Opinião

Do curtailment à oportunidade: o Brasil precisa de agregadores e usinas virtuais de energia agora

Criação de agregadores e usinas virtuais podem integrar geração distribuída, reduzir desperdícios e abrir caminho a um novo ciclo econômico verde no Brasil, escreve Gustavo Ribeiro

CEO da Thopen, Gustavo Ribeiro (Foto Divulgação)
CEO da Thopen, Gustavo Ribeiro (Foto Divulgação)

O setor elétrico brasileiro vive hoje uma contradição histórica. De um lado, consolidamos uma das matrizes mais limpas do mundo, com participação majoritária de hidrelétricas, solar e eólica.

De outro, desperdiçamos energia renovável com cortes crescentes da geração centralizada, enquanto recorremos a térmicas caras e poluentes para manter o equilíbrio do sistema. Esse paradoxo eleva o custo da energia, pressiona a Conta de Desenvolvimento Energético e mina a competitividade do país.

A saída não está em intensificar a disputa entre setores, mas em dar os passos necessários em direção a uma flexibilidade operativa compatível com a atual participação das renováveis no sistema.

Esse é o caminho seguido pelos mercados mais avançados do mundo, que transformaram sua dor em oportunidade. Nesse sentido, um grande avanço é reconhecer o papel dos agregadores de recursos distribuídos e permitir a formação das chamadas usinas virtuais (Virtual Power Plants – VPPs).

Um agregador é um agente de mercado capaz de coordenar milhares de pequenos recursos distribuídos — painéis solares, baterias residenciais e comerciais, veículos elétricos e consumidores flexíveis — e orquestrá-los digitalmente para que funcionem como uma grande usina.

O resultado é uma planta virtual que, aos olhos do operador do sistema, se comporta como uma usina despachável de centenas de megawatts, mas que na prática é formada pela soma de milhares de unidades espalhadas pelo país.

Essa inteligência coletiva reduz o acionamento de térmicas, dá estabilidade à rede, aumenta a resiliência do sistema e ainda gera novas fontes de receita para os consumidores que participam.

O Brasil não parte do zero. Já temos mais de 2 milhões de sistemas de geração distribuída instalados.

Se esses ativos forem coordenados, estudos mostram que poderíamos reduzir de forma significativa o Custo Marginal de Operação, evitar a emissão de dezenas de milhões de toneladas de CO2 e reforçar a integração das renováveis ao sistema elétrico com eficiência e competitividade.

E, acima de tudo, garantir que o consumidor final pague menos pela energia, compartilhando diretamente os benefícios da flexibilidade.

Impacto vai muito além da energia

A criação de agregadores e VPPs abre espaço para um novo ciclo econômico: a produção e instalação em massa de baterias de pequeno porte, o rollout de medidores inteligentes, o desenvolvimento de softwares e plataformas digitais de gestão de energia e a geração de empregos em milhares de cidades brasileiras ligadas à operação dessa nova infraestrutura invisível.

É uma oportunidade de reindustrialização verde, com valor agregado alto e capacidade de colocar o Brasil no mapa da inovação em energia digital.

O PL 1304 abre uma janela política rara. Não é necessário aprovar uma regulação complexa de imediato. Basta criar a figura do agregador e permitir que pilotos sejam testados. A experiência internacional mostra que a sofisticação regulatória vem depois: primeiro o agente existe, o mercado prova seu valor e só então a regulação se aprofunda.

Mas, além de criar o agente, é indispensável estabelecer sinais de preços adequados. Sem preços que reflitam a escassez e o valor real da flexibilidade em cada hora do dia, os agregadores e as usinas virtuais não terão incentivos para entregar todo o seu potencial.

O mercado só floresce se o consumidor que ajusta seu consumo, a bateria que armazena energia ou o carro elétrico que devolve energia à rede forem recompensados de forma justa e transparente. Esse alinhamento garante que a inovação tecnológica se traduza em eficiência econômica para o país.

Para avançar, precisamos superar a guerra de narrativas que fragmenta o setor. A tentativa de transferir problema de um lado para o outro não leva a lugar nenhum.

O verdadeiro desafio não é destruir valor, mas criar um novo mercado em que todos ganham: consumidores, geradores, operadores e a sociedade como um todo.

Na Europa, empresas disputam quem consegue reduzir mais o custo da energia para o cliente e compartilhar com ele os benefícios da flexibilidade. Aqui, ainda estamos presos em batalhas para ver quem consegue vender ao preço mais alto.

O Brasil não pode desperdiçar essa chance. Precisamos criar agora as condições para que agregadores e VPPs floresçam. O custo da inação será muito maior que o da inovação. O futuro da energia já chegou — a escolha é se seremos protagonistas ou espectadores.


Gustavo Ribeiro é CEO da Pontal Energy e da Thopen.

Inscreva-se em nossas newsletters

Fique bem-informado sobre energia todos os dias