Sobre a resolução 878 da ANEEL…
A ANEEL estabeleceu a resolução 878 , uma medida importante, porém com efeito colateral, trazendo uma série de problemas para a geração distribuída. Aneel tem que remediar os efeitos colaterais. Se por um lado positivo, a medida estabeleceu que nenhum consumidor fique sem acesso a energia elétrica, por outro lado, estabeleceu que as distribuidoras passassem a realizar atividades remotamente, como leituras de medidores, e acabou afetando atividades importantes para a geração distribuída, como vistorias e substituição de medidores, que permitem conectar o sistema de geração distribuída na rede.
Isso nos preocupa, pois muitas empresas do mercado têm projetos a serem entregues aos clientes, ou já possuem instalados em suas casas, porém falta que a distribuidoras conectem esses sistemas na rede para que usufruam desta energia limpa e renovável.
O que está sendo feito?
Começamos um processo de divulgação de informações consolidadas, chamado Solar Urgente, onde compilamos medidas que estão sendo tomadas para aliviar o setor produtivo, para trazer segurança e manutenção de empresas e empregos.
Tivemos reuniões com diretores da Aneel desde o início da crise e com o MME, com um diálogo fluido e construtivo, em que vemos a preocupação do governo e agência para que possamos identificar os problemas e buscar soluções.
Recomendamos para Aneel esclarecer com clareza o procedimento e tratamento a ser dado para a geração distribuída nesse período de pandemia, como ficam as atividade se operações do setor, e que as distribuidoras façam o correto cálculo das tarifas dos consumidores, levando em consideração a sua geração própria, que valem como um crédito que deve ser abatido no consumo que ele pagaria.
Também há uma medida provisória [MP 950] no Congresso que trata do setor elétrico. A gente encaminhou uma sugestão ao Congresso Nacional e ao governo federal, de que o governo pudesse aproveitar a energia solar, de maneira complementar, como forma de reduzir estruturalmente as contas de energia elétrica dos consumidores de baixa renda, instalando energia solar fotovoltaica nas residências desses consumidores.
Seria uma forma de reduzir o custo da CDE (Cota de Desenvolvimento Energético), rateado entre 75 milhões de consumidores, e beneficiar 9 milhões pessoas de baixa renda, não apenas por três meses, mas por 25 anos, que é a vida útil dos equipamentos solares.
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E quanto ao marco legal da geração distribuída no Congresso?
Acreditamos que o tema da geração precisa desse marco legal, agora o momento é de tratar de questões emergenciais, na solução de problemas relacionados a covid-19. Primeiro tratamos da pauta urgente, para depois retomar o que é importante. Avançar depois de apagar este incêndio maior que é a pandemia.
Como as empresas podem sobreviver à crise?
Primeiramente, devem seguir as recomendações das autoridades de saúde pública, ponto fundamental para a que a gente contribua no combate ao coronavírus e na superação da fase aguda da pandemia. A pior coisa que pode acontecer para o setor produtivo brasileiro é que essa pandemia se prolongue.
As empresas precisam fazer uma avaliação detalhada dos seus custos fixos e variáveis, para identificar os custos que tem condições de reduzir ou renegociar. Também precisam acompanhar os anúncios feitos pelos governos, instituições financeiras, medidas de alívios e suporte ao setores produtivos, para que as empresas possam fazer uso de auxílios que permitam dar conta das obrigações trabalhistas.
Fortalecer as vendas online e buscar diálogo com o mercado, clientes, fornecedores e consumidores. Se a empresa se mostrar ativa, ela tem mais chances de, em um retorno econômico, recuperar esse contato e converter em compra.
Vão surgir oportunidades no pós-crise?
A energia solar fotovoltaica é uma locomotiva para a economia. O setor é um grande gerador empregos: 25 a 30 por MW instalados. Além disso, contamos com alta atração de investimentos por termos uma barreira de entrada baixa. Também somos um importante gerador de arrecadação para o poder público.
Este ano, o setor seria responsável por R$ 5 bilhões em impostos diretos e indiretos. Em outros momentos de crise, a energia solar se provou como uma propulsora do crescimento. Em 2015 e 2016, o PIB caiu 3,5% nos dois anos, enquanto o setor de energia solar crescia a taxas de mais de 300% ao ano.
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