Opinião

Economia de até R$ 9,1 bi em jogo

Mesmo com reservatórios cheios e térmicas mais caras, modelo de despacho segue calibrado para cenário crítico da crise hídrica de 2021, elevando custos e risco inflacionário, escreve Franklin Miguel

Franklin Miguel é CEO da Electra Energy (Foto Divulgação)
Franklin Miguel é CEO da Electra Energy (Foto Divulgação)

O setor elétrico brasileiro pode ter uma economia de até R$ 9,1 bilhões caso sejam alterados os parâmetros técnicos de risco usados na formação do preço da energia. 

A estimativa é da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) e diz respeito a mecanismos que, na essência, têm papeis muito semelhantes à taxa de juros no controle da inflação.

O bem-sucedido regime de metas de inflação adotado pelo Brasil em 1999 pressupõe que a meta e o seu intervalo de tolerância sejam definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), cabendo ao Banco Central (BC) adotar as medidas necessárias para assegurar seu cumprimento.

Qualquer alteração na meta ou em seu intervalo deve ser anunciada com pelo menos 36 meses de antecedência — o que garante previsibilidade aos agentes econômicos e estabilidade na condução da política monetária.

Voltando ao setor elétrico, o mecanismo em questão é a aversão ao risco dos modelos computacionais de formação de preço da energia, cujo equilíbrio é garantido por dois parâmetros técnicos relativos ao planejamento da operação do setor: α (nível de proteção) e λ (peso do nível de proteção). 

Independentemente das letras gregas e dos seus respectivos valores, uma mudança recente no modelo de otimização do setor — agora denominado NW Híbrido — combinada aos valores adotados para essas variáveis deixou o modelo excessivamente permissivo quanto ao risco, distorcendo o comportamento frente ao modelo anterior (NW Reservatório Equivalente).

Por isso, tais variáveis também foram alteradas, com o reestabelecimento de uma percepção de risco compatível com o que vem sendo adotado no Brasil desde a crise hídrica de 2021 — um ajuste comparável à elevação da taxa de juros para reconduzir a inflação à meta.

O problema é que essa nova configuração ignora que o setor de geração termoelétrico passou por transformações estruturais relevantes: mudanças regulatórias alteraram a forma de atualização dos custos dos combustíveis usados pelas usinas e terminaram alguns contratos desse tipo de usinas de leilões regulados de energia (CCEARs) e do Programa Prioritário de Termelétricas (PPT), que possuíam um custo de combustível subsidiado.

O resultado é um descompasso entre os parâmetros técnicos relativos ao planejamento da operação do setor e essas transformações, que induzem os modelos de despacho das usinas a um comportamento mais conservador, com maior acionamento térmico e maior economia de água nos reservatórios. Na prática, isso equivale a aumentar o grau de aversão ao risco sem necessidade.

Agora, estudos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) recomendaram a manutenção dos fatores.

Só que tais estudos foram baseados em cenários críticos, como o de 2021, quando os reservatórios das hidrelétricas estavam com apenas 23,1% da capacidade de armazenamento (contra cerca de 69% hoje).

É como se, para decidir a Selic, o BC utilizasse como referência a maior inflação da história recente, em vez da situação atual da economia. Isso gera decisões descoladas da realidade e, no caso do setor elétrico, onera desnecessariamente o consumidor, como reconhece o próprio ONS.

O fato é que, assim como o Banco Central precisa ajustar a taxa de juros de acordo com o momento econômico, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) deve calibrar os parâmetros de aversão ao risco com base nas condições atuais do sistema — como o nível dos reservatórios e o real custo das térmicas.

A insistência em manter parâmetros defasados compromete a eficiência econômica, penaliza o consumidor e pode, paradoxalmente, alimentar pressões inflacionárias que o próprio Banco Central terá de combater com juros mais altos. 

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Franklin Miguel é CEO da Electra Energy.

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